Compreender as diferenças entre doença celíaca, alergia ao trigo e sensibilidade ao glúten não celíaca é essencial para um cuidado eficaz com a saúde. Embora todas envolvam reações adversas ao consumo de determinados alimentos, cada condição apresenta causas, sintomas e tratamentos próprios.

De acordo com a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (Fenacelbra), a doença celíaca afeta 1% de toda a população mundial e, desse total, cerca de 80% ainda não têm um diagnóstico. Esse dado reforça a necessidade de atenção e informação precisa para lidar corretamente com essas condições.

É nesse contexto que a professora Vitória Alves Ribeiro, do curso de Nutrição da UniSociesc, destaca que “saber diferenciá-las é essencial para tomar os cuidados necessários para o bem-estar e evitar dietas restritivas desnecessárias”. Ao compreender melhor cada uma dessas condições, é possível evitar tratamentos equivocados, garantir uma alimentação segura e manter a qualidade de vida, sem abrir mão de nutrientes importantes por precaução indevida.

Doença celíaca: uma resposta autoimune grave e permanente

A doença celíaca é uma condição autoimune e crônica, desencadeada pela ingestão de glúten em indivíduos geneticamente predispostos. “Quando uma pessoa com doença celíaca ingere glúten, o sistema imunológico ataca o próprio corpo, mais especificamente as vilosidades do intestino delgado”, explica a professora. Essa inflamação compromete a absorção de nutrientes, levando a uma série de problemas de saúde. 

Os sintomas variam amplamente: em crianças, pode haver baixa estatura e atraso no crescimento; em adultos, perda de peso, anemia, fadiga, diarreia crônica e distensão abdominal são comuns. O diagnóstico deve ser realizado por um médico, por meio de exames de sangue e, quando necessário, biópsia do intestino delgado — considerado o método mais preciso.

Uma vez diagnosticada, a doença celíaca exige a exclusão total e definitiva do glúten da alimentação. “Mesmo traços ou contaminações cruzadas já são suficientes para provocar inflamações e reações adversas em quem tem a doença”, ressalta Vitória Alves Ribeiro.

Quando não tratada corretamente, a doença pode levar à desnutrição, causada pela má absorção de nutrientes no intestino delgado, e anemia por deficiência de ferro, que pode surgir mesmo com uma alimentação adequada. A longo prazo, a inflamação intestinal crônica é capaz de provocar osteoporose, infertilidade, problemas neurológicos e, em casos mais severos, aumentar o risco de linfoma intestinal, um tipo de câncer. 

Alergia ao trigo: menos comum, mas com sintomas imediatos

Muitas vezes confundida com a doença celíaca, a alergia ao trigo é uma condição distinta. Trata-se de uma resposta alérgica ao trigo como um todo — não apenas ao glúten —, sendo mais comum em crianças e podendo provocar sintomas como urticária, vômitos, inchaço e, em casos mais graves, anafilaxia.

Diferentemente da doença celíaca, pessoas alérgicas ao trigo podem, em alguns casos, consumir outros cereais que contenham glúten, como centeio e cevada. O tratamento consiste na exclusão do trigo da dieta, sendo necessário o acompanhamento médico e, preferencialmente, de um nutricionista para evitar deficiências nutricionais.

Sensibilidade ao glúten não celíaca: diagnóstico por exclusão

Já a sensibilidade ao glúten não celíaca é uma condição em que o indivíduo apresenta sintomas semelhantes aos da doença celíaca — como dores abdominais, inchaço e diarreia —, mas sem apresentar alterações nos exames laboratoriais ou lesões no intestino. “O diagnóstico é feito por exclusão, quando a doença celíaca e a alergia ao trigo são descartadas”, explica a professora.

O tratamento consiste na redução ou retirada do glúten da dieta, de maneira individualizada e menos restritiva. Em alguns casos, pequenas quantidades de glúten podem ser toleradas, o que diferencia essa condição da rigidez exigida no tratamento da doença celíaca.

Funcionário de padaria sorrindo enquanto segura um tablet ao lado de uma vitrine com pães e doces identificados como sem glúten
Optar por locais que tenham equipamentos e espaços exclusivos para produtos sem glúten reduz o risco de contaminação cruzada (Imagem: Krakenimages.com | Shutterstock)

Contaminação cruzada: um risco invisível, mas perigoso

Para quem tem doença celíaca, o cuidado vai além de evitar alimentos que contenham glúten — é preciso atenção redobrada com a contaminação cruzada. Esse termo se refere à transferência acidental de glúten de um alimento para outro que, originalmente, não o contém. Isso pode acontecer em qualquer etapa: no preparo, armazenamento, transporte ou manuseio dos alimentos.

“Mesmo traços mínimos de glúten são suficientes para provocar reações em celíacos. Por isso, é essencial preparar os alimentos em ambientes completamente livres de contaminação”, alerta professora Vitória Alves Ribeiro. Esponjas, panos de prato, talheres, formas e utensílios compartilhados podem representar um risco.

A contaminação também ocorre em cozinhas comerciais, como restaurantes e padarias, o que torna ainda mais desafiador comer fora de casa. Por isso, quem convive com a doença precisa de ambientes controlados, com utensílios exclusivos, além de orientação nutricional e atenção constante à procedência dos produtos.

Dietas sem glúten: modismo ou necessidade?

Com o aumento da popularidade das dietas sem glúten, muitas pessoas passaram a evitá-lo mesmo sem diagnóstico médico. Segundo a professora, isso é prejudicial. “Há um excesso de informação e modismo em torno da exclusão do glúten. Se não há indicação clínica, retirar o glúten pode causar deficiência de fibras, vitaminas e outros nutrientes presentes em alimentos integrais”, afirma.

O glúten, presente em massas e pães, não é inflamatório por si só, como muitas pessoas acreditam. Ele se torna um problema apenas para quem tem condições específicas diagnosticadas por profissionais de saúde. “A alimentação com glúten, para quem não tem restrição, é totalmente saudável”, reforça Vitória Alves Ribeiro.

Leitura de rótulos e legislação

A leitura atenta dos rótulos é uma aliada importante para quem precisa eliminar o glúten. A legislação brasileira exige que alimentos industrializados informem claramente se “contêm” ou “não contêm glúten”. “Essa regra é essencial para resguardar a saúde das pessoas com doença celíaca”, afirma Vitória Alves Ribeiro.

Alimentos naturalmente livres de glúten, como arroz, milho, batata, frutas e vegetais, devem ser priorizados. A reeducação alimentar após o diagnóstico exige paciência, conhecimento e orientação profissional para garantir uma nutrição completa e segura.

Informação de qualidade e orientação médica fazem toda a diferença

Buscar fontes confiáveis e o acompanhamento de profissionais da saúde é essencial para lidar corretamente com a doença celíaca, a sensibilidade ao glúten ou outras restrições alimentares. Evitar o autodiagnóstico e dietas restritivas por conta própria ajuda a prevenir deficiências nutricionais e complicações desnecessárias.

“Todo mundo conhece alguém que tem alguma dessas condições. Por isso, disseminar informação correta é tão importante”, destaca a professora. A convivência com a doença celíaca exige atenção, disciplina e apoio, mas, com o diagnóstico preciso e uma alimentação adequada, é possível ter uma vida saudável, segura e plena — sem glúten, mas com muito conhecimento.

Por Genara Rigotti

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Last Update: 15/08/2025