Sempre digo que o Brasil não cabe no quintal de ninguém. Cheguei a publicar um livro com esse título. Nem todo mundo concorda, porém.

O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, declarou recentemente, referindo-se à América Central e à América do Sul, que a influência da China cresceu demais nessas regiões e que Donald Trump “está retomando o nosso quintal” (We are taking our back yard back). Um insulto. Hegseth, um ex-apresentador de televisão (!), é dos muitos trogloditas arrogantes e ignorantes que integram o governo Trump, feitos todos eles à imagem e semelhança do chefe.

O chanceler da China, Wang Yi, respondeu bem, dizendo: “O que os povos latino-americanos querem é construir o seu próprio lar, não ser quintal de ninguém. O que buscam é independência, não doutrinas de dominação”.

Até agora, que eu saiba, não houve nenhuma manifestação do Itamaraty

O que o governo Trump está tentando é ressuscitar o imperialismo à moda antiga, na base de sanções, chantagens e ameaças, inclusive de intervenção militar. A hipocrisia foi para o espaço. Há muito tempo não se via algo assim.

Note, leitor ou leitora, que o imperialismo à moda antiga era às vezes mais sutil. Theodore Roosevelt, que foi presidente dos EUA de 1901 a 1909 e executou uma política externa nacionalista e agressiva, tinha como lema: Speak softly and carry a big stick (Fale suavemente e carregue um grande porrete). Já Trump “speaks loudly and carries a doubtful stick” (“Fala alto e carrega um porrete duvidoso”).

Os Estados Unidos não têm mais o poder de antes. As ameaças e medidas unilaterais, distribuídas sem critério e sem estratégia aparente, são sinais de fraqueza. Mais que isso: o governo Trump como um todo é sintoma agudo da decadência dos Estados Unidos. O que tem feito até agora, em vez de Make America Great Again (MAGA), vai provavelmente acelerar o declínio do país, como tentei explicar no meu artigo anterior nesta coluna. (“Faça a América (mais) fraca”, CartaCapital, 26/3/2025).

O governo Trump me fez lembrar de uma previsão, de autoria incerta: “Os Estados Unidos serão o primeiro país a passar da barbárie à decadência, sem conhecer a civilização”. Trump é a face mais explícita de um país violento, predominantemente tosco e muito problemático para si e para o mundo. A única vantagem para nós do seu novo presidente é que ele torna totalmente claro e mais vulnerável um projeto de dominação que já foi conduzido de maneira mais sutil e inteligente em outras épocas. O soft power dos Estados Unidos está sendo destruído como nunca. Nada que caiba lamentar. O enfraquecimento dos EUA é bem-vindo.

E como fica o Brasil, este país que pelas suas dimensões populacionais, territoriais e econômicas, não cabe no quintal de ninguém? Como se comportará?

Aqui temos um problema. Os brasileiros nem sempre estão à altura do Brasil. Grande parte da elite brasileira, inclusive diversos integrantes do governo Lula, cabem no quintal de qualquer um. Um exemplo: Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Há poucos dias, na mesma ocasião em que propôs congelar o salário mínimo por seis anos em termos reais, disse estar um pouco preo­cupado com novo governo dos EUA, ­país que sempre foi uma espécie de “estrela guia” para o resto do planeta…

Como dizia Brizola, “a elite brasileira é um lixo, o povo é que é bom”.

Diante do desafio que Trump representa, o governo brasileiro resolveu manter um perfil baixo, tentando se fingir de morto. Compreensível. Os EUA ainda são poderosos, o novo presidente norte-americano é imprevisível e, mais grave, dá sinais de desequilíbrio mental. E as tarifas de importação impostas a nós foram importantes, mas são pequenas quando aplicadas a muitos outros países. O Brasil não está entre os alvos principais de Trump. Por enquanto.

Sendo um dos gigantes do mundo, o Brasil dificilmente consegue passar despercebido. E a timidez excessiva pode ser vista como fraqueza e suscitar novas e maiores agressões e medidas unilaterais.

Cuidado! Temos as eleições de 2026 e parece provável que Trump resolva interferir para trazer de volta ao poder os “patriotas” alinhados a ele. •

Publicado na edição n° 1358 de CartaCapital, em 23 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘“Vamos retomar nosso quintal”’

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Last Update: 16/04/2025