“Quem manda aqui somos nós”. Essas foram as palavras dos policiais militares que estupraram por nove meses e dezessete dias uma mulher indígena Kokama, uma barbárie ocorrida na 53ª Delegacia de Santo Antônio do Içá, no Amazonas. A vítima, de 29 anos, amamentava à época um filho recém-nascido, que permaneceu na cela por cerca de dois meses. Ela estava presa ilegalmente. As sessões de estupro coletivo começaram com a presença do filho recém-nascido e durante o resguardo, piorando ainda mais os resultados traumáticos de um crime marcado pela impunidade, pela espera e pelas mãos de um Estado assassino e violento. Quatro policiais militares e um guarda municipal são os autores apontados.

O que foi relatado do momento da prisão aumenta a revolta. No dia 11 de novembro de 2022, a polícia foi acionada por suspeita de violência doméstica entre o companheiro e a indígena. Na delegacia, foi descoberto um mandado de prisão em aberto contra ela. A vítima foi mantida presa por nove meses e junto a detentos homens, pois não havia cela feminina na delegacia. Foi aí que os abusos se intensificaram. Podemos ver nesse caso um lastro de horror que o Estado brasileiro instaura a partir de seus erros e omissões. Ausência do Estado? Ao contrário, pois vemos o Estado agir em cada momento do processo, com o evidente intuito de desumanizar a mulher indígena e permitir reverberar a impunidade durante longos meses. Além do trauma psicológico, a vítima desenvolveu uma doença hemorrágica em estado crítico, decorrente dos estupros. Presa em novembro de 2022, a denúncia só chegou às autoridades no dia 27 de agosto de 2023, quando foi transferida para a Unidade Prisional Feminina de Manaus. Nove meses.

Os povos indígenas, com ênfase nas mulheres, são alvo de todas as violências possíveis vindas por parte do Estado e grupos poderosos ligados aos ruralistas, incluindo fazendeiros, grileiros e garimpeiros, que agem sabendo da impunidade muitas vezes garantida pelos órgãos competentes. Seja em lutas coletivas, seja em situações do cotidiano, os povos indígenas enfrentam inúmeros abusos e atentados, a começar pelo Estado brasileiro que, desde 2024, tem o vigor do Marco Temporal. O Instituto Mãe Crioula mostra que as mortes violentas de indígenas na Amazônia Legal é 26% maior que nas outras regiões do país. Carecem dados e pesquisas sobre as variadas violências sofridas pelos povos indígenas.

É preciso lutar junto aos povos indígenas para que essa violência sistemática seja enfrentada, por delegacias especializadas e direito à autodefesa, contra as violências da luta no campo e contra as opressões cometidas pelo machismo nas comunidades e pelos agentes de Estado. É preciso derrubar o Marco Temporal e lutar pela demarcação de todas as terras indígenas e quilombolas, que os movimentos sociais, populares e entidades da sociedade civil tomem a tarefa de, além de combater o Marco Temporal, monitorar, levantar dados e pesquisas que deem a dimensão do problema da violência sexual contra pessoas indígenas, em especial crianças e mulheres. A responsabilidade desse crime cometido contra uma indígena Kokama e seu filho é toda do Estado, cabe a nós a revolta e a auto-organização para cobrar que os culpados sejam punidos e presos. Que a vítima e seu filho tenham toda a assistência necessária. Sabemos que não é o suficiente, mas exigimos que o estado pague a indenização que foi requerida pela defesa da vítima.

O capitalismo que conhecemos nasceu e se consolidou a partir da exploração e opressão dos povos originários em todos os cantos do mundo, servindo de experiência para a consolidação de um modelo baseado na exploração da humanidade por uma parte da humanidade. O fim do capitalismo é um objetivo que cabe a toda humanidade, em defesa da dignidade da vida e em defesa dos povos massacrados por esse sistema racista e espoliador. A violência contra a população indígena deve ser enfrentada em articulação com o combate a toda e qualquer violação de direitos humanos, sendo os povos indígenas um alvo principal dos abusos do Estado capitalista.

Precisamos fortalecer a luta em torno dos direitos dos povos indígenas, em unidade com o conjunto da classe trabalhadora, com a juventude e apontar que a única solução para que os oprimidos vivam dignamente e sejam respeitados é a construção de uma nova sociedade, mais justa e igualitária, onde um punhado de ricos e seus soldados não se sintam donos do nosso futuro e do nosso corpo. Precisamos lutar por uma sociedade socialista, sem classes e com a valorização da vida, da memória e dos saberes de todos os povos.

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Last Update: 24/07/2025