A realidade das grávidas e novas mães em Gaza é de luta constante pela sobrevivência. Desde o desafio de chegar aos hospitais, passando pelas condições insalubres dos atendimentos e os constantes deslocamentos forçados pelo conflito, até a dificuldade em cuidar dos recém-nascidos com a falta de suprimentos básicos, com hospitais superlotados ou tendo mesmo que fazer o trabalho de parto e os primeiros cuidados em tendas improvisadas, a vida dessas mulheres palestinas é marcada pelo medo e pela incerteza. A especialista em comunicação da Unicef, Rachel Thompson, chegou a declarar sobre o cenário da maternidade em Gaza que “Ser mãe deve ser um momento de celebração. Em Gaza, é outra criança entregue ao inferno”.
Com deslocação constante e a falta de transporte adequado dificultam o acesso aos hospitais, quando conseguem chegar, muitas vezes as gravidas encontram filas longas e têm de esperar horas para serem atendidas. A palestina Leila, que deu à luz depois do início do conflito, em 7 de outubro de 2023, entrou em trabalho de parto em uma tenda em Rafah e teve que usar um carrinho de burro para chegar à Maternidade Al Helal Al Emirati, onde esperou seis horas antes de dar à luz por cesariana. Após o parto, sem leitos disponíveis, ela foi forçada a retornar à sua tenda e fazer viagens frequentes ao hospital para tratamento. “Meu corpo mal está curado do parto, e agora tenho que lutar para manter minha filha viva”. Dois dias após dar à luz, Leila teve que fugir quando forças israelenses invadiram Rafah, sendo esta a quarta vez que ela teve que deslocar-se devido ao conflito. Desde o início da guerra entre Israel e Palestina mais de 38.000 palestinos foram mortos, e mais de 87.000 ficaram feridos, sobrecarregando os hospitais restantes. “Desde que a guerra começou, tem sido uma luta constante pela sobrevivência, até mesmo pelo direito humano mais básico: trazer uma criança em segurança para o mundo”, disse Leila.
Em maio, a OMS informou que apenas um terço dos hospitais de Gaza ainda estavam parcialmente operacionais. Israel justifica os ataques a hospitais alegando que o Hamas os utiliza para fins militares, uma acusação sem nenhum fundamento e negada pelos hospitais e pelo Hamas. “Apenas cerca de um terço dos 36 hospitais e centros de atenção primária de Gaza ainda estavam parcialmente operacionais”, informou a Organização Mundial da Saúde. Com a infraestrutura médica severamente danificada, muitas mulheres são forçadas a dar à luz fora do sistema médico formal, como a amiga de Jarrour que teve que dar à luz sozinha em casa. “Sozinha no banheiro, ela mesma cortou o cordão umbilical com uma tesoura”, disse Jarrour.
Mesmo após o parto o trauma continua. As novas mães enfrentam a escassez de alimentos, medicamentos e outros suprimentos essenciais, com muitas improvisando tratamentos para seus bebês. A insegurança alimentar é grave, com mais de 495 mil pessoas em Gaza enfrentando um nível catastrófico de fome. “O medo é constante. Será que esse remédio caseiro vai funcionar? Vou piorar as coisas?” disse a nova mãe palestina Fatima Hassan. As condições insalubres e a falta de medicamentos forçam as mães a buscar alternativas na internet para tratar seus filhos, aumentando o medo e a ansiedade. “Não podemos ser médicos da noite para o dia, procurando desesperadamente respostas na internet”, disse ela.
O acesso limitado a cuidados médicos adequados torna o período pós-parto extremamente difícil para as recém-mães. “O trauma da guerra também afeta diretamente os recém-nascidos, resultando em taxas mais altas de desnutrição, problemas de desenvolvimento e outras complicações de saúde”, disse Rachel Thompson. Fatima Hassan teve que buscar na internet tratamentos caseiros para a filha de quatro meses, enquanto Soad Al Masri luta para cuidar da filha recém-nascida em uma tenda insuportavelmente quente. “Minha filha se sente sufocada com as roupas de inverno que pegamos emprestadas dos vizinhos”, disse Masri.