O governo Lula enfrenta um momento decisivo. A reconstrução do País exige mais do que resistência: demanda estratégia, articulação e um projeto de longo prazo. Essa situação nos leva a refletir sobre o primeiro governo Lula (2003-06), quando José Dirceu foi peça-chave na engenharia política ao articular uma maioria parlamentar que garantiu governabilidade, mesmo sob ataques das elites conservadoras. A base que o então ministro-chefe da Casa Civil construiu foi essencial para vitórias consecutivas da esquerda e para que o País seguisse crescendo na primeira década do século.
Dirceu formatou um modelo de alianças amplas que permitiu ao governo superar barreiras históricas e começar a mudar de fato a vida do povo brasileiro. Hoje, sua experiência faz falta, pois o governo precisa retomar o controle da narrativa política e consolidar uma base sólida para garantir avanços e mudanças cruciais.
O cenário é outro. O peso inédito da extrema-direita no Congresso e nas urnas amplificou o desafio da governabilidade. O estrago produzido pela Lava Jato não foi apenas político, mas econômico. Empresas estratégicas foram destruídas, a política foi criminalizada e o Brasil perdeu espaço na disputa global por desenvolvimento. O pior produto daquele denuncismo inconsequente, no entanto, viria anos depois, com a ascensão de extremistas que fizeram de tudo para sufocar nossa democracia, embalados por uma elite que renunciou aos últimos pudores para aderir ao golpismo.
A quarta vitória do presidente Lula nos resgatou do obscurantismo. O Brasil será um eterno devedor do patriotismo e da dedicação deste grande líder à causa democrática. O atual governo ainda conseguiu aprovar medidas para recolocar o Brasil nos trilhos, especialmente a reforma tributária. Com a estabilidade cívica do Senado e a escolha de Hugo Motta para presidir a Câmara, com seu estilo ponderado, temos a oportunidade de construir uma relação ainda mais produtiva com o parlamento. Mas é preciso agir para não perder o bonde.
O desafio vai muito além do governo Lula, do PT ou das forças progressistas. Sem um projeto claro para os próximos 20 ou 30 anos que convença o País de que é para valer e que valerá a pena, o Brasil corre o risco de nadar e morrer na praia. Outras nações, mesmo diante de grandes desafios internos, já estão pisando no futuro, enquanto o Brasil fica preso a crises políticas intermináveis, sem avançar em inovação, reindustrialização e desenvolvimento sustentável.
A esquerda e o PT precisam discutir menos comportamento e falso moralismo policialesco, entendendo que o papel das polícias não é fazer proselitismo contra políticos, mas enfrentar a bandidagem e o crime organizado sem pena e de forma implacável. Precisamos mesmo é de pisar no acelerador do desenvolvimento, explorar o petróleo da margem equatorial, avançar na industrialização do agronegócio e da agricultura familiar em larga escala, reformar as universidades para que colem de vez no desenvolvimento e na inovação da indústria. Enfim, sair das pautas laterais e entrar nos problemas centrais do País.
A história mostra que, quando a esquerda governa com estratégia e articulação eficiente, o Brasil avança. Não podemos continuar reféns de ciclos curtos e instáveis, à mercê de descontinuidades. O País precisa de um plano claro para fortalecer a economia, recuperar a capacidade de planejamento e garantir avanços sociais duradouros. Goste-se ou não, José Dirceu sempre foi um formulador desse pensamento dentro da esquerda. Sua visão sobre soberania nacional, desenvolvimento e integração latino-americana continua ecoando nos debates internos do governo. O embate entre uma política desenvolvimentista séria e a histeria das pressões do mercado reflete essa disputa.
Lula já é uma figura histórica, mas o Lula 3 precisa virar Lula 4 e deixar como legado um plano de metas que mobilize as forças econômicas, sociais e culturais por décadas em torno de um projeto de desenvolvimento nacional com início, meio e fim: o Brasil potência do Sul, sonhado por gerações.