A última semana de maio de 2025 marcou um ponto de virada na história recente da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Em um contexto de avanço de projetos neoliberais em Minas Gerais, especialmente no campo dos serviços públicos essenciais como educação, saneamento, transporte e energia, a comunidade acadêmica reagiu com uma mobilização unificada e histórica. Os Projetos de Lei 3733 e 3738/2025, enviados pelo governo Romeu Zema à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), colocam em risco a existência da UEMG. Em resposta, professores, estudantes, técnicos, movimentos populares e sindicatos protagonizaram uma ofensiva em defesa do direito à educação pública em Minas.
Arte e resistência: A voz das ruas e das redes
Durante toda a semana, a participação de estudantes da Escola Guignard foi fundamental na criação de materiais visuais: cartazes, lambe-lambes, faixas pintadas a mão e adesivos foram espalhados pelas unidades e pelas redes sociais, com uma linguagem direta, efetiva e radical. A arte voltou a ocupar seu lugar na luta, como expressão de um corpo coletivo que diz não ao silenciamento, à venda da educação e à destruição dos sonhos da juventude mineira. “A produção gráfica tem sido muito boa, tem gente muito ativa, mas precisamos fazer ainda mais”. Afirma Luna Pellegrini, 1ª Coordenadora Geral do DCE da UEMG.
Dia 28, um dia de muita luta.
Na terça-feira, 28 de maio, todas as 22 unidades da UEMG pararam. A paralisação, convocada pela Aduemg — sindicato que representa os trabalhadores e trabalhadoras da educação superior da universidade — foi acompanhada por assembleias e atos. Em Belo Horizonte, a mobilização começou ainda pela manhã, com uma passeata organizada por estudantes que saíram da FAE, unidade localizada na região central da capital, em direção à Assembleia Legislativa. Dezenas de estudantes ocuparam as ruas, com cartazes, batuques, megafones e palavras de ordem que expressavam com clareza o que estava em jogo: a sobrevivência da universidade.
“A gente botou na rua umas cinquenta pessoas só da galera de BH pela manhã. Depois conseguimos ocupar a galeria da Assembleia, o que foi um movimento muito importante(…) Fizemos nossa própria assembleia, que teve muita qualidade. Construímos propostas concretas: tirar um calendário de lutas, melhorar a comunicação, e definir um dia de atos simultâneos em todas as unidades“, relatou Luna
Durante a ocupação da galeria da ALMG, os estudantes reivindicaram o arquivamento dos projetos de lei e denunciaram a tentativa do governo estadual de entregar o patrimônio público à iniciativa privada, sem qualquer tipo de consulta à comunidade universitária. Do lado de fora, o ato seguia com intervenções, faixas, panfletagens e palavras de ordem. Em um dos cartazes se lia: “UEMG não é moeda de troca”. A expressão não era apenas simbólica. Estava diretamente ligada ao conteúdo do PL 3738, que propõe transferir a gestão e os bens da UEMG à União como parte das contrapartidas exigidas para a adesão de Minas Gerais ao PROPAG, o Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados.
Na parte da tarde, duas assembleias foram realizadas simultaneamente. De um lado, a assembleia da Aduemg reuniu mais de 220 docentes e aprovou a intensificação da campanha pública contra os PLs. De outro, a assembleia estudantil, organizada pelo DCE e por centros acadêmicos, construiu um calendário unificado de lutas e apontou para a necessidade de ampliação do debate com a sociedade mineira.
“Foi uma avaliação muito positiva. Nós conseguimos a representação, a mobilização, a presença de estudantes, docentes e técnicos das 22 unidades. Foi a comunidade que construiu isso. Conseguimos também uma paralisação geral que garantiu a paralisação de todas as unidades. Isso marca o início da campanha“, afirmou Túlio Lopes, presidente da Aduemg.
O ato também contou com a presença de representantes de outras categorias, como os metroviários (Sindmetro-MG e FENAMETRO), trabalhadores do saneamento (Sindisama), professores da rede pública de ensino (Sind-UTE), docentes federais e estaduais (Andes-SN) e centrais sindicais como a CUT. Deputados estaduais de oposição também estiveram presentes, somando força ao movimento. A presença dessas entidades reforçou o que os estudantes e professores já apontavam: o ataque à UEMG é parte de um projeto mais amplo de desmonte dos serviços públicos em Minas Gerais.
Conselho Universitário se posiciona contra os PLs
Na quarta-feira, 29 de maio, o Conselho Universitário da UEMG (CONUN) se reuniu extraordinariamente e aprovou uma nota oficial se posicionando contra os PLs. A resolução é contundente: exige o arquivamento incondicional do PL 3738 e a retirada dos bens da universidade do PL 3733. Além disso, denuncia a falta de diálogo do governo, os riscos à autonomia universitária e a inexistência de precedentes legais que garantam a continuidade dos estudos e do trabalho na hipótese de transferência da UEMG à União.
“Foi um momento importante para entender melhor como a comunidade acadêmica vai se posicionar institucionalmente. Teve um nível de esclarecimento que ajudou bastante. Acho que fortalece também a atuação de quem já estava defendendo a UEMG há muito tempo“, disse Luna.
Próximos passos: Pressão sobre a ALMG e mobilização permanente
Com a decisão do CONUN, o movimento ganha mais respaldo institucional. Agora, as próximas semanas serão voltadas à pressão sobre os deputados estaduais. Estão sendo organizadas visitas às câmaras municipais, audiências, atos regionais e articulações com lideranças populares locais. A ideia é mostrar que os deputados que votarem a favor desses projetos estarão votando contra as cidades que representam.
“Temos agora o desafio de mobilizar nas próximas semanas, seguir mobilizando a comunidade e avançar na vitória contra o PL 3738/2025 e também o 3733. Agora é acompanhar os desdobramentos na Assembleia Legislativa e seguir fortalecendo nossas articulações. Nossas conexões com movimentos sociais e populares estão ampliando o movimento em defesa da universidade. A luta é contra a privatização da universidade pública, gratuita, popular e de qualidade. Hoje não foi o ponto final, foi o ponto de partida dessa campanha ampla, dessa frente única em defesa da UEMG“, concluiu Túlio.
Com nova paralisação marcada para o dia 1º de julho, o movimento segue ganhando corpo, enraizado nas cidades, nas redes e nas consciências. A campanha “UEMG: quem conhece, defende” não é apenas um lema, é uma convicção. É a certeza de que uma universidade não se constrói com planilhas, mas com gente, desejo e futuro. É a recusa em permitir que uma instituição formada por milhares de estudantes, professores e funcionários seja tratada como obstáculo fiscal. É a afirmação de que a UEMG é do povo mineiro — e é esse povo que vai defendê-la.
Unidade de toda nossa classe contra esse ataque
É fundamental que todos os sindicatos se unam e apoiem as entidades e os movimentos sociais que estão na linha de frente da resistência. O que está em jogo com a aprovação desse projeto do governo Zema não é apenas uma reforma pontual, trata-se de uma ameaça concreta à própria existência do estado de Minas Gerais enquanto estrutura pública a serviço da população.
Precisamos ter plena consciência da gravidade do momento histórico e do patamar da luta que estamos enfrentando. Trata-se de um projeto neoliberal que visa sucatear os serviços públicos, desmontar os direitos sociais conquistados com muita luta e entregar nossas riquezas e responsabilidades públicas ao grande capital.
Se esse projeto for vitorioso em Minas Gerais, ele empoderá a ultra-direita pode se tornar um modelo a ser replicado em outros estados da federação, inaugurando uma nova onda de privatizações, cortes e retirada de direitos em todo o país.
Por isso, é extremamente importante o gesto político de diversos sindicatos (inclusive aqueles cujas categorias não pertencem diretamente ao setor da educação) de manifestar apoio e solidariedade ativa às mobilizações em curso. Esse tipo de unidade entre trabalhadores e trabalhadoras de diferentes setores fortalece nossa resistência coletiva e mostra que a luta não é apenas por uma categoria específica, mas pela preservação do serviço público, da democracia e da dignidade do povo mineiro.