Valor de supersalários do Judiciário salta 50% e extras custam R$ 10,5 bilhões

Em meio ao atual debate sobre o corte de gastos, ganha ainda mais relevância a questão dos “penduricalhos” que elevam de maneira desproporcional os ganhos de uma ínfima parcela do funcionalismo. No ano passado, a elite da magistratura recebeu R$ 10,5 bilhões acima do teto constitucional, valor 49,34% superior ao de 2023, quando foi de R$ 7 bilhões. Esse salto corresponde a dez vezes a inflação do período, que somou 4,83%, segundo o IPCA. 

Os dados fazem parte de nota técnica lançada nesta semana pelo Movimento Pessoas à Frente, que vem se dedicando ao estudo de temas ligados ao serviço público, entre os quais o combate a esse tipo de privilégio. 

A própria nota ressalta que os supersalários são pagos a uma fatia que não representa, nem de longe, o serviço público. Em 2023, o grupo beneficiado pelos supersalários correspondia a 0,06% dos servidores. “Esse porcentual está concentrado em poucas carreiras, notadamente as que compõem o sistema de justiça”, diz a nota. 

Segundo estudo anterior feito pelo mesmo movimento, 93% dos magistrados e 91,5% dos promotores e procuradores do Ministério Público receberam acima do teto constitucional, de R$ 46.366,19 em 2023. “Juntos, levaram a um impacto de R$ 11,1 bilhões sobre o orçamento brasileiro em 2023; 70% dos servidores públicos ganham até R$ 5 mil por mês. Nove em cada dez membros da magistratura receberam acima do teto em 2023. O ganho médio mensal líquido de juízes neste mesmo ano foi de aproximadamente R$ 60 mil”, aponta.

De acordo com o levantamento, somente entre 2023 e 2024, o salto foi de 21,95% no rendimento líquido dos magistrados, que passou de R$ 45.050,50 para R$ 54.941,80. O crescimento se manteve contínuo nos primeiros meses de 2025 e chegou ao valor máximo em fevereiro de 2025, quando alcançou R$ 66.431,76. 

Leia também: Combate aos supersalários volta à tona em meio à busca por contenção de gastos

“Os aumentos foram potencializados e cresceram em uma velocidade acima da média por conta de auxílios e benefícios, entre eles os chamados ‘penduricalhos’, que são os pagamentos feitos aos profissionais do setor público por meio de verbas indenizatórias classificadas de forma indevida. Desta forma, é possível ultrapassar o teto constitucional, que atualmente é de R$ 46.366,19, e deixar de pagar obrigações como o Imposto de Renda”, aponta o Movimento Pessoas à Frente. 

Jéssika Moreira, diretora-executiva da entidade, lembra que “desde a Constituição Federal de 1988, o país tenta estabelecer limites máximos para a remuneração no setor público brasileiro. Ao longo desses quase 40 anos, foram realizadas quatro tentativas por meio de leis, porém sem sucesso”. 

Ela salienta que “considerando o aumento que foi identificado entre 2023 e 2024, de 49,3%, em apenas dois anos, esse valor terá dobrado”.

O tema dos supersalários faz parte dos debates em torno da reforma administrativa e também da sustentabilidade das contas públicas. Em junho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad defendeu que a correção dessa distorção seja o ponto de partida para tais mudanças. 

“Nós já mandamos algumas dimensões da reforma administrativa que, na minha opinião, deveriam preceder toda e qualquer votação: a questão dos supersalários e do acordo que foi feito com as forças sobre aposentadoria. Seria um bom exemplo começar essa discussão pelo topo do serviço público”, disse Haddad.

A questão também figura em projeto de lei que tramita desde 2016 no Congresso Nacional, foi aprovado na Câmara em 2021 e encontra-se no Senado. Mas, segundo o Movimento, seu texto tem brechas e acabaria legitimando os penduricalhos. 

Recomendações

Para enfrentar o problema, o levantamento recomenda medidas como a classificação, de maneira adequada, em verbas remuneratórias e indenizatórias, de todos os adicionais eventualmente recebidos.

No caso das verbas indenizatórias, cujo ordenamento jurídico permite que ultrapassem o teto, aponta como essencial que a classificação atenda a três critérios básicos: a) devem ter natureza reparatória, ressarcindo o servidor de despesas incorridas no exercício da função pública; b) devem ter caráter eventual e transitório, não sendo incorporadas em bases mensais, devendo possuir um horizonte temporal limitado e requerendo análise caso a caso; e c) devem ser expressamente criadas em lei, não podendo ser instituídas por ato administrativo. 

Além disso, sugere a aplicação correta das hipóteses de incidência de imposto de renda de pessoa física, reduzindo a elisão fiscal e aumentando a arrecadação federal, bem como o estabelecimento de mecanismos robustos de governança e transparência, ativa e passiva, sobre a remuneração no serviço público.

Também defende a extinção das verbas indevidamente classificadas como indenizatórias e sua automática transformação em remuneratórias e a vedação da vinculação remuneratória automática entre subsídios de agentes públicos, congelando o atual efeito cascata.

Outro ponto é o enquadramento da autorização de pagamento de verbas remuneratórias acima do teto, sem amparo legislativo expresso, como improbidade administrativa. 

O movimento propõe, ainda, a criação de um mecanismo de barreira, com critérios razoáveis e transparentes, para o pagamento de verbas retroativas, incluindo um limite temporal, para não permitir pagamentos retroativos a longos períodos.

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