Tutor do pensamento e consciência alheia, o STF iniciou o julgamento que visa aumentar industrialmente a censura na internet, o que curiosamente é apresentado pela esquerda pequeno-burguesa como “defesa da democracia”. 

É o caso de Washington Araújo, jornalista e redator do Brasil247, que afirmou em texto intitulado STF acua Big Techs para assegurar a liberdade fundamental e livrar a democracia dos crimes virtuais

Antes de entrar no mérito do que foi escrito pelo articulista, é preciso ver o que está sendo discutido no STF, no caso, a inconstitucionalidade, a ser decretada pela corte, do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que diz:

“Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

Essa previsão já era ruim antes da discussão atual do STF. Afinal, não deveria haver qualquer restrição ao que é publicado na internet por se tratar de pura manifestação do pensamento, ou seja, pelo fato de que a rede é o típico campo das expressões, seja das grandes corporações, de um Estado, de organizações ou de um indivíduo qualquer. Não deveria haver qualquer censura.

O STF, no entanto, quer retirar um conteúdo tido por ofensivo sem decisão judicial. Ou seja, se discute se a empresa que hospeda sítios na internet deveria ter a obrigação de fiscalizar o conteúdo publicado, e de retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem necessidade de intervenção do Judiciário, de ofício.

O que, por óbvio, seria impossível, em primeiro lugar, e configuraria censura prévia em segundo lugar, pois alguns temas certamente serão censurados (como já o são em muitos casos) antes mesmo de qualquer intervenção judicial. Basta ver o caso palestino e as tentativas – censuradas na internet – de denunciar o genocídio cometido pelo sionismo na faixa de Gaza, ou de elogiar as organizações palestinas de defesa, como o Hamas. O articulista do Brasil247 afirma que as tais big techs:

“Funcionam como catalisadoras de discursos de ódio, homofobia, transfobia, ataques à vacinação, disseminação de pedofilia, bullying contra adeptos de religiões de matriz africana e desvirtuamento democrático por meio de notícias falsas. A lista de crimes propagados e monetizados por essas plataformas é extensa, revelando uma crise que atinge os alicerces da convivência civilizada.”

Note-se que Araújo diz que é crime as opiniões acima listadas e tais expressões do pensamento precisam ser censuradas. Pois, por motivos que escapam aos argumentos racionais, quem lê uma opinião racista se convence ao racismo e vira, automaticamente, racista. Em outra palavras, o leitor é idiota, não consegue refletir, pensar e tirar conclusão própria. 

Essa tese, por si mesma, é preconceituosa e arrogante, e é daí que surgiu o termo “gado” ao se referir ao bolsonarismo. Além disso, revela uma fraqueza enorme dessa esquerda ao não querer disputar a consciência das massas ou a verdade dos fatos, e, por fim, é política covarde, posto que entrega às forças de repressão do Estado o trabalho de combater a direita. 

Se por muito tempo a ditadura proibiu a liberdade de expressão, agora a esquerda, sem nem mesmo ser torturada com choques elétricos nas genitálias ou pau-de-arara, adere a esta campanha gratuitamente. 

Segundo o autor, “no cerne desse debate, tenta-se passar por verdade a falácia de que a liberdade de expressão é um direito absoluto. Nada é absoluto em sociedade. Leis e regulações são tão essenciais quanto o ar que respiramos. A liberdade, embora fundamental, não legitima crimes, calúnia, difamação, ridicularização ou demonização de minorias. Tais atos não se confundem com livre expressão”.

Se um direito como este, o direito à expressão (que é anterior aos demais direitos democráticos), tem limites, significa que ele não existe, de fato. Que limites seriam estes? Quem haverá de impor o que pode ou não ser dito, ou, em outras palavras, o que pode ou não ser pensado? Será Alexandre de Moraes esta pessoa tão iluminada? Será o golpista STF o tutor dos nossos pensamentos?

O ministro Flávio Dino, desconhecedor de qualquer elemento do Direito, falou como uma galinha integralista que “liberdade sem responsabilidade é tirania”. Disse também que a Constituição não concede imunidade a nenhum setor, incluindo os monopólios digitais. A responsabilidade civil é um princípio universal. Ele mentiu, ou melhor, errou.

Diz a Constituição Federal no Título II em seu artigo 5º, antes mesmo de tratar da própria existência do STF, que: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Além disso, a norma constitucional é clara: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. 

Estas disposições, até mesmo pela ordem que são apresentadas na Constituição Federal, submetem todo o funcionamento do Estado. O STF está submetido a estes comandos, não o contrário. Ou seja, Flávio Dino propagou, ele mesmo, uma notícia mentirosa. A Constituição concede imunidade a toda expressão, ela é livre.

“Publicidades fraudulentas proliferam, oferecendo remédios milagrosos para emagrecer ou canetas de Ozempic por uma fração do preço de farmácias. Dispositivos eletrônicos de última geração se espalham como fagulhas em uma floresta ressecada, inflamadas pelo vento do lucro fácil”. Novamente, o espírito de bedel toma conta da esquerda. Coitadas das nossas crianças! Dos nossos jovens dentro deste mundo perigoso da internet!

O ministro Gilmar Mendes disse que o artigo 19 criou um “véu de irresponsabilidade”. “As redes sociais são curadoras do discurso público, decidindo quais mensagens alcançam milhões”, ou seja, o STF está agindo para o bem de todo o povo, contra o poder econômico dentro das redes sociais. E por isso é preciso censura. 

Existe sempre um ótimo motivo moral para os piores feitos. Assim diz o nosso tenebroso AI-5, que aprofundou a ditadura para “dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção…”.

“Mentiras que destroem reputações ou influenciam processos democráticos circulam livremente. Alegações infundadas de fraudes eleitorais são exemplo disso. Ataques a minorias, como contra religiões de matriz africana, intensificam a violência simbólica e real”, afirma o colunista do Brasil 247.

Quem dirá a verdade? O Estado. E as fraudes nas eleições? Proibido dizer ou mesmo suspeitar, quem diria. E as minorias? Não conseguem se defender, tadinhas, precisam de um policial, de um ministro e da censura. Se antes pensava-se em organizar, mobilizar, lutar, fazer agitação e propaganda, agora tudo se resolve com um bom par de algemas e um censor de plantão. 

“A ridicularização de grupos vulneráveis, como pessoas LGBTQIA+, agrava o cenário. As plataformas se tornam vetores de discriminação, minando a coesão social”. Por qual motivo seria proibido ridicularizar qualquer grupo que fosse? Quem teria o privilégio de jamais ser ridicularizado? Por que esse privilégio? Resta saber se os representantes do estado burguês podem ser ridicularizados. “Xandão” já disse que não.

“Restrições a discurso de ódio, difamação ou ameaças à ordem pública são aceitas em democracias consolidadas, como os Estados Unidos”. Se a esquerda está se propondo a impedir ameaças à ordem pública, é melhor entregar currículo no Partido Liberal. E qual trabalhador, hoje em dia, não tem ódio? Aliás, quem não tem?

“A pergunta permanece: as plataformas estão preparadas para a responsabilidade que a democracia exige? No Brasil, o STF responde: Basta!”. Esse final gera vergonha, e é ridículo (por falar em ridicularizar).

A democracia não existe por si só. O que existem são os direitos democráticos, que não se confundem com nenhuma instituição do Estado. E a pergunta no final do texto está mal redigida. A verdadeira pergunta que o redator quis dizer, mas não tem coragem é: as plataformas estão preparadas para a censura que a ditadura exige? 

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 13/06/2025