Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Nos Jogos Olímpicos de Paris – 2024, os trabalhadores/as do MST tiveram a grata surpresa de ver uma filha de assentado e da luta coletiva pela terra chegar a uma final olímpica, competindo no salto em altura.
Valdileia Martins é filha de assentados da Reforma Agrária, que vivem no assentamento Pontal do Tigre, uma das dez comunidades de assentamentos formados em Querência do Norte, região Noroeste do Paraná. A terra repartida foi conquistado pelas famílias assentadas do MST na região na luta pela terra desde a década de 1980.
Foi nesse território democratizado a partir da luta pela Reforma Agrária, local de vida em comunidade e produção de alimentos saudáveis, que Valdileia começou a saltar e fez seus primeiros treinos no Colégio Centrão, construído dentro do assentamento a partir da luta dos assentados pelo acesso à educação pública de qualidade. Hoje o colégio oferece desde o ensino infantil ao ensino médio, atendendo crianças e jovens de assentamentos e comunidades vizinhas, entre outros assentamentos e comunidades rurais.
Apesar de lesionada, Valdileia Martins lutou até o último instante para participar da prova final, mostrando a garra e resiliência de uma lutadora. A determinação e exemplo da atleta, filha da luta pela terra no Paraná, se transforma em semente e esperança pelas escolas do campo e áreas de Reforma Agrária no país.
O esporte historicamente tem sido um elemento importante na luta do MST e criação dos acampamentos, sendo parte da vida das famílias Sem Terra, como espaço de lazer, integração e confraternização. São vários os esportes presentes nos territórios da Reforma Agrária pelo país, como atletismo, capoeira, boxe, futsal, voleibol, ciclismo, karatê, judô, entre outros. Porém, o esporte de maior destaque segue sendo o futebol de campo masculino e feminino.
“O futebol desde o começo, dentro do acampamento, já vem presente o campinho de futebol, que é um espaço de integração e organização das crianças. No Ceará, nós temos tentado organizar as diversas iniciativas de esporte, mas a coisa mais forte, de fato, é o futebol. Nós já organizamos há algum tempo campeonatos regionais e torneios nos assentamentos, com as nossas escolas do campo, a juventude participando dos intervalos e dos clássicos vinculados às escolas do Estado e dos municípios”, enfatiza, Gene Santos, da direção estadual do MST no Ceará.
Copa da Reforma Agrária
Diretamente do nordeste, o dirigente relata que também faz algum tempo que o MST no Ceará organiza a Copa Estadual da Reforma Agrária, que este ano esteve em sua terceira edição e tem sido um espaço importante na organização e integração da juventude Sem Terra no estado do Ceará.
“Esse ano nós realizamos a terceira edição com 150 equipes, dentre elas: 33 equipes femininas, envolvendo mais de 40 municípios do estado e envolvendo diretamente mais de 3.500 atletas. Só de técnico foram 250. Portanto, é uma atividade grande, que tem a duração em torno de quatro meses de competição. Os preparativos começam já no ano anterior. São praticamente oito meses de preparação para a atividade que as nossas famílias e a juventude começam a se organizar, preparar suas equipes, para participar do momento da Copa Estadual, que é feito por etapas”, detalha Gene.
Ele destaca que o esporte e a realização da Copa da Reforma Agrária, com futebol feminino e masculino, tem sido fundamental na organização da juventude e dos assentamentos do MST no estado, representando um espaço de organização popular. Em que as equipes de futebol feminino tem tido importante destaque e protagonismo.
“É um momento também que ajuda a organizar a juventude para lutar pelos seus direitos, para que ela seja protagonista no processo de organização das nossas comunidades. O destaque das três edições da nossa Copa tem sido o futebol feminino, pela dedicação, disciplina, seriedade e protagonismo que tem assumido nesta competição. Então, o futebol cumpre um papel importante como motivador de mobilização da nossa juventude, é um momento em que mobilizamos mais de 3 mil jovens”, comemora.
E acrescenta que o evento também tem papel importante na relação do MST com a sociedade. “Todos os jogos, a partir da fase municipal, ocorreram em estádio municipal, ajudando a estreitar a relação com o público urbano e despertando, inclusive para várias equipes das regiões. A nossa Copa é um momento de fato de integração, festa, mas também de afirmação da nossa caminhada, da luta pela Reforma Agrária e projeto de Reforma Agrária que defendemos”, pontua Gene.
A Copa Estadual de futebol da Reforma Agrária também é realizada pelas trabalhadoras e trabalhadores assentados e acampados nas áreas de Reforma Agrária no Rio Grande Sul e Bahia, além de diversos campeonatos nos territórios do MST e espaços urbanos pelo país.
Campeonatos de futebol do MST
Já na região Sul do país as experiências na área do esporte também são mais fortes nas modalidades do futebol de campo feminino e masculino. No assentamento Eli Vive, em Lerroville, município de Londrina, Paraná, Elaine, assentada no local, integra o coletivo de futebol feminino do assentamento e explica que o coletivo surgiu em 2012, ainda no acampamento e tem sido um espaço essencial de integração e acolhimento entre as camponesas.
“No acampamento o futebol era o nosso lazer, quando fomos pros lotes demos uma parada. Mas, em 2021, a gente voltou a resgatar esse espírito de lazer e tudo mais. O futebol feminino é muito importante, porque teve casos de mulheres, principalmente donas de casa, passando por um momento crítico na vida pessoal, de depressão, e vindo participar no futebol feminino, e que melhorou sua qualidade de vida. Eu falo que é uma cura, para mim é uma terapia, me relaxa, renova.”
Ela relata que o assentamento conta com um time feminino, formado por um coletivo de mais de 30 mulheres, de várias idades, desde meninas de dez ano a mulheres de 50 anos. A equipe participa de jogos no assentamento e de torneios e campeonatos na região, com times de Londrina, Canarana, Faxinal. A assentada também enfatiza que a integração com times de outras localidades vem mudando a visão das pessoas, que participam desses jogos sobre o que é o MST e os assentamentos da Reforma Agrária.
“Quando a gente sai e participa desses torneios e campeonatos, conquista amizades e mostra a visão do MST, do esporte, é diferente do que a mídia mostra. Hoje o futebol feminino vem conquistando a sociedade, porque ainda a gente encontra muito preconceito. ‘Que lugar de mulher é na beira do fogão, cozinhando’, esses tipos de coisas que a sociedade machista fala. Então, a gente já vive num mundo machista e se cruzar os braços e não lutar contra isso, aí que as coisas pioram”, chama atenção Elaine.
E a iniciativa das camponesas na luta pelos direitos das mulheres ao lazer, contra a discriminação de gênero e as violências não para por ai, em 2022, as mulheres do assentamento organizaram um torneio de futebol feminino para arrecadar renda para as atividades do 8 de março do MST. “A gente foi batalhando e conseguimos fazer o torneio e em prol do 8 de março. A gente é muito unida e o esporte temo no ajudado nisso”, conclui a assentada.
O assentado Sebastião dos Santos, mais conhecido como Tanaca, que também vive no assentamento Eli Vive é responsável pelo time de futebol masculino da Reforma Agrária na região. Ele conta que o esporte tem sido importante para a visibilidade do assentamento e o reconhecimento do MST na região.
“O trabalho desenvolvido no assentamento Eli Vive no esporte vem desde a época que as famílias eram acampadas em 2010. A gente organizava campeonatos internos, tínhamos 11 brigadas, e todas eram representadas pelos seus times, com dois times, um o titular e outro aspirante. A partir disso a gente conseguia quebrar barreiras e representar o assentamento e nosso Movimento na cidade de Londrina. Então, esse trabalho hoje continua para manter o esporte nas nossas áreas da Reforma Agrária”, relata.
Tanaca também enfatiza a importância do esporte para o envolvimento da juventude nos territórios da Reforma Agrária e o direito ao lazer no campo.
Dar continuidade a esse trabalho também fortalece para que a juventude permaneça no campo, quebrando as barreiras dos preconceitos que ainda existem contra o MST. O esporte ajuda porque vindo o adolescente, o jovem, a família vem participar da comunidade e ver o seu filho jogar, representar o assentamento. Traz essas famílias para o lazer. Porque todos nós temos direito ao lazer. Após isso, fica a confraternização da comunidade. Isso fortalece mais a Reforma Agrária para seguirmos firme na luta.”
O assentado expõe que atualmente o assentamento Eli Vive conta com oito times de futebol masculino. Mas, na região norte do estado, o MST reúne 12 times de assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária. E os jogos dessas equipes ocorrem, geralmente a partir da organização de torneios nas comunidades rurais da região, com a participação de público do campo e das cidades do entorno. “Tem essa ligação com o povo do urbano, que também vem prestigiar os torneios realizados nas áreas do MST. Em que se juntam, o povo Sem Terra, com o povo urbano para um dia de festa, de jogos e de alegria”, comemora.
Gene também aponta que o MST precisa avançar em algumas desafios em relação ao esporte nas áreas de Reforma Agrária, como um fator de organização popular e envolvimento da juventude na luta por direitos. “Nós temos vários desafios ainda em relação ao esporte. Primeiro que o MST precisa avançar no debate sobre o esporte, como um fator de organização popular e social. Fator que ajude a mobilizar nossa juventude para lutar pelos seus direitos.”
Ele também chama atenção para a urgência em avançar no processo de organização e profissionalização do esporte nas áreas de assentamento e acampamentos do MST, e na relação entre esporte, educação e saúde nas escolas do campo.
“Por meio do esporte, nós podemos trabalhar um processo de inclusão social e podemos trabalhar o processo de organização do nosso povo. É um grande desafio, a gente poderia, dentro das matrizes curricular das nossas escolas avançar no currículo de ter ali algo voltado diretamente ao esporte, não só o futebol, mas o vôlei, as artes marciais e outras ações esportivas que também ajudam a organizar nossa juventude, e formar nossa juventude, inclusive no aspecto da formação da consciência e no fortalecimento do esporte na luta pela Reforma Agrária”, conclui Gene.
*Editado por Fernanda Alcântara