Mais de 53 milhões de alemães irão às urnas neste domingo (23) para escolher os novos representantes do Bundestag, o parlamento da Alemanha, em eleições antecipadas que definirão os rumos políticos do país nos próximos anos. A votação foi convocada após o colapso da coalizão governamental liderada pelo chanceler Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD, na sigla em alemão), que perdeu um voto de desconfiança no ano passado. O presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, dissolveu o parlamento e chamou novas eleições.

Até o último dia 22, as pesquisas indicavam que o partido da ex-chanceler Angela Merkel, o direitista União Democrata Cristã (CDU), era o favorito para assumir o cargo de chanceler, perdido após a saída de Merkel e a vitória dos sociais-democratas. A CDU é liderada hoje por Friedrich Merz, político de 69 anos e seu partido de centro-direita aparecem com aproximadamente 30% das intenções de voto, concorrendo em aliança com o União Social-Cristã (CSU), tradicional parceiro da Baviera. Merz enfatiza o endurecimento da política de imigração, afirmando que pretende “controlar as fronteiras” e deportar aqueles que entrarem no país sem documentos.

Na segunda posição das pesquisas, com cerca de 20%, está o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), cuja líder, Alice Weidel, defende medidas ainda mais rígidas contra imigrantes. “O fenômeno da imigração em massa precisa ser revertido”, declarou a economista de 46 anos. Apesar do desempenho expressivo nas pesquisas, a AfD dificilmente conseguirá integrar o governo, pois os principais partidos do parlamento já firmaram um acordo para não formar alianças com a legenda.

Já o SPD, partido de Scholz, aparece em terceiro lugar, com 16% das intenções de voto. Apesar da posição desfavorável, o atual chanceler demonstrou otimismo em entrevista à revista Der Spiegel, afirmando que tem “60% de chance” de permanecer no cargo. Embora pareça uma declaração demasiadamente otimista com o resultado eleitoral do partido, o próprio Scholz fora vice-chanceler e ministro das Finanças de Merkel, o que não torna tão estranha a ideia de um governo liderado pela democracia cristã, porém com sociais-democratas no gabinete ministerial.

A campanha social-democrata prioriza o aumento do salário mínimo e a taxação de grandes fortunas. No entanto, a adesão à política imperialista, sobretudo na guerra da Ucrânia e suas consequências devastadoras para a economia alemã, corroeram a popularidade do SPD, tornando a continuidade de Scholz no governo incerta.

O sistema eleitoral alemão não prevê a escolha direta do chanceler pelo voto popular. Os eleitores elegem os 630 membros do Bundestag, e os partidos formam coalizões para garantir maioria e definir o chefe de governo. Cada eleitor tem dois votos: um para escolher um representante de seu distrito e outro para definir a distribuição de assentos dos partidos no parlamento. Para entrar no Bundestag, um partido precisa obter pelo menos 5% dos votos.

Atualmente, o parlamento alemão tem 733 assentos, sendo o maior entre os países da Europa. No entanto, uma reforma eleitoral reduzirá permanentemente o número de parlamentares para 630, devido a críticas sobre a ineficiência e os custos elevados de um parlamento excessivamente grande. Em 2024, por exemplo, o Bundestag teve um aumento de 250 milhões de euros em seu orçamento em comparação com 2019.

A política externa foi um dos principais temas da reta final da campanha, com destaque para o papel da Alemanha no conflito entre Rússia e Ucrânia. No último debate televisivo antes das eleições, a questão dominou as discussões.

A CDU, apontada como provável líder do próximo governo, reafirmou seu compromisso de apoiar Quieve militarmente, mas criticou o atual governo por não liderar negociações de paz dentro da União Europeia. O candidato da CDU, Carsten Linnemann, evitou se posicionar sobre a possibilidade de envio de tropas alemãs para a Ucrânia, argumentando que “é muito cedo para tomar essa decisão”.

Já a ministra das Relações Exteriores e representante do Partido Verde, Annalena Baerbock, foi a única a defender explicitamente a presença de tropas de paz alemãs em território ucraniano. “Temos missões dos capacetes azuis em outros países, por exemplo, das quais a Alemanha participa. A questão é: se há garantias [feitas à Ucrânia como parte de um acordo], então os europeus também precisam ajudar”, disse.

O contraponto, porém, foi feito pela líder da AfD, a única a defender que a Alemanha abandonasse o apoio à ditadura de Zelensky e uma política de neutralidade no conflito. Não se trata de uma política nova. Em outras ocasiões, Weidel já criticou a política de Scholz para o conflito, afirmando que a adesão do governo alemão à política imperialista de sanções contra a Rússia “prejudicam seus próprios cidadãos mais do que aqueles que são alvos não podem acabar com a guerra”, que criticou também o “insulto” feito pela OTAN ao gigante eslavo, durante a tentativa de incluir a Ucrânia no braço militar do imperialismo.

O resultado preliminar das eleições deve ser anunciado na manhã de segunda-feira (22), após a contagem manual dos votos. Com um parlamento fragmentado e nenhuma maioria absoluta prevista, o processo de formação de coalizões será determinante para definir o novo chanceler e os rumos do governo alemão.

Quem é Alice Wiedel?

Mulher, homossexual, casada com uma imigrante do Sri Lanka com quem tem dois filhos, Alice Wiedel tem credenciais que a tornaram uma ótima candidata identitária. Isso, no entanto, é tudo o que a líder do partido herdeiro do nazismo não representa. “Não sou queer, mas sou casada com uma mulher que conheço há 20 anos”, chegou a declarar a líder da extrema direita alemã.

Segundo a jornalista Ann-Katrin Müller, especialista no AfD para a revista conservadora Der Spiegel, sob a liderança de Wiedel, “o partido está se radicalizando cada vez mais”. Contrariando o senso comum tipicamente pequeno-burguês de que radicalizar seria negativo, a AfD conseguiu participar do primeiro debate televisivo da história da agremiação, ocorrido no último dia 16. Além, é claro, de alçá-lo à segunda posição nas pesquisas de intenção de voto, com projeções indicando que poderia ainda chegar muito perto da CDU, primeira colocada.

Manifestando posicionamentos típicos da extrema direita sobre a questão da imigração, ela chegou a defender o que batizou de “remigração”, uma política de deportação de massa dos imigrantes ilegais. Sua posição mais polêmica, porém, é o antagonismo em relação à guerra imperialista contra a Rússia na Ucrânia. Wiedel afirma que a Alemanha é a verdadeira vítima da guerra na Ucrânia, devido aos danos econômicos que sofreu e sofrerá. A guerra, disse ela, “não é problema nosso”, que afirma também que quando o conflito terminar, responsabilizará a Ucrânia.

Pior crise do século

A economia alemã está afundando em uma recessão prolongada, com o Produto Interno Bruto (PIB) encolhendo pelo segundo ano consecutivo. Em 2024, a economia do país registrou uma queda de 0,2%, depois de já ter recuado 0,3% em 2023. É a primeira vez desde o início dos anos 2000 que a economia alemã encolhe dois anos seguidos, e a tendência não aponta para recuperação. A crise energética, os custos exorbitantes da energia e a pressão da concorrência global são fatores que empurram o país para trás.

Consequência de dois anos seguidos de recessão, o desemprego dispara e atinge níveis alarmantes. A taxa chegou a 6,2% em janeiro de 2025, a mais alta desde outubro de 2020, com quase 3 milhões de desempregados – um recorde em dez anos. A economia alemã se torna cada vez mais vulnerável diante da pressão da concorrência internacional e da escalada dos custos trabalhistas e energéticos. O resultado é uma deterioração do mercado de trabalho e uma crescente instabilidade para os trabalhadores.

Enquanto isso, o poder de compra das famílias alemãs continua em queda livre. A inflação, que vinha corroendo o poder de compra da população, mostra sinais de desaceleração, mas não há nada a comemorar. Em janeiro de 2025, a taxa anual caiu para 2,3%, uma redução tímida em relação aos 2,6% de dezembro do ano anterior. Isso significa que os preços continuam subindo, apenas em um ritmo menor, porém em uma conjuntura de recessão econômica, mesmo uma escalada de preços de 2,3% se torna um fator de pressão contra as famílias trabalhadoras.

O cenário é de colapso econômico e social. Com recessão, desemprego crescente e poder de compra em queda, a Alemanha mergulha em uma crise que torna o mais industrializado país imperialista um terreno fértil para a demagogia da extrema direita.

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Last Update: 23/02/2025