Vivian Jenna Wilson no espelho distorcido do capitalismo de consumo, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Vivian Jenna Wilson no espelho deformado do neoliberalismo

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ser ou não ser um bom pai é um assunto privado. No entanto, quando conflitos familiares exigem intervenção do poder público, o Poder Judiciário deve aplicar a legislação pertinente, preservando as partes envolvidas mediante o segredo de justiça. O sigilo dos atos processuais nesses casos é obrigatório (art. 189, II, do CPC).

A espetacularização de um conflito familiar é algo deprimente. No entanto, isso se tornou uma prática corriqueira. Nesse sentido, a briga entre Elon Musk e sua filha é apenas uma versão norte-americana do conflito entre Brizola e Neusinha Brizola.

A política sempre gostou desse tipo de confronto. A história e a literatura também. Júlio César esfaqueado pelo filho adotivo Brutus é uma cena histórica tão comovente e politicamente poderosa quanto o trágico assassinato de Laio por seu filho Édipo. Não por acaso, Freud usou Édipo para tentar entender, descrever e tratar um complexo que afetava seus pacientes masculinos.

O neoliberalismo, um sistema de poder caracterizado por um esvaziamento da política e a consequente submissão do interesse público ao lucro privado, parece ter uma predileção por conflitos como este protagonizado por Elon Musk. Brigas familiares espetacularizadas têm o poder de atrair a atenção da população e mobilizar a nova esquerda. Isso além de reforçar o status de macho terrível cheio de testosterona de um fanfarrão vazio que invadiu a arena pública.

Elon Musk fomentou um golpe de estado na Bolívia e se vangloriou publicamente de ter feito isso. A ganância dele por lucro causou dezenas de bolivianos mortos e centenas de vítimas gravemente feridas.

As relações amistosas entre o dono da Space X e os Bolsonaro também produziram uma tragédia no Brasil. Primeiro, Musk forneceu Starlink para os bandos de garimpeiros e jagunços. Depois ele comprou ouro extraído ilegal e criminosamente de territórios indígenas com o emprego de violência extrema contra os índios. As crateras abertas na Amazônia e a poluição dos rios amazônicos com mercúrio são testemunhos eloquentes de que o compromisso da Tesla com a preservação da natureza é apenas retórico.

No Brasil e na Bolívia o papai de Vivian Jenna Wilson tem sangue nas mãos. Mas a imprensa parece muito mais inclinada a condená-lo e ridicularizá-lo porque ele abandonou a filha e atacou a escolha sexual dela. Isso me parece muito inadequado. Não seria melhor os blogues de esquerda deixarem pai e filha de lado se concentrando num assunto mais importante do ponto de vista político?

É impossível, por exemplo, deixar de notar algo importante nesse episódio familiar/midiático. Ao criticar o pai, a filha de Elon Musk não mencionou as peripécias sangrentas dele na Bolívia e no Brasil. A vida sexual ou familiar dela é mais importante do que as vidas dos bolivianos e índios brasileiros que foram sacrificados no altar do deus dinheiro que o dono da Tesla ergueu na América Latina com ajuda da família Bolsonaro? Eu suponho que não. E vocês?

A função do jornalismo é espelhar a realidade em toda sua complexidade. Mas nesse caso a imprensa refletiu apenas a imagem de uma filha abandonada e humilhada por alguém cujos crimes seguem sendo tratados como danos colaterais irrelevantes dos negócios neoliberais como de costume. Isso me parece inadmissível… e preocupante também.

Esse jogo de mostrar problemas familiares e esconder tragédias políticas provocadas pelo absolutismo financeiro/econômico apenas beneficia Elon Musk e a estrutura de poder que ele representa e se esforça para preservar. O relacionamento dele com a filha pode até ser cheio de incômodos e decepções, mas nunca será mais dramática e trágica do que as vidas familiares que o neoliberalismo destruiu em dois países para Elon Musk ficar mais rico e poderoso.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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