O ministro Alexandre de Moraes colocou frente a frente o principal delator da tentativa de golpe de Estado e o vice à reeleição de Jair Bolsonaro. Ex-ajudante de Ordens, Mauro Cid foi responsável por entregar, em detalhes, todo o esquema montado pelo ex-governo para impedir a posse de Lula e manter Bolsonaro no Poder. Enquanto isso, acusado de atuar estrategicamente no esquema, o general Walter Braga Netto, candidato a vice, apresentou outra versão.
Restou ao Supremo Tribunal Federal (STF) colocar ambos, em uma sala privativa da Corte, para questionar as divergências das versões.
Braga Netto está preso desde dezembro do ano passado. Até então, ele participava remotamente dos interrogatórios, por videochamada. Mas a importância dessa acareação fez com que o ministro Alexandre de Moraes determinasse a participação pessoal do general no interrogatório desta manhã (24).
Mauro Cid x Braga Netto: o que diz cada um
O ex-Ajudante de Ordens de Bolsonaro delatou que recebeu dinheiro vivo diretamente do general Braga Netto em uma caixa de vinho. Segundo Mauro Cid, o dinheiro vinha “do pessoal do agronegócio”, a pedido de Braga Netto.
E tinha como destino o major Rafael de Oliveira, envolvido no planejamento da tentativa de assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do atual ministro do STF.
“O general Braga Netto trouxe uma quantia em dinheiro, que eu também não sei precisar quanto foi, mas com certeza não foi os 100 mil, porque até pelo volume não era tanto. Foi passado para o major De Oliveira no próprio Alvorada. (…) Estava em uma caixa de vinho. Depois, acho que no mesmo dia, eu passei para o Major de Oliveira.”
O general nega e afirma que Mauro Cid efetivamente pediu a ele dinheiro, mas que ele achava que era relacionado à campanha política.
“O Cid veio atrás e perguntou: ‘General, o PL pode conseguir algum recurso que nós estamos precisando?’ Na minha cabeça, tinha alguma coisa a ver com campanha. Eu viro para ele, como está nos autos, e falo assim: ‘Procura o Azevedo, procura o tesoureiro, que era o Azevedo’.”
Ele nega, também, que repassou o dinheiro vivo ao Ajudante de Ordens. “Eu não tinha contato com empresários. Então, eu não pedi dinheiro para ninguém e não dei dinheiro nenhum para o Cid.”
Outro ponto de divergência das versões é que o delator afirma que foram na casa do próprio general Braga Netto foi realizada uma das reuniões das tratativas de golpe, como planejavam mobilizar a população e gerar “caos social” para a decretação do estado de sítio por Bolsonaro.
“Eles estavam insatisfeitos com o rumo do processo eleitoral, insatisfeitos com o rumo que até as Forças Armadas estavam tratando esses assuntos. Foi uma conversa nesse nível, inicialmente desse nível, o que poderia ser feito, o que deveria ser feito, sempre nessa toada.”
Segundo Mauro Cid, aquela reunião na casa de Braga Netto foi inicial, sem detalhes ou planejamento dos atos em si, e ele narra que não participou de todo o encontro, que esteve presente somente no início.
“Mas não teve nada, naquele momento que eu estava presente, de radicalismo ou de planejamento, ou de apresentação formal de alguma ideia ou de alguma ação. Eu peguei o início da reunião ali e logo depois eu já me ausentei para ir de volta para o Alvorada.”
O general disse que Mauro Cid “faltou com a verdade”, que o encontro foi para conversar “amenidades”, que não conhecia os militares presentes e que todos foram embora juntos.
“Ele [Mauro Cid] ficou o tempo todo na minha casa. Eles chegaram, subiram, não me conheciam, queriam me conhecer, por eu ser uma pessoa de certo renome, falaram amenidades porque a distância era muito grande. Eu os recebi muito bem e saíram os três juntos”, relatou o general.
Na versão do Ajudante de Ordens, Cid foi embora ainda no início do encontro para “não aproximar nada [dos assuntos que seriam tratados] do presidente [Bolsonaro]” e que depois seriam discutidos “assuntos operacionais”, ou seja, detalhes da tentativa de golpe de Estado.
“Eles não tinham intimidade para entrar em assuntos detalhados, delicados comigo, não tinham essa intimidade. Não tocaram em assunto nenhum de operação”, negou Braga Netto.
A acareação colocou as duas versões para tentar esclarecer o que ocorreu nos dois episódios. Além do ministro relator, participou da audiência secreta o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e durou quase duas horas.