Se a Rússia superou o czarismo com a queda de Nicolau II, durante a revolução do início do século passado, o desejo de ser liderada por uma figura que a conduza com demonstração de força parece não ter arrefecido. Ninguém foi além de Josef Stalin [1878-1953] na personificação desse imaginário, mas, neste início de século XXI, o papel cabe a Vladimir Putin, 71, que completa 25 anos no poder nesta sexta-feira 9.

A data marca, também, um momento desafiador ao país chefiado pelo ex-espião da KGB, que chegou a servir na antiga Alemanha Oriental na década de 1980. Tentando se manter firme em seu projeto de tomar o território ucraniano, Putin e seus aliados celebram a data amargando o que o próprio mandatário chamou de ‘provocação em larga escala’ da Ucrânia. O país vizinho avançou sobre o sul da Rússia, através da região fronteiriça de Kursk.

Os 25 anos de Putin no poder chamam a atenção não só pela duração, mas pela quase nula perspectiva de que ele deixe o Kremlin tão cedo. Reeleito no início do ano com quase 90% dos votos para o seu quinto mandato, caminha para superar Stalin, em 2028, como o líder mais duradouro na história moderna da Rússia.

Uma breve cronologia das duas décadas e meia de Putin no poder mostra como, ao longo do tempo, a sua força tem relação direta com o enfraquecimento das instituições políticas do país.

Do bastidor ao palco

Putin subiu ao poder sob os escombros de uma economia desnorteada depois da Guerra Fria e do fim da União Soviética. Sua permanência no cargo parecia incerta, já que, naquele agosto de 1999, não restava alternativa ao fato de que Boris Ieltsin, seu antecessor, não podia mais governar: estava demasiado doente e, no campo político, desgastado demais.

No ano seguinte, quando as eleições finalmente aconteceram, Putin foi o vencedor. Também ganhou em 2004, pouco tempo depois de determinar que o Estado tomasse de assalto canais independentes. E continuou a vencer nos anos seguintes, mesmo quando, em 2008, assumiu como primeiro-ministro, deixando a Presidência para Dmitri Medvedev. A mudança foi meramente formal, já que Putin seguiu no comando do partido, dando, na prática, as cartas.

Há diferenças entre o Putin daqueles tempos e o de hoje. Mesmo com as naturais desconfianças, ele ainda era visto pelo Ocidente com relativo apreço, já que representava estabilidade. O atual, tanto pelos discursos quanto pelas ações, não mede esforços para se opor à Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan.

As mudanças de conjuntura ajudam a explicar a diferença de posição. Em um famoso discurso proferido em Munique, na Alemanha, em 2007, ele não se furtou a afirmar que a ordem mundial estabelecida no pós-Guerra Fria era impossível e, em uma espécie de aviso, sinalizou que não poderia se sustentar no longo prazo.

“Considero que o modelo unipolar não é apenas inaceitável, mas também impossível no mundo de hoje. O mundo em si é falho, porque em sua base não há e não pode haver fundamentos morais para a civilização moderna. Não há razão para duvidar que o potencial econômico dos novos centros de crescimento econômico global será inevitavelmente convertido em influência política e fortalecerá a multipolaridade“, disse Putin a lideranças internacionais.

Não por acaso, já havia mostras de qual seria a posição da Rússia frente ao crescimento da aliança militar do Ocidente. “A expansão da Otan não tem qualquer relação com a modernização da própria aliança, nem com a garantia de segurança na Europa”, disse Putin. Para ele, o avanço representava “uma séria provocação que reduz o nível de confiança mútua”. 

Sufocamento da oposição

Independentemente do grau de precisão com o qual antecipou movimentos geopolíticos, Putin viu, em 2008, o início das tratativas para que a Geórgia e a Ucrânia ingressassem no grupo. Ali, o Kremlin deu o pontapé inicial para a intervenção na Geórgia.

Quatro anos depois, em 2012, a sua volta à Presidência, por meio de eleições, selou o seu domínio sobre a política local. O custo foi a repressão aos protestos contra a autocracia que se instalava na Rússia. Para isso, prendeu a principal figura dos atos, o ativista Alexei Nalvany. Doze anos depois, no início de 2024, Nalvany apareceu morto no serviço penitenciário russo.

Se o olhar sobre a Rússia se limita aos dados econômicos, o país até pode ser melhor do que aquele que Putin assumiu. Segundo o Banco Mundial e o Serviço Federal de Estatísticas, o desemprego de 14,9% do final dos anos 1990 caiu para 2,4%. A inflação, embora na casa dos 8% hoje em dia, era de 36% ao ano na chegada de Putin. O PIB per capita, limitado a 1.300 dólares no final do século passado, saltou para 14 mil dólares em 2024.

Por outro lado, a Rússia ficou mais desigual, mais corrupta e, dado o cerco ferrenho a qualquer tipo de oposição, a liberdade de imprensa despencou, segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras.

Com tudo isso na conta, Putin ostenta 87% de aprovação na Rússia, segundo o Centro Levada, e não hesita em demonstrar o papel de novo czar conferido a si mesmo.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 09/08/2024