A Política Nacional de Economia Circular (Projeto de Lei 1.874/22), aprovada no Senado em 2024, busca incentivar a produção baseada na circularidade e na reciclagem de bens e recursos. O desafio agora é que o PL seja votado na Câmara dos Deputados e se torne lei. Em outubro do ano passado, a proposta foi apresentada na Firjan pela equipe do senador Jaques Wagner (PT-BA), em evento sobre economia circular.
Apoio a empresas que investem na redução do uso de matérias-primas e previsão de compras públicas de bens remanufaturados estão entre os pontos elencados na nova política. “Estamos provendo os meios para incentivar a circularidade de produtos e materiais e dar mais responsabilidades aos fabricantes”, declara Wagner, nesta entrevista exclusiva à Carta da Indústria.
CI: Há uma expectativa grande por uma Política Nacional de Economia Circular. O PL 1.874/22, que o senhor foi relator, foi aprovado em março de 2024 no Senado. O que falta agora para ele ser votado na Câmara?
Jaques Wagner: Em 2024, depois de muito debate, aprovamos, sob minha relatoria, esse importante projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O texto busca gerar um ciclo de produção virtuoso, apoiado na circularidade e na reciclagem de recursos, insumos, produtos e materiais em geral, utilizados em diversas cadeias produtivas. Corresponde a um novo modelo de produção, mais responsável e sustentável, em linha convergente com objetivos, metas e pretensões no âmbito do equilíbrio e da preservação do meio ambiente.
Depois que aprovamos no Plenário do Senado, o projeto foi para a Câmara, que aprovou requerimento de urgência para análise em Plenário, apresentado pelo deputado Hugo Motta. Isso nos deixa com a expectativa de que o agora presidente da Casa coloque o projeto em votação e encaminhe à sanção presidencial.
CI: Quais os principais objetivos da Política de Economia Circular, segundo o projeto aprovado?
Jaques Wagner: Eu destaco como objetivo central o de tornar o Brasil capaz de desenvolver modelos de negócios baseados em critérios de circularidade. Para isso, o texto prevê o fortalecimento das cadeias de valor por meio de adição, retenção e recuperação dos recursos, políticas de incentivo à pesquisa, desenvolvimento e inovação, conscientização da sociedade sobre o melhor uso dos recursos, produtos e matérias, medidas de estímulo a soluções e incentivo às atividades voltadas à economia circular para o desenvolvimento econômico e social do país.
CI: O PL foi construído a partir de um processo colaborativo em workshops técnicos. Poderia comentar um pouco sobre quais foram os ganhos ao adotar esse processo?
Jaques Wagner: O Fórum da Geração Ecológica [espaço criado pelo senador entre 2021 e 2022 para o fomento de uma nova economia] foi integrado por 42 representantes da sociedade civil, trazendo para a mesa de debate e construção coletiva atores de todos os setores, numa iniciativa que converge com o que eu sempre tenho dito: não há sustentabilidade possível para a vida humana se não tratarmos como prioridade a questão ambiental. Somos parte do meio ambiente e dele depende nossa sobrevivência. A crise climática nos impõe ações urgentes, e a ciência já produziu diversas recomendações sobre como devemos agir. Agora, é nosso papel tomar decisões estratégicas para construir os caminhos, implementar políticas e transformar esse desafio em desenvolvimento sustentável com justiça social.
Esse processo de construção coletiva permite que a proposta acolha os diversos olhares e contribuições, do regulador ao regulado, do usuário ao beneficiário, do consumidor ao empresário, do Executivo federal aos Executivos estaduais e municipais. Na prática, estamos construindo um olhar do presente para o futuro. É isso que buscamos garantir com esse modelo de iniciativa inovadora e propositiva, conectada à emergência e à gravidade do momento que vivemos em todo o planeta.
CI: O senhor poderia diferenciar a economia circular da economia linear?
Jaques Wagner: Elas são divergentes, não se combinam. A economia linear, como o próprio nome diz, tem um padrão de extração, produção, consumo e descarte. Por outro lado, a economia circular propõe um ciclo mais inteligente e sustentável, enfatizando a reutilização, o reparo e, principalmente, a reciclagem de recursos. O que precisamos hoje é cada vez mais economia circular e menos economia linear. Esse é o desafio constante do desenvolvimento que queremos e defendemos.
CI: O PL determina a criação do Fórum Nacional de Economia Circular. Quais seriam as funções do Fórum?
Jaques Wagner: Ao longo de minha história de luta na construção e na defesa do diálogo e da democracia, sempre defendi os espaços de debate, decisão coletiva e construção em conjunto, principalmente para os trabalhadores, para que possamos avançar cada vez mais numa leitura do todo, de forma que toda a sociedade se sinta parte do processo. A criação do Fórum Nacional de Economia Circular tem esse objetivo. Será um grande guarda-chuva do sistema, para estimular a criação de Fóruns Estaduais e Municipais de Economia Circular, organizar audiências públicas nas diversas regiões do país e incentivar a elaboração de Planos de Ação estaduais e municipais voltados à promoção da economia circular e da transição justa.
CI: O projeto prevê ainda incentivos fiscais e financiamento à pesquisa ligada à economia circular. Como o governo pode contribuir com essas questões?
Jaques Wagner: Políticas públicas são cruciais para que possamos consolidar, fortalecer e desenvolver as inúmeras cadeias que serão atingidas por essa iniciativa, com o financiamento de pesquisa, desenvolvimento e inovação em tecnologias, processos e novos modelos de negócios apoiados por planos de ações e incentivos fiscais e mesmo creditícios. Este e outros projetos que defendemos compõem um arcabouço de legislação que dá ao Brasil as condições para a verdadeira transição ecológica. O governo é peça fundamental nesse processo, e a gestão do presidente Lula tem compromisso com essa pauta, com ações efetivas.
O incentivo ao consumo sustentável é um dos pilares da Política Nacional de Economia Circular. Seu objetivo é promover um sistema econômico que mantenha o fluxo circular dos recursos, por meio da adição, retenção ou recuperação de seus valores e regeneração do ecossistema, o que contribui para o desenvolvimento sustentável.
Essa Política Nacional prioriza a não geração, a redução e a reutilização dos resíduos e articula-se com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), regulada pela Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que conta com instrumentos para atuar sobre a reciclagem, formando um arcabouço legal harmônico e complementar para estimular a circularidade.
CI: Como as empresas podem colaborar para a adoção da economia circular?
Jaques Wagner: É preciso um grande impulso para promover uma mudança estrutural de estilo de desenvolvimento, que coloque o Brasil e os demais países em uma trajetória com sustentabilidade econômica, social e ambiental. Nesse ponto, o setor empresarial passa a ter maiores responsabilidades no sistema, reconhecendo a sua crucial importância como gerador das inovações capazes de impulsionar e permitir a nova lógica da circularidade.
Introduzimos mecanismos de apoio à inovação nas empresas que estão voltadas para a redução do uso de matérias-primas com qualidade. São incentivos necessários ao empresariado para que avancemos juntos.
O projeto incentiva as compras públicas sustentáveis. O poder público fica autorizado a comprar bens remanufaturados, evitando-se uma insegurança jurídica atualmente existente nesse caso. Nesse sentido, estamos provendo os meios para incentivar a circularidade de produtos e materiais e dar mais responsabilidades aos fabricantes, prevendo também a promoção da informação ao consumidor sobre a durabilidade esperada dos produtos e das condições e possibilidades de se fazer reparos.
CI: Será preciso sinergia entre ações do Executivo, do Legislativo e da iniciativa privada?
Jaques Wagner: Com certeza. O que defendemos é que todos somos parte do sucesso dessa proposta, tanto o Executivo, quanto o Legislativo e a iniciativa privada. A economia circular representa uma área estratégica para o país, em função de seu potencial gerador de benefícios nos três pilares do desenvolvimento sustentável. No pilar ambiental, o caráter regenerador é fundamental para assegurar bases sustentáveis para o desenvolvimento. Nos pilares econômico e social, nota-se a potencialidade para geração de empregos e renda, bem como fortalecer e renovar a indústria, setor essencial para o desenvolvimento de longo prazo.
CI: O senhor gostaria de citar outros pontos importantes do projeto?
Jaques Wagner: O projeto inova ao reforçar os mecanismos de transição justa e incluir no rol do debate a educação com foco na circularidade. Ele foi construído de forma a abarcar os agentes principais da economia circular: setor empresarial, governo e consumidores.
A sociedade está chegando no limite do uso dos recursos naturais. Diversos esforços têm sido colocados em prática para mitigar os efeitos negativos da geração de resíduos para o meio ambiente. Entretanto, o modelo de crescimento econômico atual está baseado na exploração indiscriminada e predadora dos recursos naturais, com consequências que agora ameaçam a sustentabilidade do próprio sistema econômico e da sociedade como um todo. Apesar dos esforços já realizados, acreditamos que é preciso alterar a lógica do sistema econômico para que resultados possam ser mais efetivos e duradouros. Enquanto gerar lixo for lucrativo e fácil, não haverá mudança de comportamento.
Com esse projeto, estamos dando uma importante contribuição para o desenvolvimento econômico com respeito ao meio ambiente, que poderá se tornar um legado para o presente e para o futuro do Brasil e do mundo.