Nesta quinta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento sobre o art. 19 do Marco Civil da Internet, decidindo que o artigo é “parcialmente inconstitucional” e determinando que a “interpretação do Tribunal para norma do Marco Civil deve ser aplicada até que Congresso Nacional atualize a legislação”, conforme consta do próprio portal do STF.
O art. 19 do Marco Civil prevê que “o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Ao declarar o art. 19 “parcialmente constitucional”, o Supremo decidiu que em vários casos as redes sociais (e demais provedores) devem ser responsabilizadas civilmente (isto é, processada a pagar indenizações) se não removerem conteúdos que o STF considera ilegais, e que elas têm que remover as publicações mesmo sem decisão judicial que determine a remoção.
No portal do STF, é informado em quais casos as redes devem ser responsabilizadas e em quais não. Mas mesmo nos casos em que não podem ser responsabilizadas sem decisão prévia, o Supremo ainda deixou brechas (gigantescas) para que elas possam ser responsabilizadas. Vejamos.
“De acordo com a tese de repercussão geral, nas alegações de crimes contra a honra, os provedores só podem ser responsabilizados (ter o dever de pagar indenização) se descumprirem uma ordem judicial para a remoção do conteúdo”, consta do portal do STF.
Logo após essa informação, já tem a primeira brecha: “nada impede, porém, que as plataformas removam publicações com base apenas em notificação extrajudicial”.
Em outras palavras, as redes poderão ser processadas por publicações dos usuários que sejam consideradas crime contra a honra (injuria, difamação, calúnia) sem necessidade de decisão judicial ordenando a remoção da publicação. Para isto, basta que a pessoa/entidade “ofendida” envie notificação extrajudicial (apenas um aviso com algumas formalidades) pedindo para as redes removerem determinada publicação
Importante: o crime de injúria é xingar uma pessoa; o crime de difamação é falar mal de uma pessoa; o crime de calúnia é falar que uma pessoa cometeu um crime (ou espalhar isto) sem que ela tenha cometido.
Em outras palavras, se uma pessoa fizera uma “postagem” na rede xingando outra pessoa, e se as redes não censurarem a postagem após terem sido avisadas pela pessoa “ofendida”, as redes poderão ser processadas a pagar indenização.
Só esta exceção já é um enorme aprofundamento do regime de censura que já existe no Brasil.
A outra exceção é ainda pior.
Vejamos o que está no portal do STF: “Também ficou definido que, quando um fato ofensivo já reconhecido por decisão judicial for repetidamente replicado, todos os provedores deverão remover as publicações com conteúdos idênticos a partir de notificação judicial ou extrajudicial, independentemente de novas decisões judiciais nesse sentido”
Tudo o que é ruim pode piorar, pois existem ainda os casos que as redes terão que remover publicações imediatamente (censurar imediatamente).
Diz o STF que “a lista inclui, entre outros, conteúdos referentes a tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito, terrorismo, instigação à mutilação ou ao suicídio, racismo, homofobia e crimes contra mulheres e crianças”. Vejamos em detalhes, o texto da tese de repercussão geral:
“O provedor de aplicações de internet é responsável quando não promover a indisponibilização imediata de conteúdos que configurem as práticas de crimes graves previstas no seguinte rol taxativo: (a) condutas e atos antidemocráticos que se amoldem aos tipos previstos nos artigos 296, parágrafo único, 359-L, 359- M, 359-N, 359-P e 359-R do Código Penal; (b) crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo, tipificados pela Lei nº 13.260/2016; (c) crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, nos termos do art. 122 do Código Penal; (d) incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (condutas homofóbicas e transfóbicas), passível de enquadramento nos arts. 20, 20-A, 20-B e 20-C da Lei nº 7.716, de 1989; (e) crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio ou aversão às mulheres (Lei nº 11.340/06; Lei nº 10.446/02; Lei nº 14.192/21; CP, art. 141, § 3º; art. 146-A; art. 147, § 1º; art. 147-A; e art. 147-B do CP); (f) crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes, nos termos dos arts. 217-A, 218, 218-A, 218-B, 218-C, do Código Penal e dos arts. 240, 241-A, 241-C, 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente; g) tráfico de pessoas (CP, art. 149-A)”
Nestes casos, “os provedores estão sujeitos à responsabilização civil se não atuarem imediatamente para retirar conteúdos que configurem a prática de crimes graves”, conforme se constata acima.
Na prática, o STF delegou às redes (a maioria das quais são monopólios do imperialismo, especialmente dos EUA) o poder/obrigação de censurar imediatamente, por exemplo, a defesa do povo palestino e suas organizações de Resistência (Hamas e outras); o Irã, o Hesbolá. Afinal, para o imperialismo, que é quem está por trás da decisão do STF, todos esses são terroristas.
Ainda, serão censuradas publicações que questionarem o próprio Supremo Tribunal Federal as eleições, o Tribunal Superior Eleitoral, as urnas eletrônicas, pois tudo isto eventualmente será considerado como “condutas e atos anti democráticos”. Aliás, críticas a quaisquer instituições tendem a ser censuradas previamente pelas redes, por causa da decisão do STF. Afinal, o que vigora no Brasil não são mais as leis e a Constituição, mas as interpretações do judiciário.
Por óbvio, eventualmente também serão censuradas publicações que defendam, de uma forma ou de outra, uma revolução no Brasil, afinal, esse tipo de conteúdo seria facilmente classificado pela burguesia como “golpe de Estado” e “abolição do Estado Democrático de Direito”
Deve-se destacar ainda a tal “incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (condutas homofóbicas e transfóbicas)”, que pode ser qualquer hoje em dia. Conforme comentário de Rui Costa Pimenta, em análise na TV 247, “tem gente por exemplo que, se você falar buraco negro, o cara já fala que é racismo. Ninguém sabe o que que é exatamente o racismo fora de algumas manifestações mais clamorosas. Racismo, homofobia, misoginia, isso daí é uma prato cheio para censura”.
Falando ao portal de notícias Poder360, o advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão e direito digital criticou a decisão do STF pela (dentre outros aspectos) subjetividade dos conceitos de conteúdos a serem removidos, afirmando que a “expectativa é que as big techs passem a remover qualquer tipo de conteúdo considerado controverso para evitar punições”.
Estes casos acima são o que o Supremo considera crimes graves.
Mas o tribunal também determinou que as redes tem que censurar as publicações de “crimes em geral ou atos ilícitos”
Conforme diz o próprio STF, “a plataforma será responsabilizada civilmente pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crimes em geral ou atos ilícitos se, após receber um pedido de retirada, deixar de remover o conteúdo”.
Na prática? Publicações defendendo, por exemplo, que os índios que estão sendo mortos pelos latifundiários no Mato Grosso, na Bahia ou em qualquer outro lugar, publicações defendendo que estes índios se defendam de armas na mão, também serão censuradas. Porque isto é considerado crime pela burguesia. Aliás, qualquer publicação defendendo a ocupação de terras tende a ser censurada pelas redes, graças ao julgamento do STF.
O STF determina também que as redes terão que remover contas falsas, se notificadas, sob o risco de serem processadas: “a regra também vale para os casos de contas denunciadas como falsas”.
Assim, apesar de ter decidido que o art. 19 é “apenas” parcialmente inconstitucional, a decisão do STF resultará em um regime de censura sem precedentes no Brasil.
Essa decisão não é uma mera decisão do STF. É o tribunal intensificando a política de censura do imperialismo no Brasil, política que já vem sendo realizada há alguns anos.
A intensificação da censura no Brasil, que é um fenômeno que ocorre em todos países imperialistas e aqueles sob controle do imperialismo, é uma política de guerra.
O imperialismo já iniciou nova ofensiva contra a população brasileira (e demais povos), e os ataques serão intensificados no próximo período, acabando de destruir o que resta dos direitos e conquistas do povo.
Para que esses ataques deem certo, é preciso, no mínimo, calar o povo, impedir o povo de exercer sua liberdade de expressão para denunciar os crimes do imperialismo e para se organizar para lutar contra essa rapina. A política de censura serve para isto, e a decisão do STF sobre o art. 19 do Marco Civil intensifica essa política.