Peça 1 – o ritmo da inflação

Ontem foi divulgado o IPCA-15 de junho, prévia do Índice de Preços ao Consumidor Ampliado. O índice ficou em 0,26%, menor índice desde janeiro.

Também houve pequena queda no acumulado de 12 meses, a primeira desde janeiro.

O grupo Alimentação e Bebidas registrou queda de – 0,02%. E respondeu por -1,7% no IPCA 15 do mês. É o grupo mais afetado pelo dólar.

A taxa mensal do grupo Alimentação e Bebidas caiu de 0,12%, no período de 12 meses, para praticamente 0,02% no mês, uma queda substancial.

Os idiotas da objetividade dirão que a queda foi decorrência do aumento da Selic, que reduziu a atividade econômica, como se as pessoas comprassem comida a prazo e tivessem comido menos no período. A queda foi decorrência direta do efeito câmbio, da apreciação do real, depois que o Banco Central passou a atuar no carry trade – isto é, na rentabilidade da operação de pegar empréstimo barato, em moeda forte, e aplicar em moeda fraca – no caso, o Real. Entrando mais dólares, o real se torna mais forte, reduzindo o impacto do dólar nos preços internos.

Ou seja, foi o efeito da Selic foi sobre o dólar e, por essa via, na redução da pressão dos alimentos no custo de vida.

Vamos entender os novos passos do BC.

Peça 2 – volatilidade  hedge cambial

No “Xadrez para entender a Selic e a armadilha do mercado” mostramos esquematicamente como ocorre o lucro no carry trade, mas sem incluir o fator hedge. Entenda esse jogo incluindo o hedge. 

O investidor toma empréstimos em uma moeda forte e aplica na Selic, com diferencial de 6%. Essa operação é chamada de carry trade.

Há dois fatores que influenciam o resultado final. 

  1. A variação cambial no período do investimento. 

No carry trade, o investidor ganha com a valorização do real e perde com a desvalorização. Se o real desvalorizar 5%, o lucro do investidor cai para 1% (6% do diferencial de juros – 5% da desvalorização cambial). Se a desvalorização for maior que 5%, o investidor terá prejuízo. Ao contrário, se o real se valorizar 5%, o ganho do investidor será de 11% (6% do diferencial de juros + 5% da valorização do real).

  1. O custo do hedge.

Para se precaver contra movimentos de desvalorização do real, o investidor se vê obrigado a comprar hedge. A compra de hedge minimiza as perdas mas, também, limita bastante os ganhos.  

Confira dois exemplos extremos:

  1. O carry trade é de 6%; o investidor compra hedge de 5%.  Se houver 10% de desvalorização cambial, o hedge garante 5%; os outros 5% são perda.
    1. Sem hedge, as perdas serão de 4% (6% de carry trade menos 10% de desvalorização cambial). 
    2. Com hedge, as perdas caem para 1% (6% de carry trade menos 5% de diferença da variação cambial e do hedge).
  2. Ao contrário, se o carry trade for de 6% e a valorização do real for de 10%:
    1. Sem hedge os ganhos serão de 16% (6% do carry trade + 10% da valorização cambial). 
    2. Com o hedge, a variação cambial fica zerada e o custo de 10% do hedge, contra 6% de carry trade, trará um prejuízo de 4% para o investidor.

Portanto, quanto menor a expectativa de desvalorização do câmbio, menor será a necessidade de hedge, maior o ganho do investidor quando o real se apreciar.

Peça 3 – a estratégia do BC

Uma das estratégias tem consistido em reduzir o peso dos derivativos. Hoje em dia, negociam-se quase US$ 103 bilhões diariamente nos mercados secundários. E qualquer soluço nesse mercado – altamente especulativo – impacta a cotação da moeda.

Aí entra um novo termo técnico: o cupom cambial. Trata-se da soma do diferencial de juros, mais a expectativa de desvalorização do real. Se o diferencial é de 6% e a expectativa de desvalorização cambial é de 10%, o cupom cambial será de 16%. O grande desafio, portanto, é reduzir o cupom cambial, isto é, os receios de desvalorização cambial.

O BC recorreu ao “casadão”, 

  • Venda de dólar à vista.
  • Swap reverso: compra de dólar no mercado futuro.

A atuação do BC — especialmente com os leilões “casadão” e swap reverso — aumenta a oferta de dólar à vista ao mesmo tempo em que reduz posições futuras vendidas, o que reduz a pressão de alta do dólar no curto prazo, ou seja, favorece a valorização do real, reduzindo o cupom cambial.

Há vários objetivos nesse movimento:

  1. Reduz o volume de swaps cambiais, evitando distorções no mercado futuro de câmbio.
  2. Reduz o cupom cambial.
  3. Se o investidor aposta em um cupom cambial menor (isto é, com menor risco de desvalorização cambial), poderá reduzir ou eliminar o hedge, melhorando sua rentabilidade. Quanto menor o cupom cambial, melhor o impacto do diferencial de juros na rentabilidade do investidor.
  4. Se a rentabilidade melhora, o BC poderá reduzir o uso da Selic para atrair investimento externo.

Resumo: Impacto sobre o real

Obviamente, essa luta do BC é apenas um paliativo, importante para reduzir as pressões inflacionárias, mas com impactos pesados nos investimentos e no custo da dívida pública.

O grande nó dos juros altos ainda não foi desatado. E não está apenas na alçada do BC.

Leia também:

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 27/06/2025