Motivos para considerar a execução do orçamento pelo Congresso inconstitucional.

por Carlos Frederico Alverga

Num regime republicano que adota a tripartição de Poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, cada poder tem sua função típica, que exerce contínua e ininterruptamente, e as funções atípicas, as quais exercem de modo esporádico e excepcional. Quando passa a ocorrer de os Poderes passarem a exercer suas competências atípicas de modo contínuo e ininterrupto, quase do mesmo modo pelo qual exercem suas funções típicas, é sintoma de que as instituições democráticas estão disfuncionais, desestruturadas e desorganizadas.

No caso da execução da lei do orçamento, a função típica do Poder Executivo é executar as dotações constantes da lei de meios, por intermédio da ação de empenhar, liquidar e pagar as despesas orçamentárias. Pode-se considerar que a função preponderante do Executivo é a de proceder à execução orçamentária com base nos dispositivos constitucionais presentes no artigo 84, incisos II, XXIII e XXIV. Vamos a eles:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(…) II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;

(…) XXIII – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;

XXIV – prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;”

Pode-se concluir que, tendo em vista que o Presidente da República exerce, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal, e os atos que devem ser realizados para a concretização das políticas e programas públicos constam do Plano Plurianual (PPA) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), logo a função precípua de execução da programação orçamentária é atributo típico do Poder Executivo Federal por intermédio da ação do Presidente da República.

Além disso, a iniciativa da proposição das Leis Orçamentárias, as Leis do PPA, das Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da LOA, as quais devem ser apreciadas pelo Congresso que, além de deliberar sobre elas e propor emendas, exercerá o controle e a fiscalização da execução do orçamento a ser realizada precipuamente pelo Poder Executivo. Devido a isso, o Presidente, conforme transcrito acima, prestará contas ao Congresso Nacional, enviando a esta instituição as contas referentes ao exercício anterior, representadas no Balanço Geral da União (BGU, documento remetido para apreciação do Congresso Nacional), conforme mencionado. A seguir, veremos que ao Congresso Nacional caberá controlar e fiscalizar a execução da peça orçamentária, além de julgar as contas anuais do Presidente da República, exercendo o controle externo, de natureza política, com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU).

Contraria a cláusula pétrea da separação dos poderes (Constituição Federal, art. 60, III) a execução do orçamento pelo Congresso na medida em que ele tem como atribuição constitucional fiscalizar os atos do Poder Executivo. Vai de encontro ao bom senso a mesma instituição executar o orçamento e ao mesmo tempo fiscalizar uma execução que ela própria realiza. Vamos agora verificar algumas das principais competências constitucionais do Congresso Nacional relativas à questão orçamentária.

No artigo 49, temos as competências constitucionais do Congresso Nacional, que são exercidas por meio da edição de Decretos Legislativos. Vejamos:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(…) IX – julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;

X – Fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;”

Vejamos que a Constituição se refere ao Congresso apreciar “os relatórios sobre a execução dos planos de governo”, que são precisamente o PPA e a Lei Orçamentária, mais uma sinalização de que, pela Constituição, o Executivo executa a LOA e o Legislativo fiscaliza e controla a execução da LOA pelo Executivo, além de poder propor emendas ao projeto da LOA, conforme consta do artigo 166 da Carta Política.

Outro dispositivo constitucional importante nessa divisão de tarefas orçamentárias entre os Poderes é o artigo 70, que atribui ao Congresso Nacional a titularidade do controle externo a ser exercido, principalmente, em relação à execução dos gastos previstos no orçamento e realizados pelo Executivo, com o auxílio do TCU. Reza o citado artigo:

“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”.

Já esse dispositivo tem relação com o artigo 49, IX, que diz que o Congresso Nacional vai julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo.

Já o artigo 71 da Carta Magna prevê que “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:  I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;”

Entretanto, a opinião do TCU no parecer prévio sobre as contas do Presidente não é vinculante para o julgamento das contas presidenciais pelo Congresso Nacional, o que significa que, mesmo que o TCU opine pela rejeição das referidas contas, o Congresso pode aprová-las.

Ou seja, há toda uma lógica de engenharia institucional e constitucional nessa divisão de tarefas formulada pelo constituinte originário, a qual não deve ser subvertida, sob pena de se promover a violação da cláusula pétrea da separação de poderes.

Carlos Frederico Alverga – Economista graduado na UFRJ, especialista em administração pública pelo Cipad/FGV e em Direito do Trabalho e Crise Econômica pela Universidade de Castilla La Mancha (Espanha) e mestre em Ciência Política pela UnB. E Mail: [email protected]

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Last Update: 03/07/2025