
Por Felipe Borges
Pragmatismo Político
Na tentativa de defender o indefensável, Rafinha Bastos publicou um vídeo que já pode ser considerado um dos conteúdos mais estúpidos da internet brasileira em 2025. Em tom de ironia grosseira, o humorista resolveu “passar pano” para o colega Léo Lins, condenado pela Justiça Federal de São Paulo a oito anos e três meses de prisão em regime fechado, ao tentar comparar piadas racistas e misóginas com personagens de novela.
Léo Lins foi condenado por discursos de ódio travestidos de piada. Riu de vítimas da Boate Kiss, zombou de uma grávida, de um bebê, de pessoas com deficiência, de indígenas e outros grupos historicamente oprimidos. Para Rafinha, tudo isso se equipara ao fato de Adriana Esteves interpretar Carminha em Avenida Brasil, Matheus Solano viver Félix em Amor à Vida e Débora Bloch estar no ar como Odete Roitman no remake de Vale Tudo. Sim, foi esse o nível da “argumentação”.
No vídeo, Rafinha escarnece:
“Um artista não pode se utilizar da tal da arte para praticar crimes. Concordo completamente com essa punição.”
Em seguida, passa a listar atores e atrizes que, segundo ele, também deveriam ir para a cadeia, por crimes fictícios de personagens da dramaturgia. A confusão entre ficção e realidade não é apenas absurda — é perigosa.
A comparação ignora o óbvio: atores interpretam roteiros em obras de ficção. Humoristas também podem fazer isso — mas quando suas falas reforçam preconceitos, atacam pessoas reais e grupos vulneráveis, o debate ultrapassa os limites do palco. O caso de Léo Lins chegou à Justiça porque houve vítimas reais atingidas por suas “piadas”, que circularam amplamente nas redes sociais e serviram como munição para discursos de ódio.
Um internauta sintetizou bem o disparate:
“O meu cachorro aqui, o Ozzy, sabe que uma novela é uma encenação. O Léo Lins estava apenas ‘encenando’, era só ‘teatro’? Mas você, Rafinha, que foi condenado por falar de um bebê e de uma mulher grávida, deveria desconfiar que não é bem assim.”
A diferença entre ficção e discurso público não é sutil. Quando uma novela mostra uma vilã abandonando uma criança no lixão, não está promovendo o abandono infantil. Quando Léo Lins zomba da tragédia da Boate Kiss, em que 242 pessoas morreram queimadas e asfixiadas, não se trata de uma personagem malvada, mas de um ataque à memória de vítimas reais e à dor de pais que nunca conseguiram seguir adiante.
A defesa de Rafinha Bastos tenta colocar tudo no mesmo balaio: atuação, piada, crime e liberdade de expressão. Mas o humor tem responsabilidade — especialmente quando se apresenta como canal de crítica social. Há piadas que questionam o poder, e há piadas que reforçam o poder esmagando os vulneráveis. Léo Lins escolheu a segunda via. E foi condenado por isso.
Dizer que “é só uma piada” é a desculpa predileta de quem normaliza o intolerável. Hitler, aliás, também usava o humor — cínico, cruel, instrumental — para desumanizar e intimidar. O que Léo Lins fez, e o que Rafinha tenta justificar, não é uma anedota inocente. É uma prática que contribui para a banalização do preconceito como entretenimento.
Baita arte, num país em que os abusos sexuais de vulneráveis é absurdamente gigante e praticado principalmente, por familiares ele fazer piada com isso é tirar aplausos. Isso aqui é crime, vamos chamar pelo nome que tem que ser chamado. pic.twitter.com/HZzkyWaXJl
— Ivan Vieira (@ivanvieira_5) June 4, 2025
Léo Lins vai recorrer. É possível que a sentença seja revista. Mas o recado está dado: humor que ataca a dignidade humana e se esconde sob o disfarce da comédia pode sim ultrapassar os limites da liberdade de expressão. Pode ser crime.
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