No domingo 28, o ex-presidente Hugo Chávez completaria 70 anos. Não faltam na Venezuela alusões à data. A principal foi definida pelo Conselho Nacional Eleitoral quase como provocação: é o dia escolhido para as mais importantes eleições presidenciais desde a chegada de Nicolás Maduro ao Palácio de Miraflores, em abril de 2013. A oposição tem chances reais de vencer e pôr fim a duas décadas e meia de regime chavista.

O clima de confronto é aguçado por intensa guerra de pesquisas. No sábado 20 saíram duas, com números opostos. De um lado, o instituto Insight atesta que Maduro emergirá das urnas com 51,4% dos votos e seu principal oponente, Edmundo González, alcançará 26,7%. Tais porcentagens, com ligeiras variações, marcam as sondagens divulgadas por Hinterlaces, Polymarket, IMC Orientación e DataViva. Na trincheira oposta, O ClearPath Strategies, atuante em 60 países, crava 59% para González contra 33% para o atual presidente. Cifras próximas a essas foram divulgados recentemente por Datanálisis, Datincorp, Delphos, Consultores 21 e Poder e Estrategia. Para completar o quadro, a Ceca Consultores aponta empate técnico entre os principais concorrentes, com ligeira vantagem para a oposição. Há mais oito postulantes sem chances de vitória numa decisão de turno único. O país não está apenas diante de animadas bolsas de apostas. A disparidade nos levantamentos pode reforçar possíveis alegações de fraude por parte dos dois lados, caso os resultados sejam apertados.

A Venezuela não se recuperou de mais de uma década de sucateamento da indústria petrolífera. A extração de óleo oscila, desde abril, entre 800 mil e 850 mil barris diários, cerca de 25% da média de 3,1 milhões produzidos na primeira década do século. Queda vertiginosa nos preços internacionais entre 2013 e 2015, incompetência gerencial, falta de manutenção e oito anos de embargo econômico atingiram a PDVSA e resultaram em desastre próprio de tempos de guerra. Entre 2014 e 2021, o país enfrentou um abismo econômico traduzido numa queda de cerca de 75% do PIB, de acordo com a plataforma Statista. Apenas em 2020, primeiro ano da pandemia, o mergulho foi de 30%. Há uma lenta recuperação, graças à volta ao mercado internacional de hidrocarbonetos, num ritmo ainda insuficiente para uma plena recuperação. Mesmo assim, é perceptível nas camadas populares a sensação de leve melhora na qualidade de vida e nos serviços públicos, ao menos na capital.

Mais de 21 milhões de venezuelanos estão aptos a votar, segundo dados consolidados pelo CNE. Até o início do mês, os candidatos se engalfinharam em acusações mútuas na mídia e nas redes sociais. Não há igualdade de condições na disputa. Além da data escolhida para a votação, o governo usa a máquina pública e as emissoras oficiais em seu favor. A oposição denunciou a retirada do ar dos sites do TalCual, El Nacional, Infobae e outros, mas todos seguiam acessíveis em Caracas no início desta semana. Há denúncias de perseguições e prisões de ativistas contrários ao governo e constrangimentos promovidos pelas forças de segurança.

Governo e oposição têm arrastado multidões às ruas, numa curtíssima campanha oficial de 21 dias. Além de um possível equilíbrio de forças interno, há um ambiente internacional francamente favorável à direita. O principal opositor de Maduro é o diplomata e ex-embaixador na Argentina, Edmundo González Urrutia, de 74 anos. Trata-se da terceira opção da frente Plataforma Unitária Democrática, coalizão de 11 partidos, entre eles os históricos Ação Democrática e Copei. As duas primeiras foram a ex-deputada Maria Corina Machado, vencedora das primárias oposicionistas e engenheira de 56 anos, filha de um dos maiores empresários do país, e Corina Yoris, professora universitária e filósofa de 80 anos. A ex-parlamentar teve sua postulação impugnada pela Controladoria-Geral da República e a acadêmica não conseguiu se registrar por problemas partidários.

A oposição tem chances reais de vencer

Embora inelegível, Maria Corina é a principal dirigente e figura pública da coalizão. Em passeatas, carreatas, comícios e nas redes sociais está sempre ao lado de González, figura pouco conhecida no plano nacional e de limitado traquejo diante dos microfones. Com trajetória militante de mais de duas décadas, ela apoiou o golpe que retirou Hugo Chávez da Presidência por três dias, em 2002, e colaborou ativamente com o governo George W. Bush para derrotar o ex-presidente em disputas nacionais, antes de exercer um mandato na Assembleia Nacional. É uma das signatárias da Carta de Madri, lançada em outubro de 2020 por várias personalidades e agremiações da extrema-direita global. Um dos objetivos do documento era alertar o mundo para “o avanço do comunismo (que) representa uma séria ameaça à prosperidade e ao desenvolvimento das nossas nações, bem como às liberdades e direitos dos nossos compatriotas”. Além da dirigente venezuelana, perfilaram-se entre os signatários Javier Milei (Argentina), Giorgia Meloni (Itália), Bia Kicis, Eduardo Bolsonaro (Brasil), José Antonio Kast (Chile) e Guillermo Lasso (Equador). Uma vitória oposicionista terá imensa repercussão internacional, potencializada caso Donald Trump chegue à Casa Branca. González tem feito questão de frisar que a primeira iniciativa de seu governo será a “reaproximação com os Estados Unidos”.

Na quarta-feira 17, o cenário eleitoral agitou-se por conta das palavras de Maduro em comício num bairro popular de Caracas: “Em 28 de julho vai se decidir se a Venezuela vai viver em paz ou se teremos um cenário de desestabilização e uma guerra civil. Se a direita fascista enganar a população, pode haver um banho de sangue. (…). Se quisermos evitar (isso), então devemos garantir a maior vitória eleitoral de sempre”. A mídia corporativa ao redor do mundo logo repercutiu a intervenção como ameaça aberta.

Dias depois, em entrevista no Palácio do Planalto, o presidente Lula afirmou: “Fiquei assustado com a declaração do Maduro dizendo que, se ele perder as eleições, vai ter um banho de sangue. (…) O Maduro tem que aprender: quando você ganha, fica, quando você perde, vai embora”. As palavras do líder brasileiro fizeram a festa da extrema-direita venezuelana. A assessoria presidencial, tudo indica, tropeçou na interpretação de texto. Maduro expressou exatamente o contrário: em vários casos de chegada da extrema-direita ao poder na América Latina, desatam-se ondas de violência contra os derrotados.

Além das crises, do isolamento internacional e da própria língua solta, Maduro enfrenta outro problema. O chavismo está há 25 anos no poder, carregado de ônus e bônus. É muito difícil o desgaste do tempo não influir num eleitorado que nesses anos enfrentou situações extremamente difíceis, próprias de um país da periferia em tempos turbulentos. •

Publicado na edição n° 1321 de CartaCapital, em 31 de julho de 2024.

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Última Atualização: 25/07/2024