Utopias Ecológicas com Sociedades Imaginárias
por Fernando Nogueira da Costa
Quando ecologistas — sobretudo os mais radicalizados — falam em “luta anticapitalista”, eles estão criticando não apenas o sistema econômico de mercado, mas também o modelo de civilização, baseado em crescimento contínuo, consumo em massa e exploração intensiva dos recursos naturais. A sociedade imaginada como substituta varia entre as diferentes correntes ecológicas e políticas, mas é possível agrupar os projetos imaginados por cada qual em três grandes vertentes.
A primeira seria do Ecossocialismo. Propõe substituir o capitalismo de mercado privado por formas de propriedade coletiva dos meios de produção, com forte planejamento ecológico e redistribuição de recursos.
Defende um crescimento econômico “qualitativo”, voltado para atender necessidades humanas básicas em vez de expandir indefinidamente a produção material. Imagina sociedades descentralizadas, com ênfase em autonomia local, tecnologias apropriadas e energias renováveis.
A segunda seria do Decrescimento. Defende a redução controlada e planejada do consumo de energia e materiais, especialmente nas sociedades mais ricas.
Visa uma sociedade pós-consumista, com mais tempo livre, menos trabalho assalariado, mais produção para uso e menos para o mercado. Parte da premissa de uma sociedade “com menos” poderia ser “melhor” em termos de mais bem-estar e qualidade de vida.
Finalmente, há os defensores de Comunidades Resilientes ou Eco-Anarquismo. Imaginam uma sociedade baseada em comunidades locais autogeridas, desconectadas em grande parte dos circuitos globais de comércio e finanças. Propõem a recuperação de práticas tradicionais, agroecologia, permacultura (um sistema de design e práticas para criar sistemas de produção e habitação sustentáveis em harmonia com a natureza) e economia solidária.
Sobre a viabilidade prática dessa transição para formas cooperativas ou comunitárias em pequena escala é possível. Este desenvolvimento local já acontece em certos lugares com cooperativas agrícolas e/ou ecovilas.
Contudo, em escala global, há enormes dificuldades devido à divisão internacional do trabalho altamente complexa com cadeias globais de produção. A interdependência energética com os combustíveis fósseis ainda é fundamental para o transporte internacional.
Além disso, a demografia urbana apresenta a maioria da população mundial nas cidades, inclusive grandes metrópoles, não disposta de migrar para o campo na fase de vida profissional ativa. Soma-se a esses obstáculos a geopolítica conflituosa com Estados nacionais rivais e interesses geoeconômicos divergentes.
Assim, uma regressão para sociedades comunitárias puras seria uma ruptura histórica colossal e altamente improvável sem algum colapso sistêmico prévio — guerras globais, desintegração dos Estados ou crises ecológicas extremas. Seria um mundo distópico.
Distópico refere-se a mundo ou sociedade imaginários, geralmente retratados na ficção, onde as condições de vida são extremamente opressivas, assustadoras ou totalitárias, o oposto da utopia. Filmes de “ficção científica” imaginam essa realidade pessimista, associada a um futuro sombrio e indesejável.
Na prática, mesmo movimentos ecológicos mais radicais reconhecem qualquer transformação realista teria de ser gradual, híbrida (misturando elementos de Estado, mercado e comunidade) e conflituosa. Os materialistas pragmáticos não sofrem de ilusões a respeito da possibilidade de um retorno idílico ao passado.
Abaixo está um quadro comparativo sistemático, solicitado à IA, entre as principais utopias ecológicas. Foca nas dimensões centrais.
Quadro Comparativo das Utopias Ecológicas
Corrente | Objetivo Central | Visão de Sociedade | Instrumentos de Transformação | Dificuldades Práticas |
Ecossocialismo | Superar capitalismo e ecolonialismo | Propriedade coletiva + planejamento ecológico | Mobilização política, revoluções democráticas | Escala global de coordenação e resistência de elites |
Decrescimento Convivial | Reduzir consumo material e energético | Sociedades de baixo consumo e alta qualidade de vida | Reformas culturais, tributárias e institucionais | Aceitação popular e manutenção de tecnologias essenciais |
Ecoanarquismo | Autonomia local e fim da hierarquia estatal | Comunidades autogeridas e descentralizadas | Construção de redes locais e desobediência civil | Fragmentação e vulnerabilidade sem grandes infraestruturas |
Tecnogaianismo | Usar a tecnologia para restaurar o meio ambiente | Sociedade tecnológica ecocentrada (IA, biotecnologia verde) | Investimentos em inovação e gestão científica | Dependência tecnológica e riscos de novos desequilíbrios |
Ecologia Profunda | Redefinir a relação humana com a natureza | Sociedades de baixo impacto, filosóficas e espirituais | Transformação de valores e educação ecológica | Lenta mudança cultural e resistência antropocêntrica |
O Ecossocialismo pensa em integrar luta de classes e luta ambiental, mas reconhece uma transformação pacífica ser muito difícil, dado o poder político dos grandes capitais fósseis e financeiros.
O Decrescimento Convivial acredita ser possível “viver melhor com menos” revalorizando o tempo livre, o lazer, a produção artesanal e a comunidade. Coloca foco em reformas pacíficas e consensuais.
Ao contrário, inclusive com sabotagens, o Ecoanarquismo aposta na autonomia municipal e na dissolução das grandes hierarquias políticas e econômicas. Propõe a construção de confederações de municípios ecológicos.
O Tecnogaianismo é mais recente, acredita na tecnologia (como IA, biotecnologia e geoengenharia) ser usada para corrigir os danos ambientais, mas teme o surgimento de novos “titãs tecnológicos [big techs]” ou efeitos colaterais desastrosos.
Finalmente, a Ecologia Profunda é mais filosófica. Sugere a humanidade abandonar a visão de “senhora da natureza” e se ver como parte dela. Mostra as profundas implicações espirituais e políticas desse sentimento.
Todas essas correntes compartilham a ideia de o capitalismo produtivista globalizado ser insustentável em longo prazo, mas divergem quanto ao caminho e à forma de sociedade futura. Na prática histórica, até agora, surgem misturas híbridas — cidades tentando experiências de “decrescimento”, alguns projetos de ecovilas, mas ainda permanece a dependência maciça de cadeias globais de produção e Estados fortes.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].
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