O colunista do Brasil 247, Marconi Moura de Lima Burum, escreveu um artigo recentemente, onde demonstra um aspecto da profunda confusão onde se encontra a esquerda nacional. O título da matéria é “Xandão apoia Tarcísio; mas Tarcísio fechará o STF”. Nela, ele procura compreender algo que deveria parecer natural: por que Alexandre de Moraes se mostra um apoiador tão descarado de Tarcísio de Freitas?
Burum afirma que esse fato ficou revelado no depoimento de Tarcísio para o STF no mês passado, comentando que teria sido “estranho a todos” que “o ministro Alexandre de Moraes tenha agido com toda cordialidade e parcimônia diante dos inúmeros disparates do governador de São Paulo”.
No entanto, não há nada de estranho nisso. Alexandre de Moraes e Tarcísio são do mesmo “campo político”, para usar um termo que o próprio autor utiliza. Ambos são tucanos, homens do PSDB e defensores da política de desmonte do país em prol do imperialismo. Ambos são apoiadores da política de assassinato da população através da Polícia Militar. É só lembrar que no período em que Xandão foi Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, a PM bateu o recorde de chacinas contra a população, sendo a mais famosa delas a “chacina de Osasco”.
O articulista compreende parcialmente esse problema. Ele afirma que “a Faria Lima quer o fantoche Tarcísio como Presidente da República para implementar no Brasil as privatizações e os desmontes do Estado tal como vem estagiando em perfeição na governança de São Paulo”, e que “não é pecado pensar que Moraes seria mais simpático em ver eleito um Presidente da República do seu campo político que um candidato de esquerda”.
Não é uma questão de Moraes ser “simpático” a determinado candidato ou não. O STF, liderado pelo próprio Xandão, está levando adiante uma operação de manipulação das eleições nacionais, a fim de colocar seu candidato no governo. Nesse sentido, não é simplesmente uma questão de qual candidato Alexandre de Moraes gosta ou deixa de gostar. A perseguição que o STF promove contra Bolsonaro tem como objetivo justamente colocar Tarcísio no governo, ou qualquer outro candidato que tenha o apoio da burguesia. Portanto, não é nada surpreendente a postura amistosa do ministro com o governador de São Paulo.
Algo que surpreende no autor é a incapacidade de ligar certos pontos que demonstram de forma cabal o funcionamento das forças políticas no Brasil, mas que o autor parece interpretar de forma totalmente diversa da realidade. Por exemplo, Buruni lembra que “Alexandre chegou ao STF indicado por Michel Temer, o que apeou em 2016 Dilma Rousseff da Presidência da República depois de um Golpe parlamentar-jurídico-midiático”, o que naturalmente o coloca como um elemento 100% ligado aos golpistas e ao processo de golpe de Estado no Brasil.
No entanto, o autor considera que “Xandão foi o salvador da República de um novo Golpe, agora a tentativa realizada por Bolsonaro e seus asseclas em 2022/2023”, e que “Moraes sabe que o temor de um Golpe ainda ronda o Brasil”. No entanto, por que Alexandre de Moraes teria saído do campo do golpismo e se mudado para o campo da defesa da democracia? Não há nenhum sentido nesse raciocínio.
É evidente que Alexandre de Moraes, agora ministro do STF e com um gigantesco poder nas mãos, ainda atende aos mesmos interesses dos golpistas de 2016, que têm como objetivo agora levar adiante um novo golpe de Estado, tirando das eleições tanto Lula como Bolsonaro para eleger um candidato estilo Tarcísio.
Embora o autor compreenda parcialmente o fato de que Alexandre de Moraes é um tucano e que os tucanos apoiam Tarcísio nesse momento, a sua análise sobre o STF, o bolsonarismo e o suposto golpe do 8 de janeiro de 2022, totalmente infectada pelas loucuras da esquerda pequeno-burguesa, impedem que ele analise corretamente todos as intenções das forças políticas brasileiras.
Uma demonstração dessa compreensão é que ele afirma que “Um indulto a Bolsonaro seria rasgar de uma vez por todas a Constituição Federal e desmoralizar para (quase) sempre as instituições da República”. Não é fato. As instituições da República já estão desmoralizadas. Sua desmoralização mais recente tem sido a perseguição aos bolsonaristas se utilizando de meios totalmente criminosos e de uma arbitrariedade sem tamanho. O caso da “mulher do batom”, condenada a quase 20 anos de prisão por fazer um desenho numa estátua, é uma demonstração disso. Isso sem falar nas diversas irregularidades do próprio julgamento de Bolsonaro.
O articulista levanta então que “o dilema de todos se resumiria assim: a) como Moraes e outros membros da oligarquia estatal e empresarial vão apoiar Tarcísio se Tarcísio é cria do bolsonarismo e o serve como membro fiel de uma seita?; b) como Bolsonaro vai apoiar Tarcísio se Tarcísio finge o tempo inteiro flertar com Xandão e outros da oligarquia rancenta ao bolsonarismo?; e c) como Tarcísio conseguirá provar lealdade simultânea a estes grupos que se detestam… ”
Primeiramente, Tarcísio não é “cria” do bolsonarismo, ele está atuando na burocracia estatal há muitos anos, sendo ex-militar e tendo sido até funcionário durante o governo Dilma. A ideia de que ele seria seguidor fiel de uma “seita bolsonarista” também não é correta. Haja visto que a defesa que Tarcísio faz de Bolsonaro é bastante tímida e até vacilante. No entanto, mesmo que ele fosse cria do bolsonarismo, não haveria problema nenhum em Alexandre de Moraes e a burguesia apoiá-lo, já que os tucanos apoiam tudo que os bolsonaristas poderiam apoiar do ponto de vista da direita: violência policial, ataques contra a população, etc.
Ao fim e ao cabo, é preciso compreender onde se localiza Tarcísio: ele é uma das possíveis cartas na manga da burguesia para justamente substituir Bolsonaro e poder aplicar uma duríssima política de ataques contra a população. Nesse sentido, ele é um possível candidato preferencial da burguesia, sendo apoiado pelo STF e pelo próprio Moraes. A esquerda não deve ter ilusões de que haja uma grande contradição nisso, correndo o risco de se confundir e ser pega de surpresa pelas próximas manobras da burguesia e pelo próximo resultado eleitoral.