O programa Entrelinhas Vermelhas fez uma edição especial sobre o resultado eleitoral para a Assembleia Nacional da França, com Silvia Capanema, direto de Paris. Sílvia é brasileira naturalizada francesa, historiadora, professora na Universidade Sorbonne Paris Nord. É também conselheira parlamentar eleita em 2015 e reeleita em 2021 no Département de Seine-Saint-Denis, na periferia de Paris; integra o Movimento da França Insubmissa e a Nova Frente Popular.

Sílvia Capanema também dá pistas sobre a formação do novo governo, visto que a Nova Frente Popular exige a aplicação de seu programa, mais do que a indicação de um primeiro ministro. O programa da Nova Frente Popular (NFP) tem um caráter transformador na economia e em vários outros setores e se choca frontalmente com o que defende o Juntos do presidente Macron e também a direita, ambos com um programa neoliberal. Isso dificulta uma composição que inclua a NFP e Silvia defende que a pessoa indicada a premiê precisará ter uma grande capacidade de articulação e sensibilidade social.

Diante das dificuldades, Silvia lembra que a vitória da NFP foi conseguida pela mobilização dos movimentos sociais e que a manutenção desse movimento é fundamental para pressionar pelas mudanças que levem a aplicação do programa mais avançado.

Assista à íntegra da entrevista

Principais trechos da entrevista

Alívio e celebração

“A vitória da Frente Popular foi um alívio e uma alegria enorme. Nós comemoramos dois fatos principais. Primeiro, a extrema direita ficou bem aquém do que as pesquisas previam. Elas indicavam que a extrema direita poderia obter a maioria absoluta, mas isso não aconteceu. Eles ficaram em terceiro lugar, apesar do aumento no número de parlamentares, algo que sempre merece atenção. Em segundo lugar, comemoramos o fato de nosso grupo, a Frente Popular, ter conseguido uma maioria relativa, algo que nenhuma pesquisa previa”, explicou Sílvia.

Estratégia de bloqueio à extrema direita

Ela destacou a importância da estratégia de bloqueio à extrema direita, que envolveu a desistência de candidaturas de terceiros e quartos colocados. “No próprio dia das eleições, eu disse que era possível haver uma reedição dessa estratégia de bloqueio, que já havia sido aplicada nas eleições legislativas de 2022 pela Nupes (Nova União Popular, Ecológica e Social). Embora nenhuma pesquisa previsse esse resultado, ele se concretizou, para nossa surpresa e alívio.”

Formação da Frente Popular

A parlamentar explicou que a estratégia não era de uma frente ampla, mas sim de uma união das esquerdas com o movimento social. “Logo após as eleições europeias, houve uma mobilização das frentes de esquerdas com movimentos sociais, sindicatos e a sociedade civil. Isso foi possível devido ao precedente das eleições legislativas de 2022, quando a Nupes foi formada. Em poucos dias, conseguimos refazer essa união, evocando a Frente Popular dos anos 1936, entre socialistas e comunistas, agora envolvendo todos os partidos de esquerda e a sociedade civil.”

Desistências estratégicas

Entre os dois turnos das eleições, a mobilização visou evitar a catástrofe da extrema direita. “Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, principal força da Frente Popular, anunciou que os candidatos da França Insubmissa e da Frente Popular desistiriam em casos de posicionamento desfavorável contra a extrema direita. Embora Macron tenha hesitado inicialmente, criticado por intelectuais, artistas e políticos, ele acabou retirando a maioria dos candidatos de seu bloco em casos de segundo turno contra a extrema direita”, detalhou a professora.

Comportamento dos eleitores

Sílvia ressaltou o papel crucial dos eleitores na aplicação dessa estratégia. “Mais do que os próprios partidos, foram os eleitores que, de forma responsável e inteligente, votaram estrategicamente para bloquear a extrema direita, mesmo em lugares com apenas dois candidatos. Esse comportamento, chamado de bloqueio republicano ou bloqueio democrático, não foi previsto por nenhuma pesquisa, mas foi essencial para o resultado final.”

A vitória da Frente Popular na França não apenas surpreendeu, mas também mostrou a força da mobilização democrática contra a ascensão da extrema direita, deixando uma lição sobre a importância da união e da estratégia política inteligente.

Desafios pós-eleitorais

Não obstante, emergir como a força majoritária nas eleições francesas, a ausência de uma maioria absoluta no parlamento implica a necessidade de alianças estratégicas para governar. Sílvia explicou de forma detalhada os próximos passos e desafios enfrentados pela nova Frente Popular.

A situação política na França requer um delicado equilíbrio e habilidades de negociação. Com um parlamento fragmentado, a Frente Popular enfrenta o desafio de implementar seu programa e responder às necessidades urgentes da população, mantendo a coesão entre suas diversas forças internas e buscando apoio pontual para governar de maneira eficaz.

Necessidade de alianças

“O esforço foi exitoso, mas nenhuma força tem a maioria absoluta. Isso significa que, para governar, será necessário formar alianças, o que não é uma prática comum na política francesa, diferente de países com sistemas de representação proporcional como a Alemanha”, explicou Capanema. “A extrema-direita e a direita estão completamente fora de qualquer discussão possível, restando apenas o centro, liderado pelo grupo de Macron, como potencial aliado. No entanto, isso é bastante complicado devido às políticas impopulares que Macron implementou recentemente, como a reforma das aposentadorias e medidas de austeridade.”

Políticas impopulares e desafios

Sílvia destacou que as políticas neoliberais e de austeridade de Macron aumentaram o custo de vida e precarizaram os serviços públicos, tornando uma aliança com seu grupo improvável. “A Frente Popular propõe uma ruptura com essas medidas neoliberais, e uma coalizão com Macron parece inviável. A alternativa mais provável seria governar com medidas pontuais, aprovando algumas por decreto e outras através de negociações voto a voto.”

Estratégias e programas

A parlamentar enfatizou a importância de um programa claro e divulgado. “Nosso programa é público e tem legitimidade, pois as pessoas votaram nele. Através desse programa, pretendemos aprovar medidas por decreto e negociar outras com o parlamento. A habilidade política será crucial, pois uma moção de censura poderia derrubar o governo a qualquer momento, especialmente no primeiro ano, onde não pode haver dissolução da Assembleia.”

Possível premiê

Sobre a especulação de que François Hollande possa ser o próximo primeiro-ministro, Capanema expressou ceticismo. “Hollande é visto por muitos eleitores de esquerda como alguém que aplicou medidas neoliberais e nomeou Macron como ministro, o que poderia ser considerado uma traição aos princípios da Frente Popular. O importante agora é a aplicação do nosso programa. Temos um lema: ‘o programa, nada além do programa, mas todo o programa’, para garantir que as promessas sejam cumpridas e evitar a desilusão com a democracia.”

Estabilidade governamental e aplicação do programa

A parlamentar e professora discutiu os desafios e as estratégias para a Frente Popular governar e implementar seu programa. Ela enfatiza a importância do debate democrático e da mobilização social para garantir a aplicação do programa da Frente Popular, trazendo justiça social e alívio econômico para a população francesa.

Convocação e aliança

“O ideal seria que Macron convocasse a Frente Popular para apresentar um governo e buscar o voto de confiança do parlamento. Temos aliados, mas essa forma de coligação não é comum na França”, afirmou Sílvia. Ela explicou que a nomeação de um primeiro-ministro da Frente Popular para aplicar o programa dentro dos dispositivos democráticos seria a solução ideal.

Programa econômico e social

Silvia destacou o programa claro e detalhado da Frente Popular, elogiado pela Nobel de Economia Esther Duflo. “Nosso programa é de ruptura com as lógicas de austeridade, propondo impostos progressivos e a supressão de nichos de isenções fiscais ineficientes. Isso permitirá financiar medidas sociais que impulsionarão a economia e aumentarão a arrecadação.”

Medidas pontuais e mobilização

Algumas medidas poderão ser aplicadas por decreto, como o aumento do salário mínimo em 15% e a indexação salarial à inflação. “Será necessário mobilizar sindicatos e a população para exigir a aplicação dessas medidas. A mobilização social é crucial para fazer valer a democracia e implementar o programa.”

Congelamento de preços

Silvia mencionou a possibilidade de negociar com o grupo de Macron em torno de medidas como o congelamento dos preços de produtos de primeira necessidade e da energia. “Essas são medidas de interesse comum que podem facilitar a negociação.”

Movimentos sociais e sindicatos

A parlamentar lembrou dos movimentos sociais recentes, como a greve contra a reforma das aposentadorias e os protestos dos Coletes Amarelos, que reclamavam principalmente do custo de vida. “Essas reivindicações foram incorporadas ao programa da Frente Popular, como o aumento salarial e a reforma das aposentadorias.”

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Última Atualização: 12/07/2024