Foi “finalmente” decretada a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, tão aguardada nas hostes ditas progressistas, que vêm na torcida por sua condenação desde a acusação de “tentativa de golpe de Estado” feita contra ele. O que motivou a nova decisão do juiz Alexandre de Moraes, herói da esquerda coxinha, foi uma saudação de Bolsonaro, via chamada de vídeo feita por seu filho Flávio, no último domingo durante as manifestações de apoio a ele. Segundo o juiz, teria havido desrespeito à sua determinação de bloqueio de uso das redes sociais.
A bem da verdade, seria mais fácil entender o que está, de fato, vetado ao ex-presidente se houvesse uma lei escrita, votada pelos parlamentares, que definisse o crime de ter imagem veiculada nas redes sociais ou o crime de saudar manifestantes ou o crime de ter milhares de apoiadores nas ruas e estipulasse a referida punição. Como nada disso existe, ficam todos sujeitos às determinações redigidas por Moraes, que, como se comprovou, não tem boas relações com o vernáculo, fato que agrava o problema de compreender o que se passa em sua brilhante cabeça.
A torcida, que temos a oportunidade de acompanhar no Brasil 247, o maior canal progressista do Brasil, age como um bando de linchadores. Sob aplausos da turma do chat, um comentarista vocifera: “Tem de calar todo o mundo!!”, referindo-se, por óbvio, aos bolsonaristas. Assim, consegue realizar a proeza de defender que se cale o povo para que se preserve a democracia.
Cada um tem seu motivo para querer ver Bolsonaro preso definitivamente, por 40 anos ou mais, sendo que ele já tem 70 de idade. Elencam, em geral, seus ditos grosseiros, que, no entanto, por mais desagradáveis que sejam, não configuram crimes. No caso da deputada Maria do Rosário, ele chegou a ser processado por injúria e apologia do estupro, por ter dito que ela não seria estuprada por ser feia, mas a ação acabou arquivada por prescrição de prazo.
Crime de injúria é algo realmente interessante. Se fosse realmente levado a ferro e fogo, o próprio Bolsonaro poderia processar a Folha de São Paulo e vários de seus articulistas, em particular uma colunista, autora de um texto composto unicamente de adjetivos que “ferem a honra” dele. Aqui vai um pequeno trecho do texto:
“Ignóbil. Basculho. Baixo. Repugnante. Canalha. Deplorável. Mesquinho. Patife. Ordinário. Reles. Pulha. Sórdido. Torpe. Velhaco. Abominável. Detestável. Ralé. Biltre. Infame. Bandalho. Aberração. Calhorda”.
Aparentemente, ela reeditou uma coluna antiga, à qual acrescentou, no final, os termos “monitorado” e “preso”, como se fossem uma espécie de desfecho lógico da caracterização. O problema é que essa seria a lógica dos linchamentos, não a da Justiça, cuja representação, não por acaso, é uma mulher de olhos vendados. A justiça de justiceiros, porém, essa não é cega e talvez “não seja tola”, como gosta de dizer o juiz-xerife.
O texto da colunista, no entanto, não ganhou o destaque na página inicial do site da Folha, como de praxe. É que, enquanto a autora reeditava sua pesquisa “dicionaresca”, os editorialistas do jornal já ensaiavam um puxão de orelha no Xandão, apontando exagero na decisão dele de prender Bolsonaro. É possível que a burguesia esteja temendo mais represálias de Donald Trump – vamos lembrar que o dono do jornal é um banqueiro e que, por óbvio, seu dinheiro vale mais que o surto de “soberania” que ganhou a imprensa pós-tarifaço. Tirar Bolsonaro da eleição já está de bom tamanho – e o melhor é deixar que a Justiça pareça ser (mais ou menos) cega.
No dia da prisão domiciliar de Bolsonaro, a Folha apressou-se em publicar uma matéria sobre os presidentes presos no Brasil pós-redemocratização. Lá estavam Collor, Lula, Temer (10 dias preso) e Bolsonaro. Escaparam Itamar, cujo ministro FHC implantou o Plano Real, o próprio FHC e Dilma Rousseff, que não foi presa, mas foi deposta por um golpe “com STF, com tudo”. Na ocasião, o STF justificou o “impeachment” com base em “pedaladas fiscais”, prática comum na administração pública, que passou a ser autorizada assim que Michel Temer deixou de ser um “vice decorativo” para, sentado na cadeira da Presidência, implantar o programa da oposição.
Esse tipo de golpe – que fraudou a eleição, ao levar ao poder o projeto vencido nas urnas – não é crime. Crime seria a “tentativa” frustrada de dar um golpe, segundo os “juristas da esquerda”. Bolsonaro, a propósito, é acusado dos seguintes crimes: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado. Verdade seja dita, no fatídico 8 de janeiro de 2023, ele nem estava no país, donde não poderia ter cometido esses crimes; além disso, houve um quebra-quebra, mas não havia ninguém armado.
Houve, sim, uma manifestação desorganizada, mas, para ser uma tentativa de golpe, no mínimo, seria preciso que Bolsonaro estivesse lá e ocupasse a Presidência à força, com o respaldo das Forças Armadas e, naturalmente, “com STF, com tudo”, que é como se dá golpe no Brasil. As altas penas com que foram punidas pessoas do povo, inclusive a moça que rabiscou de batom a estátua da Justiça e o homem que se sentou na cadeira de Moraes, têm o único objetivo de coibir manifestações políticas pelo medo. Chega a ser triste ouvir os comentaristas da esquerda condenarem a “baderna” e os “baderneiros”, ora chamados de “gado”, como se fossem mais desprovidos de raciocínio do que os que os chamam assim. A esquerda almofadinha adotou o vocabulário e as ideias da direita.
Os bolsonaristas da Avenida Paulista e das outras avenidas Brasil afora são gente que acreditou na farsa da Lava Jato e naquela campanha moralista contra a corrupção. Até hoje chamam Lula de ladrão e de “descondenado”, como se ele fosse um protegido do STF. A burguesia, que não criou a Lava Jato porque estivesse preocupada com corrupção ou coisa do gênero, mas apenas para tirar o PT do poder, só se preocupa em manter o status quo, sua posição. Aquela campanha anticorrupção serviu apenas para criar o clima para um golpe “legalizado”. O que a burguesia talvez não esperasse era que, preso o líder popular da esquerda, surgisse um líder popular de direita. E pior: um líder popular capaz de afrontar a imprensa e o Judiciário, dois esteios do Estado burguês.
A Justiça esperta de Alexandre de Moraes concedeu licença aos filhos de Bolsonaro para visitar o pai sem prévia autorização, o que deve ser efeito do pedido da burguesia para pesar menos a mão (vejam-se os últimos editoriais da Folha e do Estadão). Curiosamente, Bolsonaro continua com a tornozeleira mesmo estando preso, o que é uma contradição. Se não pode mais sair de casa, para que manter o dispositivo? Coerência, porém, não é o forte desse processo todo.
Quando Lula foi preso, numa armação muito parecida com essa, o STF trabalhou com a famosa “teoria do domínio do fato”, segundo a qual ele seria responsável por qualquer ato de corrupção no seu governo. Bolsonaro é culpado pelos atos da manifestação, danos a patrimônio tombado etc. Em ambos os casos, os presidentes, cujo maior crime é a popularidade, foram responsabilizados por coisas que não fizeram. Lula passou quase dois anos na prisão; Bolsonaro deve ser condenado logo mais. Alexandre de Moraes, por sua vez, foi ministro da Justiça de Temer, que o indicou para o STF, ocasião em que ele teve de se desvincular de seu partido, o PSDB, para vestir a toga.
Se o plano da burguesia der certo, Bolsonaro estará fora da eleição, e Lula, enfraquecido e atacado diariamente pela imprensa, pode não conseguir enfrentar o adversário que sairá de alguma cartola. Lula pode vencer, mas não se pode garantir que seu destino não seja igual ao de Dilma Rousseff, tudo dentro da “lei” e na santa paz do Estado Democrático de Direito. Enquanto não entender que a luta é entre classes, não entre ideologias, essa nova esquerda vai continuar entrando pelo cano.