Plantação de soja no interior do Maranhão, onde agrotóxicos são pulverizados por drone. Foto: Justiça nos Trilhos/Divulgação

Por Daniela Souza e Idayane Ferreira
Da Rede Cidadã InfoAmazonica

O uso de agrotóxicos pelo agronegócio cresceu 191,5% no Maranhão desde 2013. O estado foi o quarto na Amazônia Legal que mais adquiriu pesticidas no período e o segundo maior consumidor no Nordeste em 10 anos. O cenário impacta o modo de vida da população que convive com os efeitos dos produtos químicos despejados nas lavouras, principalmente de soja. 

InfoAmazonia analisou os históricos de compra e venda de agrotóxicos no Maranhão entre 2013 e 2022, disponíveis no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão responsável pela fiscalização da venda desse tipo de produto no país.

A análise mostrou que, em 2022, o estado atingiu o recorde de compra de 15.649,67 toneladas de agrotóxicos, quase duas vezes mais que o volume de 8.169,65 toneladas registrado 10 anos antes, em 2013. Esse aumento coincide com a expansão no plantio de soja que chegou a 1.099.871 hectares em 2022, alta de 94,84%.

O reflexo da intensidade no uso de agrotóxicos no Maranhão tem sido notado pela população. Para se ter ideia, o estado concentrou 85% dos casos de intoxicação por agrotóxicos em comunidades no país no primeiro semestre de 2024, conforme um relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Foram 156 casos dos 182 registrados no período.

Uma das regiões atingida pela pulverização aérea de agrotóxicos é o município de Açailândia, distante 560 km da capital São Luís. Famílias que vivem da agricultura no assentamento Novo Oriente, na região, relatam que é cada vez mais frequente ter drones na pulverização de agrotóxicos nos plantios de soja cultivados por fazendeiros da região.

Açailândia está entre os dez municípios do Maranhão que concentram a produção agrícola do estado, o que inclui a soja. Um levantamento da Secretaria de Agricultura do Maranhão referente a 2021 e 2022 indicava que a soja estava em constante expansão e representava 64,98% de toda produção local.

Dos 217 municípios do estado, 33 têm atividades ligadas ao agronegócio e registros de pulverização aérea de agrotóxicos, de acordo com a Federação dos Trabalhadores da Agricultura (Faetema). A relação inclui ainda 218 territórios de comunidades tradicionais, entre ribeirinhos, indígenas, quilombolas e agricultores familiares, impactados pelo uso dos produtos químicos. O município de Açailândia faz parte da lista.

‘Veneno em tudo’

Moradora de Novo Oriente desde 1998, Adriana Oliveira conta que o avanço da soja foi sinônimo de conviver com o agrotóxico no dia a dia. “Dormimos com veneno, acordamos com veneno, comemos com veneno. O veneno está na nossa água, no ar, em tudo”.

Dormimos com veneno, acordamos com veneno, comemos com veneno. O veneno está na nossa água, no ar, em tudo.”

– Adriana Oliveira, moradora de Novo Oriente, no Maranhão.

Ela relata que a pulverização ocorre, na maioria das vezes, à noite ou pela manhã, e de maneira indiscriminada: “joga veneno sobre as casas, escolas e quintais sem controle algum”.

Segundo Adriana, certa vez uma criança da comunidade teve contato direto com agrotóxico e se feriu. “Uma criança viu um drone pulverizando, achou bonito, mas acabou ficando ‘queimada’ pelo veneno”. 

Moradores de Açailândia, distante 560 km da capital São Luís, onde região vive os impactos do uso de agrotóxicos. Foto: Justiça nos Trilhos/Divulgação

Outra moradora da região, Alzeneide Rocha Moraes Braz, que vive no assentamento Francisco Romão, descreve que lá o cenário é semelhante ao que acontece em Novo Oriente. As duas regiões ficam distantes 7 km uma da outra.

Para tentar frear o problema, Alzeneide lidera a Associação Semente da Terra, e tem mobilizado comunidades e organizações para denunciar a exposição excessiva aos produtos químicos e lutar pela proteção das comunidades. Um dos desafios é conseguir comprovar questões como, por exemplo, a de que até a água que a população consome tem sido contaminada. “A chuva leva o veneno para os poços artesianos, dos quais dependemos”, disse Adriana sobre a realidade em Novo Oriente. 

Um outro reflexo do avanço da soja foi na paisagem local. Com a chegada de produtores, a região de Açailândia se tornou o que moradores chamam de “ilhas verdes”. Antes do avanço da soja e da concentração de agrotóxicos, as famílias viviam de pequenas plantações de arroz, feijão, frutas, hortaliças e da criação de animais como galinhas e gado. 

“Nossa região era leiteira, com muita criação de gado pelos pequenos produtores. Produzimos leite, queijo e uma grande variedade de plantações. Arroz, feijão, milho, abóbora, fava, mandioca e macaxeira eram abundantes. Havia muitas casas de farinha, fazíamos não só a farinha, mas também a goma e outros produtos”, relembra Adriana.

O educador popular e membro da organização Justiça nos Trilhos, Alaíde de Abreu Silva, lamenta a transformação da paisagem em Açailândia. Ele avalia que a combinação de monocultura, do uso intensivo de agrotóxicos e da pressão sobre pequenos produtores também impacta na identidade cultural e econômica das comunidades. A Justiça nos Trilhos é uma organização que atua no combate às violações de direitos humanos e no fortalecimento de comunidades localizadas em municípios cortados pela Estrada de Ferro Carajás. Operada pela Vale S.A, essa ferrovia atravessa 23 municípios no Maranhão.

“Hoje, essas comunidades são ilhas verdes cercadas por um deserto de monoculturas. O veneno está em todo lugar, e a produção local praticamente acabou”, resume Silva. 

Hoje, essas comunidades são ilhas verdes cercadas por um deserto de monoculturas. O veneno está em todo lugar, e a produção local praticamente acabou.”

– Alaíde de Abreu Silva, educador popular e membro da organização Justiça nos Trilhos.

Projeto de lei tenta barrar uso de agrotóxicos

Para tentar barrar o uso de agrotóxicos despejado por drones ou outras maneiras aéreas, um projeto de lei foi apresentado à Câmara Municipal de Açailândia em 2023. No entanto, a proposta enfrentou resistência entre vereadores e não avançou. 

O projeto foi uma iniciativa de movimentos sociais como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, da organização Justiça nos Trilhos, da Casa Familiar Rural e do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos. Uma audiência pública chegou a ser realizada, mas nenhum parlamentar apareceu para discutir o assunto com a população.

“Eles não compareceram à sessão, na audiência pública, nem o presidente da Câmara compareceu. O único presente foi o vereador Denis Pereira (PT). Conversamos e ficamos muito frustrados porque esperávamos que, dos 17 vereadores, pelo menos cinco estivessem lá com a gente. Mesmo assim, não desistimos de fazer a discussão da lei, estamos buscando apoio de outros lugares”, disse Adriana. 

Moradores fazem mobilização na região de Açailândia para tentar barrar uso de agrotóxicos pulverizados. Foto: Justiça nos Trilhos/Divulgação

Ao contrário de Açailândia, no município vizinho de São Francisco do Brejão, uma lei proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos desde 2022. A medida prevê multa de 30 salários mínimos para quem descumprir. O vereador que propôs a lei em Brejão foi até Açailândia, mas ainda assim o projeto não avançou.

A ideia é que neste ano, com a nova composição da Câmara de Vereadores em Açailândia, o tema volte a ser discutido e avance até se tornar lei.

“O nosso entendimento seria que os vereadores nos chamassem para um debate, assim como nós os chamamos. Queremos que compreendam os malefícios da distribuição aérea para a vida, para a produção dos pequenos agricultores e para o meio ambiente. É algo que afeta diretamente os trabalhadores rurais”, defende Adriana.

Como analisamos os dados de agrotóxicos no Maranhão?

Nesta reportagem, para compreender a comercialização de agrotóxicos no Maranhão, utilizamos o relatório de comercialização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) de 2000 a 2022, que detalha as vendas de agrotóxicos por Unidade da Federação.

Os dados sobre a produção de soja foram extraídos da série histórica da Pesquisa de Produção Agrícola Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), abrangendo o período de 1974 a 2023. Os dados possibilitam uma análise detalhada do crescimento da produção e produtividade da soja no estado do Maranhão.

Para reforçar nosso compromisso com a transparência e garantir a replicabilidade das análises, a InfoAmazonia disponibiliza os dados nesta pasta.

*Esta reportagem é uma parceria com o Portal Assobiar e faz parte da Rede Cidadã InfoAmazonia, iniciativa para criar e distribuir conteúdos socioambientais da Amazônia. Foi produzida na Unidade de Geojornalismo InfoAmazonia, com apoio do Instituto Serrapilheira.

Análise de dados: Lucas Maia
Visualização de dados: Carolina Passos
Edição: Valéria Oliveira
Coordenação de dados: Thays Lavor
Direção editorial: Juliana Mori

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Governo Lula,

Last Update: 06/02/2025