Acostumadas a operar sem dar satisfações a governos e autoridades — sob a justificativa de defender um torto conceito de “liberdade de expressão” —, empresas de tecnologia estão incomodadas com ações tomadas por autoridades brasileiras que visam criar regras para estabelecer deveres e responsabilidades mais claras à atuação das big techs no país.

Recentemente, companhias da área, por meio de suas associações, reclamaram dessas medidas junto ao Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês). O órgão, a mando do presidente Donald Trump, investiga o Brasil pelo que ele considera serem “práticas comerciais ilegais”.

Um dos alvos iniciais dessa investida foi o Pix, considerado um “risco” aos negócios milionários das empresas de cartões de crédito e débito. Tal investigação é parte dos ataques do republicano à soberania brasileira que visam a pressionar o Brasil a se subordinar aos interesses dos EUA, especialmente quanto ao processo movido contra Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe.

Dentre as companhias que se queixaram ao USTR estão Meta (controladora do Instagram, Facebook e WhatsApp), Google (que também é dona do YouTube), Microsoft, Amazon, Apple, Nvidia e OpenAI, representadas pelas associações da Indústria de Computadores e Comunicações (CCIA) e a de Tecnologia do Consumidor (CTA), além do Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação (ITI) dos EUA.

Regulação das redes

As companhias reclamam, entre outros pontos, do julgamento por parte do Supremo Tribunal Federal sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet, no final de junho. Na ocasião, o STF considerou tal dispositivo parcialmente inconstitucional, estabelecendo que as redes sociais podem ser responsabilizadas por postagens criminosas ou ofensivas feitas por seus usuários, sem que para isso seja preciso ordem judicial, como ocorria antes.

Na ocasião, o Tribunal fixou as hipóteses em que os provedores estão sujeitos à responsabilização civil se não atuarem imediatamente para retirar conteúdos que configurem a prática de crimes graves. A lista inclui, entre outros, conteúdos referentes à tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito, terrorismo, instigação à mutilação ou ao suicídio, racismo, homofobia e crimes contra mulheres e crianças.

Há poucos dias, ganhou força no Congresso a discussão sobre a proteção de crianças e adolescentes nas redes, após denúncia do influenciador Felipe Bressanim Pereira (conhecido como Felca). Entre outros casos de adultização, ele trouxe à tona o de Hytalo Santos, investigado pelo Ministério Público da Paraíba e pelo Ministério Público do Trabalho por exploração e exposição de menores de idade em conteúdos publicados nas redes sociais.

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A gravidade e repercussão do caso levou o Congresso a agilizar o debate sobre o tema, que vinha em ritmo lento desde que foi travada a tramitação do Projeto de Lei das Fake News (2630/20). Além disso, o governo Lula já vinha trabalhando uma proposta a ser levada ao Congresso que estabelece regras relativas à regulação de conteúdo e para coibir práticas de concorrência desleal pelas plataformas.

IA, Pix e Anatel

Outro ponto que gerou incômodo por parte dessas empresas está no debate sobre regulação da inteligência artificial que ocorre no Congresso. Elas argumentam que o regramento poderia criar barreiras para os desenvolvedores desse tipo de tecnologia.

As big techs também reclamaram do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), encabeçado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, que tem como eixo uma visão soberana da IA e a busca por desenvolvê-la sobre bases brasileiras. Para as empresas, isso poderia “limitar o acesso a ofertas estrangeiras” — o que, claro, representaria perda de ganhos para elas.

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Em evento realizado em junho, a titular do MCTI, Luciana Santos, reafirmou o caráter nacional e soberano da iniciativa: “O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação está comprometido em colocar a inteligência artificial a serviço de um projeto nacional, de crescimento com inclusão e redução das desigualdades. Isso exige visão estratégica, coordenação entre setores e investimento em soberania tecnológica”.

Quanto ao Pix, as empresas disseram que o mecanismo traria “distorções anticompetitivas”, uma vez que também retiraria das empresas estadunidenses a supremacia na concessão de serviços de pagamento eletrônico.

Em resposta ao USTR, o governo brasileiro disse que a administração pelo Banco Central garante neutralidade ao sistema de pagamentos instantâneos e que outros bancos centrais — inclusive o Federal Reserve (Fed, Banco Central dos Estados Unidos) — testam ferramentas parecidas.

Além disso, criticaram a decisão da Anatel (Agência Brasileira de Telecomunicações) de intensificar a fiscalização do comércio on line — como a Amazon, Shopee e Mercado Livre — para combater a venda de produtos dessa natureza não homologados.

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Last Update: 21/08/2025