Os tiros contra Donald Trump não aconteceram
por Wilson Roberto Vieira Ferreira
Foi visível a perplexidade inicial do jornalismo corporativo diante dos disparos contra Donald Trump em um comício na Pensilvânia, tanto pela conveniência dos tiros à sua campanha quanto pela flagrante complacência do serviço secreto na segurança. Que posteriormente a mídia normalizou como “milagre” que supostamente teria salvo a vida do ex-presidente. Essa perplexidade e mal-estar são típicos quando estamos diante de não-acontecimentos, que sequer a mídia pode discutir a hipótese: põe em risco a própria matéria-prima da notícia: o acontecimento. É tudo coisa de “chapéus de alumínio”, têm que dizer para salvaguardar a própria profissão. Porém, o resultado, a mais-valia semiótica da fotografia perfeita, mais uma vez revela didaticamente as características de um não-acontecimento: timing, sincronismos, anomalias e chantagem midiática.
Por que esse episódio de tiros que passaram zumbindo pela orelha do ex-presidente Donald Trump em evento político no estado da Pensilvânia, EUA, traz à memória desse humilde blogueiro o célebre episódio do goleiro chileno Rojas e a “fogueteira do Maracanã”?
Para aqueles que não se recordam, no dia 3 de setembro de 1989, em jogo pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 1990, o Brasil vencia o Chile no Maracanã. Até que aos 24 minutos do segundo tempo a torcedora Rosenery Mello lançou um sinalizador em direção à área do goleiro chileno Rojas. Percebendo a oportunidade, o goleiro desabou em campo e foi rolando em direção à fumaça.
Rojas surgiu ensanguentado e foi retirado às pressas por seus companheiros de equipe. De imediato os chilenos deixaram o Maracanã alegando falta de segurança. O medo de uma possível não participação na Copa rondou os brasileiros por alguns dias. Porém, a farsa acabou sendo descoberta: na verdade o sinalizador que teria ‘atingido’ Rojas caiu cerca de um metro de distância do arqueiro.
No meio da fumaça, Rojas tirou uma lâmina que deixou escondido em sua luva e se cortou. A situação já havia sido premeditada. Só estava esperando o melhor momento para isso, que calhou com o rojão disparado por aquela que passou a ser chamada de “a fogueteira do Maracanã”. Virou celebridade e até posou nua para a revista Playboy…
Uma false flag esportiva. Por isso, facilmente desmontada pela mídia. Porque uma false flag restrita à esfera esportiva não põe em risco a própria matéria-prima da indústria das notícias: o acontecimento. Dessa maneira, o caso da “fogueteira do Maracanã” entrou para o folclore futebolístico.
Porém, a coisa fica mais perigosa, ameaçando colocar em xeque a máquina noticiosa da grande mídia, quando uma suspeita de false flag irrompe no campo das hard news da política e da economia. Por isso, deve ser combatida como “teoria da conspiração” de gente que usa chapéu de alumínio.
O problema é que muitas “teorias da conspiração” sempre são confirmadas a posteriori. Como, por exemplo, o incidente do Golfo de Tonquim: false flag envolvendo as forças navais dos EUA na costa vietnamita em 1964 – incidente que induziu o Congresso a apoiar a declaração de guerra, iniciando a Guerra do Vietnã. Por décadas o incidente foi considerado “teoria da conspiração”.
Ou a participação do Departamento de Estado norte-americano no processo da Operação Lava Jato. Na época, tal tese era rotulada como “teoria da conspiração” até no meio midiático progressista.
O fato é que se a possibilidade da existência de operações false flags ou “não-acontecimentos” forem aceitas não mais a posteriori, mas a priori no campo das hard news, a integridade da matéria-prima das notícias pode ficar comprometida: os próprios acontecimentos podem ser falsos, na medida em que já aparecem nas lentes da mídia como simulações.
“Não-acontecimento” é um dos conceitos mais prolíficos e polêmicos do falecido pensador francês Jean Baudrillard (1929-2007). Diferenciam-se dos acontecimentos históricos (“reais”) porque são eventos imediatamente destinados ao contágio através das imagens midiáticas.
Desde o início, são acontecimentos telegênicos, midiatizáveis, simulam ser espontâneos mas têm a marca da catástrofe virtual – atentados que são deflagrados pontualmente para criar ondas de ressonância no contínuo midiático atmosférico.
Mais uma vez nos defrontamos com a suspeita do não-acontecimento: o suposto atentado contra o vida de Donald Trump, ex-presidente e atual candidato às eleições presidenciales, em um comício na Pensilvânia.
Por que suspeita? Não-acontecimentos ou False Flags têm quatro características principais: timing, sincronismos, anomalias e chantagem midiática. Assim como o atentado da Pensilvânia. Que repete quase integralmente o script dos atentados false flag na Europa de 2013 a 2016 (Estocolmo, Paris, Nice, Berlim, Londres, Bruxelas etc.): um lobo solitário que é rapidamente identificado após ser assassinado no local (mortos não falam) com um roteiro tomado de anomalia e sincronismos.
A única diferença é que não temos o elemento jihadista do fundamentalismo islâmico. Agora o protagonista foi um caipira “red neck” do interior da Pensilvânia.
a) Do Timing – quem ganha?
Em primeiro lugar, o incrível timing do acontecimento: às vésperas da Convenção do Partido Republicano que após os acontecimentos não apenas sancionará a candidatura de Trump, mas o receberá como um mártir que derramou seu sangue pela América. E a oportunidade de ouro para amplificar a narrativa de que o ex-presidente é perseguido politicamente e virar o jogo contra a estratégia de Joe Biden de acusá-lo de ser uma ameaça à democracia dos Estados Unidos.
Além dos tiros na Pensilvânia aconteceram no exato momento em que seu rival democrata é questionado pela sua capacidade física e cognitiva. De imediato, começaram as comparações: a pronta reação de Trump quando foi atingido de raspão na orelha, demonstrando um vigor físico bem superior a Biden.
Além das entrevistas posteriores que estão rendendo uma boa mais-valia semiótica. Como, por exemplo, quando a caminho da Convenção republicana disse em entrevista aos repórteres do The Washington Examiner e do New York Post: “Eu deveria estar morto”. “O médico do hospital disse que nunca viu nada parecido com isso, ele chamou de milagre”, completou. E acrescentou que pediu para pegar os sapatos logo após o ataque: “Os agentes me atingiram com tanta força que meus sapatos saíram, e eles estavam apertados”.
Para depois se levantar e ter força para cerrar os punhos e exortar à multidão: “Lutar, lutar!”.
(b) Dos Sincronismos – a foto “Delacroix-Rosenthal”
HOW CONVEEEENIENT! Diria a “Church Lady”, personagem impagável do programa clássico Saturday Night Live protagonizado por Dana Carvey. Tudo perfeito demais, rendendo ainda outras mais-valias semióticas: uma foto que já se tornou um instantâneo histórico pela incrível gestalt semelhante ao quadro “Liberdade Guiando o Povo” do pintor francês Eugène Delacroix. Ou ainda a histórica foto de Joe Rosenthal mostrando fuzileiros navais americanos erguendo a bandeira dos EUA na guerra do Pacífico em 1945. T