
O depoimento da influenciadora Virgínia Fonseca à CPI das Apostas nesta terça-feira (13) poderia ter sido um momento sério de investigação sobre a atuação de celebridades na promoção de casas de apostas — um setor sob suspeita por lavagem de dinheiro e danos sociais. Mas o que se viu foi mais um episódio vexatório da já conhecida síndrome da princesa: a encenação pública da mulher branca como símbolo de pureza, ingenuidade e incapacidade plena de responsabilidade.
O ápice da infantilização se deu na figura patética do senador Cleitinho (Republicanos-MG), que trocou o papel de fiscalizador pelo de fã entusiasmado. Em vez de pressionar a empresária pelos contratos com sites de apostas — que faturam milhões à custa de vulneráveis —, preferiu pedir um vídeo para a esposa e a filha. Pior: sugeriu que Virgínia deixasse de divulgar apostas para promover suplementos alimentares. “Inclusive tomei seu pré-treino hoje. Maravilhoso”, babou. O mesmo Cleitinho, que lidera as intenções de voto ao governo de Minas Gerais, tratou a sessão como palanque para bajulação e autopromoção.
O senador Cleitinho pedindo para Virgínia Fonseca mandar um recado para filha e esposa durante a CPI das Bets. ESSE PAÍS NÃO TEM A MINIMA CHANCE DE DAR CERTO 🤡 pic.twitter.com/zKnWGki6yX
— Piuigiron (@virais_video) May 13, 2025
Esse espetáculo lamentável é reflexo de um padrão antigo: a mulher branca, lida socialmente como sensível, pura e quase infantil, é frequentemente poupada de responsabilizações plenas. Virgínia, com sua estética “Legalmente Loira”, seu branding em tons pastéis e vocabulário simplório, representa esse ideal feminino que nunca erra de verdade — apenas “não sabia”, “foi mal orientada”, “não teve intenção”.
Essa lógica se sustenta porque o sistema racista permite que a mulher branca erre e continue sendo lida como inocente, enquanto aos negros (especialmente, as mulheres) sequer podem demonstrar desconforto sem serem acusados de raivosos ou desequilibrados. À mulher negra não é concedida nem a legitimidade da dor: sua raiva é sempre vista como ameaça, nunca como denúncia. Enquanto isso, a mulher branca segue vencendo o jogo por W.O., como aquela criança que deixamos ganhar no dominó para não chorar.
O que a CPI escancarou não foi apenas o despreparo de uma influenciadora bilionária diante de perguntas básicas sobre seus contratos. Foi, sobretudo, a disposição dos homens brancos do poder de protegê-la, de construir para ela uma passarela de perdão e admiração, mesmo em um contexto que deveria ser de apuração e responsabilização.
O tratamento dado a Virgínia expõe como a branquitude feminina pode se refugiar na performance da doçura e da ignorância para escapar do crivo público. Uma estratégia eficiente que opera em contraste violento com a hipervigilância, desumanização e cobrança imposta a mulheres negras, vistas como sempre culpadas, sempre fortes, sempre erradas. E ao homem negro, sempre visto como incapaz de pensar, malandro e bandido.
Não se trata de uma crítica individual a Virgínia, mas à estrutura que ela representa — e que Cleitinho e tantos outros reforçam. Uma estrutura onde o capital racial manipula afetos e narrativas para proteger alguns e punir outros. A princesa de milhões, ao que tudo indica, continua no castelo. E segue sendo servida.
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