A Operação Escudo conduzida pela Polícia Militar de São Paulo na Baixada Santista seguiu o modus operandi em casos de violência institucional no país – ou seja, as mortes ocorreram com “aparente uso seletivo da força sobre a “população de jovens, pobres, negros e moradores de favelas e periferias urbanas”.

Segundo a nota técnica elaborada pelo GENI/UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense), perfil de vítimas letais é de homens (100%), com idade média de 29 anos, sendo majoritariamente (65%) negros (pretos/pardos) e moradores da Comunidade onde foi realizada a Operação (56,2%).

Vale lembrar que em São Paulo, segundo o último Censo (2023), a população é formada por um percentual de 41% de pessoas negras e 39,11% com até 29 anos.

“Assim, aderindo aos achados de pesquisas que o próprio GENI-UFF vêm produzindo sobre o fenômeno da letalidade policial na última década, assim como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é possível localizar a 1ª fase da Escudo como parte do uso seletivo da força sobre a juventude negra e moradora de periferias e favelas no Brasil”, pontua o levantamento.

Em entrevista exclusiva ao Jornal GGN, a pesquisadora do GENI/UFF Luciana Fernandes explica que a Operação Escudo “foi marcada como atípica das operações de vingança, que decorrem de uma reação à morte de um policial”.

“Ela foi marcada por um alto índice de letalidade”, pontua a pesquisadora. “A pesquisa vem nesse escopo que replica o perfil de vítimas tradicionais em operações periféricas: jovens, negros, em situação de abuso de substancias entorpecentes… Em geral, perfil marcado pelas vulnerabilidades raciais e sociais”.

Luciana Fernandes afirma que a raça das vítimas é uma condição a ser destacada, como “evidência de como a estratégia de governança é intrincada ao racismo estrutural”.

Trabalho com Ministério Público

A equipe de pesquisadores da GENI/UFF trabalhou com a análise dos processos que formaram PICs (procedimento investigatório criminal) tocados pelo Ministério Público de São Paulo.

“A pesquisa atuou no mapeamento geral das condições da operação: queremos entender como se deu a dinâmica, como se distribuíram dias e horários, dinâmica de prestação de pedidos de socorro por policiais, qual região, tipo de local, batalhão envolvido, quantos policiais, quantos disparos e armas usadas, objetos apreendidos”, pontua Luciana.

“Procuramos mapear e coletar os dados da dinâmica de cada uma dessas ocorrências que geraram mortes. Depois, a gente buscou coletar dados sobre provas dos inquéritos cujo escopo era refletir se houve abuso ou não – e analisar quais provas foram produzidas nesse contexto de investigação de uso abusivo da força”.

Segundo a pesquisa, os 22 casos estudados envolveram a atuação de 64 Policiais Militares, nenhum morto e 1 ferido no confronto; e tiveram como vítimas 22 civis, 20 mortos e 2 gravemente feridos – uma letalidade policial na relação 20:0, bem acima da razão 10:1  que destaca o abuso de força conforme o estudo do pesquisador francês Paul Chevigny.

A pesquisa também avaliou o perfil das vítimas, mas Luciana explica que essa parte foi limitada por conta dos poucos dados disponíveis. “A gente levantou a idade das pessoas, gênero, raça, se morava na região, se tinha antecedentes, dependência química, as condições da morte”, explica Luciana.

“A gente também buscou analisar os resultados das operações, que importa sempre na pesquisa sobre operações policiais: as apreensões realizadas, quais tipos, como elas foram examinadas, e os indicadores de outros tipos de violação que puderam ser registrados”.

Luciana ressalta que a pesquisa deve ser finalizada no primeiro trimestre deste ano, com o acréscimo dos dados referentes à totalidade de casos de violência letal, uma vez que faltam receber dois processos de vítimas fatais.

Algumas conclusões

A pesquisa revela que, segundo relato dos policiais no Boletim de Ocorrência, em 73% dos casos (16 casos) as vítimas estavam sozinhas no confronto com os policiais, sendo o restante de casos (6) composto por um número indeterminado de pessoas que se evadiram.

Com relação às armas utilizadas, segundo as apreensões feitas pelos policiais, do total de 22 armas, 15 (68%) das vítimas estavam com uma pistola; 6 (27%) estavam com um revólver e 1 (4%) estava com uma submetralhadora. Já com os policiais, foram apreendidas 44 armas, sendo 22 pistolas (em 18 casos) e 22 fuzis (em 19 casos).

No caso das 20 vítimas fatais as quais os pesquisadores acessaram o laudo cadavérico, a pesquisa mostra que eles foram mortos devido a ferimentos por projétil de arma de fogo.

Segundo os dados relativos aos ferimentos de entradas de projétil no laudo cadavérico, a média foi de 3,3 tiros que acertaram a vítima por evento de morte na Operação, sendo a maior recorrência (70%) na região toráxica e havendo 4 casos (20%) com registro de entrada no rosto – três deles como primeiro disparo; e um deles caracterizado como terceiro disparo (segundo o Ministério Público, caracterizado este como “disparo de confere”).

Veja mais a respeito na pesquisa elaborada pela GENI/UFF.

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Last Update: 25/01/2025