Vida inteligente e escala

por Luiz Henrique Lima Faria

Soube há pouco tempo sobre uma das premissas mais intrigantes da astrobiologia contemporânea: a ideia de que vida inteligente se manifesta por meio da emissão de ondas de rádio. Programas como o SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence), criados nos anos 1960, baseiam-se na hipótese de que civilizações suficientemente avançadas seriam capazes de emitir sinais eletromagnéticos com padrão e potência capazes de atravessar as imensidões interestelares.

Segundo essa lógica, uma civilização tecnologicamente madura já teria superado o estágio do silêncio e se tornaria, ainda que involuntariamente, detectável. Esse critério de vida inteligente, no entanto, talvez revele mais sobre os limites da nossa sensibilidade do que sobre a verdadeira dificuldade de reconhecer inteligência nos confins do universo.

Assim, percebo ser essa uma conceituação ao mesmo tempo fascinante e provocativa. Ao restringir o reconhecimento da vida inteligente a uma janela tecnológica específica, como o domínio da comunicação via rádio, essa concepção nos força a refletir sobre dimensões da inteligência que, por sua própria natureza, certamente escapam à sensibilidade dos instrumentos que criamos para detectá-la.

Essa nova reflexão me levou a elucubrar que não se limitam ao campo do macrocosmo, mas reverberam no cotidiano, no íntimo, no corpo-a-corpo da experiência humana. Afinal, em que momento reconhecemos a inteligência da vida que nos cerca? E que formas de comunicação, para além das ondas, merecem ser consideradas “inteligentes” à luz das nossas ambições, vínculos e propósitos de existência?

Considerando que os primeiros sinais de rádio emitidos da Terra com potência suficiente para escapar da ionosfera datam de pouco mais de um século, apenas civilizações situadas a menos de 150 ou 200 anos-luz poderiam, em tese, ter recebido algum contato com esse traço de nossa existência. Em termos cósmicos, isso equivale a um sussurro lançado num mar sem fim. A galáxia de Andrômeda, por exemplo, só receberá esse sussurro daqui a 2,5 milhões de anos. E mesmo que haja lá uma civilização disposta a escutar, é possível que, quando isso acontecer, já não reste mais ninguém aqui para responder.

Mas foi justamente essa percepção, essa assimetria vertiginosa entre o que emitimos e o que pode ou não ser recebido, que me levou a suspender o olhar para o céu. Abandonei, ainda que por um breve intervalo de tempo, o radiotelescópio mental e me entreguei ao exercício do olhar que busca o imediato, o que pulsa próximo. E então, a pergunta mudou de escala no espaço-tempo: e se a vida inteligente que precisamos encontrar e precisa ser encontrada não estiver a milhões de anos-luz, mas muito mais próxima?

Ontem, por exemplo, detectei toda a integridade da beleza dos olhos verdes de minha esposa, a apenas quinze centímetros de distância, no breve instante que antecedeu um beijo. Naquela fração de segundo fugaz, havia algo que nenhuma tecnologia, por mais avançada, poderia captar. Era uma forma de comunicação de pura inteligência, sem ondas de rádio. Apenas presença e beleza. Uma inteligência que não comprovava sua existência por algoritmos ou medidas de potência, mas que se expressava na integridade daquilo que sustenta: o vínculo, o cuidado, o amor.

Enquanto o universo permanece silencioso e surdo para todos nós, é nesse intervalo que, paradoxalmente, se revela a oportunidade de nos voltarmos para a inteligência mais preciosa da existência. Buscamos sinais entre as estrelas, mas talvez a forma mais genuína de vida inteligente seja aquela que, no momento dos afetos, permanece indetectável aos avanços tecnológicos. Aquela que busca resposta nos olhos do outro, quando a mensagem dispensa o caminho das ondas de rádio.

O macrocosmo nos fascina e nos conduz ao longínquo, é certo. Mas, por enquanto, é no microcosmo que habitamos, nosso único lar no universo. E se há algum mérito em imaginar a vida inteligente como um fenômeno complexo e comunicante, talvez o maior deles seja reconhecer que ela já pulsa, sem mistério insolúvel, por vezes a apenas quinze centímetros de distância: toda vez que um olhar encantado antecede um beijo, com a ternura e a lucidez de quem ama. Inteligência maior, até onde sabemos, permanece indetectável.

Luiz Henrique Lima Faria – Professor do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) e Editor-Chefe da Revista Interdisciplinar de Pesquisas Aplicadas (RINTERPAP).

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Last Update: 27/05/2025