O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), prestou depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (9) e buscou se desvincular das acusações de envolvimento na tentativa de golpe de Estado articulada após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Interrogado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, Ramagem afirmou que o documento encontrado em seus arquivos, no qual se contesta o resultado das eleições de 2022 e se defende a vitória de Jair Bolsonaro, era apenas um “rascunho pessoal”.
“Era uma forma de organizar as ideias, de refletir, com estrutura de diálogo. Não significa que tenha conversado com o presidente ou enviado o texto”, declarou Ramagem. Segundo ele, o conteúdo do arquivo não foi compartilhado com Bolsonaro, apesar de ser redigido em tom de carta ao então presidente.
O parlamentar destacou que apenas um item do documento foi encaminhado: um vídeo público de audiência no STF sobre testes de segurança nas urnas eletrônicas. O restante, garante, eram anotações pessoais feitas ao longo do tempo.
Quis, mas não fiz
O depoimento de Alexandre Ramagem repete uma estratégia recorrente entre os réus do inquérito do golpe: admitir que havia críticas ao sistema eleitoral e ao STF, mas negar a concretização de qualquer plano ou articulação com Bolsonaro. Ramagem busca, assim, descolar-se da esfera da ação penal concreta e reforçar a narrativa de que tudo não passou de ideias — privadas, inofensivas, não implementadas.
Contudo, os investigadores da Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República veem nos documentos e conversas obtidos indícios de articulação planejada. O que está em jogo no STF não é apenas a veracidade das versões apresentadas, mas a responsabilidade criminal pela instigação, planejamento ou execução de uma tentativa de ruptura democrática.
O julgamento, portanto, avança não apenas sobre os atos do 8 de Janeiro, mas sobre a gênese intelectual e institucional de um projeto que desafiou abertamente a ordem constitucional. E, nesse cenário, a alegação de que tudo era “apenas um rascunho” pode ter peso limitado diante de outras evidências e contextos.
Negativa de uso político da Abin
Além das discussões sobre o documento, Ramagem foi questionado sobre a acusação de ter usado a Abin para finalidades políticas, como monitorar opositores ou produzir desinformação sobre o processo eleitoral. O deputado rejeitou veementemente essa hipótese. “Nunca utilizei monitoramento algum pela Abin de qualquer autoridade”, afirmou.
Sobre o sistema First Mile, ferramenta de geolocalização contratada antes de sua gestão e usada para rastreamento de celulares, Ramagem alegou que a aquisição foi iniciada ainda no governo Michel Temer e que, sob sua liderança, optou por não renovar o contrato. “Quando chegou ao final desse contrato, em maio de 2021, eu decidi não dar continuidade ao sistema First Mile”, explicou.
Documento sugeria desrespeito ao STF
Outro ponto sensível abordado no interrogatório diz respeito a mensagens obtidas pela Polícia Federal que mostram Ramagem cogitando estratégias para enfrentar ministros do STF. Uma das propostas incluía acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) para respaldar juridicamente o não cumprimento de decisões judiciais.
“Havia uma insatisfação muito grande com determinadas decisões judiciais, mas nenhuma delas foi descumprida. Essa é a grande questão”, argumentou o deputado.
Mesmo diante de textos com frases como “tem que concentrar em enfrentamento velado e planejado contra eles”, encontrados em seu celular, Ramagem minimizou. “Faço em primeira pessoa como uma maneira de escrita rápida do que estou pensando. Isso não quer dizer que fui ao presidente e repassei isso.”
Ramagem tenta se afastar de plano golpista
Ramagem também foi confrontado sobre uma mensagem enviada por uma assessora de Carlos Bolsonaro, na qual se pedia informações sobre inquéritos da Polícia Federal envolvendo o presidente e seus filhos. O deputado disse não ter atendido à solicitação. “Apenas uma pessoa que mandou uma mensagem desavisada. Eu não respondi, não consultei, não pedi para ninguém consultar”, disse.
O depoimento de Alexandre Ramagem ocorre no âmbito do julgamento dos oito réus apontados como o “núcleo crucial” da tentativa de golpe para manter Jair Bolsonaro no poder após sua derrota nas urnas. Além de Ramagem, estão sendo ouvidos Mauro Cid (ex-ajudante de ordens), Augusto Heleno (ex-GSI), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e o próprio ex-presidente.
Na fala mais direta, Ramagem afirmou que “não há provas de fraude nas urnas” e que as discussões com seu login e arquivos privados nasceram no contexto da proposta de emenda constitucional do voto impresso, rejeitada pelo Congresso em 2021. “Depois disso, nunca mais toquei no assunto”, garantiu.
Depoimentos seguem até sexta
As audiências, conduzidas por Moraes na Primeira Turma do STF, ocorrem de forma presencial até a próxima sexta-feira (13). Os réus, sentados lado a lado como em um tribunal do júri, estão proibidos de manter contato entre si. A segurança foi reforçada, e os depoimentos são transmitidos ao vivo pela TV Justiça.
A sessão que ouviu Ramagem foi a segunda da série. Antes dele, Mauro Cid negou participação no plano golpista, embora tenha confirmado que Bolsonaro leu e alterou uma das minutas golpistas discutidas no fim do mandato. Bolsonaro deverá prestar seu depoimento nesta quarta-feira (11).