Vamos às conclusões

por Antonio Machado

Tarifaço muda tudo, China e EUA buscam entender-se e resta ao Brasil escorar-se no mercado interno

Vamos às conclusões, sem firulas: é grave a situação provocada no mundo pelos tarifaços em serie de Donald Trump, rompendo a ordem econômica global imposta pelos próprios EUA após a 2ª Guerra, mas, ao contrário do que sugerem as manifestações do governo brasileiro e analistas locais, é bem menos grave para o Brasil. Na verdade, é a chance para revermos o modelo econômico moldado sob a influência de um mundo que está soçobrando por decisão de seu grande mentor.

Não há espaço para ilusões: o multilateralismo, representado pela Organização Mundial do Comércio, OMC, foi sentenciado à morte pelo governo Trump, sendo este o significado das tarifas. É o que disse em artigo o chefe da USTR, agência de representação comercial dos EUA, Jamieson Greer: “Ao usar uma combinação de tarifas e acordos de acesso a mercados e investimentos estrangeiros, os EUA lançaram as bases de uma nova ordem comercial global”. Ela vai impor-se?

Essa é a nova guerra fria em processo. A sentença de morte da OMC poderá ser revogada, como defende o presidente Lula, e espera ser acompanhado pela União Europeia, além dos líderes do BRICS Índia e China? Greer diz que Europa, Reino Unido, Japão, Indonésia, Coreia do Sul, Vietnã, Paquistão, entre outros, concordaram com os termos dos EUA, com tarifas de 15% a 20% versus 50% sobre nós.

E agora?

Está tudo decidido e nada resolvido, já que o fator determinante da ascensão da nova ordem ou a permanência do status quo caberá à China, considerada em Washington como ameaça existencial ao poder unilateral dos EUA, e esse é um consenso bipartidário. Ao mesmo tempo, está tão entrelaçada às finanças americanas e a seu mercado de consumo que a tais galos de briga não interessam nem o caos nem o rompimento absoluto. Ambos precisam de álibis para um pacto.

A rigor, considerando os interesses do Brasil, nem um nem outro são soluções mas partes do problema que o mundo não soube resolver na diplomacia, dada a tibieza de Joe Biden, e Trump quer impor na base da força. Quem faz conta sabe que os déficits monumentais do comercio dos EUA, e não só com a China, são insustentáveis. É esse desequilíbrio o que ameaça à dominância do dólar, não os arroubos dos que clamam por uma moeda do BRICs ou algo equivalente.

Transformação é inexorável

Por nos faltar capital geopolítico, militar, econômico, a solução ao Brasil está no mercado interno, ainda subdesenvolvido, nutrido mais por transferências de renda, subsídios e crédito que por um programa vigoroso de desenvolvimento econômico, e dar um tempo aos senhores da guerra do mundo para se acertarem.

Se EUA se exibem como um país emergente carente de capitais, que é o significado de Trump anunciar, orgulhoso, que o acordo com a União Europeia prevê investimentos de US$ 600 bilhões como se dinheiros fossem insumos escassos à economia americana, à China o que excede são fundos ociosos, capacidade de produção e um mercado doméstico extremamente pequeno comparado à OCDE e aos emergentes.

Ambos os modelos estão exauridos, o dos EUA, como sugador mor dos excessos de produção do mundo, e o da China, como fábrica global.

Não fosse Trump um narcisista juramentado, que se vê como atração de um reality show em que todos os competidores são desafiados mas sabem previamente que apenas ele, o showman, será o vitorioso, e a posição reformista da ordem econômica global talvez parasse de pé.

No fim, o provável é que ambos saiam vencedores, à custa de quem é a questão a ser considerada pelos governantes, pela política e especialmente pelo empresariado e interessados em fazer riqueza no Brasil. Não importa a cor do gato, como disse em 1978 o construtor da China moderna Den Xiaoping, desde que cace o rato. Aplicada aos dias atuais, a conclusão é que aqueles que se adaptam rápido e bem à transformação inexorável ganharão à custa dos mais lerdos.

Política, não politicagem

Da China, ao contrário do que dizem seus apologistas brasileiros, sabe-se, assim como também sabe a cúpula do regime chinês, que vai se esgotando o tempo de gerar produção o dobro ou triplo do que o mundo é capaz de absorver. Os produtores de aço brasileiro sabem o que isso significa, mas o governo reluta em contrariar o comprador praticamente único das commodities agrícolas e minerais do país.

Precisamos de respostas para duas grandes mudanças: o paradigma geopolítico e macroeconômico, em que a globalização produtiva, o livre comércio e a liberalização dos fluxos de capital se tornaram obsoletos; e, simultaneamente, a ruptura tecnológica com aplicação crescente da inteligência artificial em todas as esferas da vida econômica, social e cultural. São movimentos decisivos, sem volta.

Ao Brasil, neste quadro, cabe encaixar-se entre os vãos deixados abertos pela China e EUA, além de insistir que questões políticas domésticas estão apartadas das questões econômicas. Uma forma para isso seria o presidente, candidato à reeleição, deixar de fazer de Bolsonaro, que Trump formalmente considera injustiçado pelo STF e, em especial o ministro Alexandre de Moares, um rival plausível em 2026. Até porque não será. Bolsonaro é um cadáver político.

Esta configuração exige que o centro e a direita se apresentem de modo formal como desafiantes, dando vazão ao antipetismo, em vez de se afligirem com as pesquisas eleitorais e empurrar para 2026 a decisão se vão com Lula, se lhe opõem ou ficam neutros. Isso não é política, é politicagem, um dos males de nosso subdesenvolvimento.

Crises são oportunidades

Em meio à perplexidade geral, temos de pôr a bola no chão para o jogo recomeçar. No Brasil, há semelhança com o pós estouro de Wall Street, em 2008, quando Lula disse que chegaria como marolinha.

Mais relevante é aproveitar o vazio programático da economia para fazer diferente, e de novo vale a experiência de 2008. A tarifa de 50% pegará algo como 40% das exportações aos EUA. O grosso ficou de fora graças aos envolvidos, não ao governo, e a lista poderá crescer se for bem trabalhada, de modo que aos onerados há outras saídas, como diversificar para onde exportam e o mercado interno.

Programas como uma reinvenção vigorosa da construção civil, algum incentivo para a substituição de eletrodomésticos, melhora de toda a produção alimentar levada ao varejo em termos de custos e preços finais, mais crédito privado para infraestrutura – há uma gama de possibilidades. E a maior de todas: reformar o gasto fiscal e o custo do capital ainda que contra a vontade de Lula e lobbies.

Crises são cheias de oportunidades, não são para desperdiçar. Mas a política não pode ser obstáculo. E Trump? Melhor mandatar alguns empresários com densidade global para abrir portas. Ele já mostrou que não tem amigos, tem interesses (né, Narendra Modi?).

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Last Update: 09/08/2025