Por Eduardo Silva
Golpistas se passam por parentes das vítimas da queda do avião da Voepass para arrancar doações via PIX para traslado de corpos, velórios e enterros. Outros invadem a área do acidente para gravar vídeos dos corpos a fim de bombear suas redes sociais e, com isso, ganhar dinheiro.
E há os que espalham teorias da conspiração, lucrando com o aumento de sua rede de seguidores. Sim, os mortos do acidente da Voepass são ouro nas mãos de criminosos que agem como hienas e urubus. Golpes existem desde o início da humanidade – a internet e, principalmente, as redes sociais apenas massificaram o processo.
Da mesma forma, a curiosidade pelo horror, pelo bizarro e pelo escatológico sempre criaram uma demanda que atropela o respeito à dignidade humana. Sem contar que a sensação de incerteza diante das lacunas deixadas pela vida (neste caso, o que levou à queda do avião), levam fama a quem traz teorias que preenchem esses vazios e dão sentido às coisas, mesmo que baseado em achismos e mentiras.
O agravante neste caso é que estamos falando de gente que está tentando fazer dinheiro fácil em cima de biografias violentamente interrompidas, do desespero final dos que se foram e da dor e do sofrimento daqueles que ficam. Há uma ausência de empatia por parte dos envolvidos, que veem a tragédia apenas como mais uma boa oportunidade.
O efeito de “black mirror” das telas de computadores, tablets e celulares, que facilita o processo de desconexão com o sofrimento alheio, transborda da relação virtual e passa a valer também para o mundo offline. A noção de “outro” e de “semelhante”, aliás, é dissolvida.
A sanha de pessoas que invadiram o condomínio em Vinhedo (SP) em busca de gravar imagens de corpos em chamas mostra que, mesmo diante de uma realidade sem mediações, há quem passe a encarar esse outro como um NPC de game.
Nesse sentido, há uma semelhança entre quem mata a sangue frio e os urubus que não se importam em usar quem morreu de forma violenta para se saciar financeiramente ou socialmente. Novamente, isso não nasceu com a internet, mas ela torna tudo mais frequente.
As plataformas de redes sociais podem ser cobradas a retirarem rapidamente conteúdos golpistas, que espalham imagens que violam cadáveres ou vídeos que incitam ao ódio. Depende de uma regulação que a Câmara dos Deputados não quer ver aprovada, o que torna nossos deputados cúmplices de muita coisa.
Ao mesmo tempo, investigação policial e punição severa aos envolvidos pode servir de exemplo a outros, mostrando que o anonimato na internet não existe, o que existe é investigação insuficiente.
Golpes vão continuar acontecendo, tal como a superexposição do bizarro. Mas eles não precisam ser incentivados pela percepção de liberdade irrestrita e sem consequências que hoje prevalece. E que dá dinheiro e poder para muita gente.
Isso, contudo, é parte da questão. Empatia é algo que precisa ser desenvolvido, o que empurra uma grande responsabilidade a instituições como família, escolas, igrejas, clubes, trabalho.
O problema é que parte delas vem fazendo exatamente o contrário, prestando um desserviço enorme, apontando que semelhantes são apenas a pequena bolha próxima em que cada um está inserido e negando a humanidade ao desconhecido ou quem é diferente. Não à toa, temos hoje um terreno mais fértil às hienas e urubus.