Data popular no estado, 2 de Julho celebra a vitória militar final contra os portugueses em 1823. Guerra foi marcada por grande adesão popular e engajamento feminino.
“Nasce o sol a 2 de julho, brilha mais que no primeiro / É sinal que neste dia até o sol, até o sol é brasileiro.”
Os versos que abrem o Hino ao Dois de Julho, que desde 2010 é o hino oficial do estado da Bahia, são tão populares entre os baianos quanto o hino nacional brasileiro.
A letra e a música do Hino ao 2 de Julho são respectivamente da autoria de Ladislau Titara e José dos Santos Barreto, dois ex-combatentes das batalhas que expulsaram definitivamente os portugueses da Bahia em 2 de julho de 1823.
Conhecida popularmente como a “Independência da Bahia”, a maneira mais precisa de definir o que aconteceu naquela data, no entanto, é a de que foi o dia em que o Brasil ficou independente na província da Bahia, de onde os portugueses ainda não tinham saído após o 7 de setembro de 1822.
O conflito com os portugueses na Bahia tinha começado ainda antes, no início de 1822. A guerra durou até a metade do ano seguinte, com direito a grande adesão popular na luta pela emancipação que, apoiada por mercenários estrangeiros contratados por D. Pedro 1°, resultou na vitória que é comemorada com um cortejo há mais de 200 anos.
A guerra pela independência
“A independência do Brasil começa na Bahia e se torna irreversível no dia 2 de julho de 1823 na Bahia” afirma Patrícia Valim, historiadora e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Desde 1815, o Brasil deixara de ser uma colônia para integrar o Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves. Mas a movimentação portuguesa para impor novamente ao Brasil o status colonial começou a gerar conflitos em Salvador em fevereiro de 1822.
Pintura de Antônio Parreiras intitulada “O Primeiro Passo para a Independência da Bahia”
Naquele mês, a cidade foi ocupada militarmente quando o coronel português Madeira de Melo assumiu o cargo de comandante das armas na província, a mando de Lisboa. A reação brasileira foi contida pelos portugueses, que perseguiram os rebeldes e invadiram o Convento da Lapa, presumindo que havia soldados brasileiros escondidos no local. Ao tentar impedir que os portugueses entrassem no claustro do convento, a abadessa Joana Angélica foi assassinada.
“Esse conflito é importante porque mobilizou muito o Rio de Janeiro e Lisboa. Esse fato foi discutido nas cortes, na imprensa e teve uma repercussão muito grande por se tratar de uma religiosa. Teve uma importância muito grande para a mobilização das pessoas na Bahia e fora dela”, diz o historiador Sérgio Guerra Filho, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Mas segundo Guerra Filho, a historiografia considera o início da guerra em junho daquele ano, a partir de outro episódio, quando tropas portuguesas bombardearam a cidade de Cachoeira ferindo um soldado conhecido como Soledade, tocador de tambor das tropas baianas.
“Uma embarcação foi enviada para não permitir a aclamação de D. Pedro em Cachoeira. Houve uma batalha de um dia inteiro, a embarcação portuguesa encalhou e ficou três dias até se render”, explica o historiador, que está lançando o livro 2 de Julho: 200 anos da luta de um povo.
Em agosto de 1822, antes mesmo do grito no riacho Ipiranga, D. Pedro conclamou os brasileiros a lutarem na Bahia pela independência. “Não é a causa de uma província, é a causa do Brasil que se defende na primogênita de Cabral”, escreveu o então príncipe regente.
Pintura “Batalha de Jenipapo” documenta episódio ocorrido em 13 de março de 1823 às margens do rio homônimo na Vila de Campo Maior, atual estado do Piauí
Luta popular e protagonismo feminino
Na época, a violência dos portugueses chegou ao conhecimento público também pelo panfleto Lamentos de uma baiana, escrito pela menina Urânia Vanério, de apenas 10 anos. Mas a autoria do texto só foi descoberta em 2022, graças à historiadora Patrícia Valim.
“É o mais crítico, o mais feroz, o mais raivoso, o mais duro. Ela trata ali de várias coisas, inclusive ela denuncia a insegurança jurídica no Brasil”, diz Valim sobre o teor do panfleto.
O engajamento feminino nas lutas da Bahia tem em Maria Quitéria e Maria Felipa outras duas grandes personagens históricas. Tal qual a francesa Joana d’Arc fizera quatro séculos antes, a baiana Maria Quitéria vestiu roupas de homem para se alistar e lutar na guerra, no batalhão de voluntários do Exército Pacificador.
“Maria Quitéria atirava muito bem e andava a cavalo melhor ainda”, diz Valim. Quitéria lutou sob os comandos do general francês Pedro Labatut, veterano das guerras napoleônicas, e depois foi condecorada pelo já imperador Pedro 1°.
Tida como decisiva na luta na Ilha de Itaparica, a figura da marisqueira Maria Felipa teve a veracidade contestada ao longo do tempo. “Uma das coisas mais cruéis que fazem com Maria Felipa é dizer que ela não existiu. Existem documentos provando a existência dela”, diz Valim.
Maria Quitéria de Jesus vestiu-se de homem para lutar pela Independência do Brasil.
Comandando o chamado Exército das Vedetas, formado por mulheres como ela, Felipa ajudou a derrotar os portugueses, contando com o apoio de indígenas, alforriados e escravizados em busca de liberdade.
Existente no relato feito muito depois por Ladislau Titara, o mito do Corneteiro Lopes resiste. Durante a vital Batalha de Pirajá, em novembro de 1822, quando as tropas brasileiras estavam sendo massacradas, ele teria se confundido e, em vez de dar o toque de retirada, tocado a melodia para a cavalaria avançar e degolar, fazendo os portugueses se retirarem ao imaginar que chegariam reforços para os brasileiros.
“O importante é que o exército português, que era muito experiente e melhor armado, não conseguiu furar as linhas brasileiras”, diz Guerra Filho.
O 2 de Julho na cultura
A vitória brasileira se consolidou com o bloqueio marítimo de Salvador, com participação da esquadra do mercenário de guerra britânico Thomas Cochrane, o “lobo do mar”. Madeira de Melo fugiu com seus homens e, a 2 de julho de 1823, as tropas brasileiras entraram em Salvador pela depois chamada “Estrada da Liberdade”, onde hoje é o bairro da Liberdade.
Desde o ano seguinte, um cortejo celebra o 2 de Julho. Feriado estadual, o cortejo é mais popular em Salvador do que o desfile em 7 de setembro. “O 7 de Setembro é uma construção historiográfica do Instituto Histórico do Rio de Janeiro para resolver vários problemas políticos. O 7 de Setembro ascendeu a data nacional com o decorrer do tempo, isso não foi uma percepção imediata”, diz Guerra Filho.
Ontem, no dia 1º de julho, o presidente Lula assinou um projeto de lei para tornar o dia 2 de julho como o Dia Nacional da Consolidação da Independência do Brasil. “É preciso entender isso como um processo, não como um evento”, diz Guerra Filho sobre a Independência.
No Campo Grande, em Salvador, para onde converge o cortejo, há um monumento com um Caboclo matando um dragão, que é o símbolo de Portugal. “Ali você tem pessoas comuns, pessoas do povo. O que é cultuado no 2 de Julho não é nenhum general, mas um Caboclo e uma Cabocla que representam toda sorte de povo que esteve presente nas lutas de ontem, mas também nas lutas de hoje”, diz Guerra Filho.
Publicado originalmente pelo DW em 02/07/2025
Por Lucas Fróes