João Silva, de Maringá (PR)

Agentes da Polícia Federal estiveram na manhã de ontem (4/7), na Ocupação Paulo Freire, em Paiçandu (PR), para comunicar a execução de um mandato de reintegração de posse em um terreno da União a pedido da Rumo Logística – Malha Sul. O prazo inicial para a saída dos moradores seria apenas de duas horas. Porém, após negociação, ficou estabelecido um novo prazo de dez dias.

Localizada onde funcionava a antiga estação ferroviária do município e com início no dia 10 de fevereiro deste ano, a Ocupação Paulo Freire é dirigida pela Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) e abriga aproximadamente 100 famílias, dentre mulheres, crianças, idosos e LGBTIs, que vieram ao local buscando um lugar para morar diante aos altos valores dos aluguéis e do custo de vida na região.

A área em disputa pertence à União, sob controle do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), órgão ligado ao Ministério dos Transportes. Contudo, a gestão do espaço é concedida, desde 1997, para Rumo Malha Sul S.A. através de processo de parceria público-privada (PPP).

A empresa já havia ganho na Justiça a reintegração de posse da área, alegando a falta de segurança para os moradores devido à proximidade com a linha férrea. Só não havia colocado nos autos que há mais de 20 anos não passam trens no local. Fato que fez derrubar liminarmente a decisão inicial favorável a Rumo e que agora foi revista.

Um local abandonado que se tornou vivo

Totalmente abandonado desde 2014, após ser destruído por um incêndio de grandes proporções que afetou a estrutura usada pela prefeitura da cidade para descarte de pneus, o lugar virou um criadouro de vetores de doenças. Desde 2010, quando a administração do município desativou a Estação Cultural, o local não apresenta nenhuma função social.

Os relatos de infestação por focos de mosquitos da dengue, escorpiões e outros animais vetores de zoonoses são diversos. Há relatos também da utilização desta área, pela característica de abandono, para violência contra mulheres.

Tudo isso mudou após o local ser ocupado pelos moradores da Ocupação Paulo Freire. São realizados mutirões semanais de limpeza do espaço, o combate contra os vetores é diário e, a partir da auto-organização dos moradores, são realizadas vigílias de segurança que protegem a ocupação e as pessoas que cruzam o espaço.

Mesmo com um perfil ideológico e político da cidade mais ligado a ultradireita, com Bolsonaro obtendo quase 58% dos votos no segundo turno de 2022, não há como negar que a Ocupação Paulo Freire melhorou socialmente a região central do município. Apenas quem vive da especulação imobiliária deve achar o contrário.

Moradia é direito! Não à especulação imobiliária e ao lucro!

Enquanto milhares de pessoas buscam diariamente o direito à moradia, nas localidades existem muitos imóveis vazios, principalmente em regiões centrais das cidades. São construções que ficam apenas esperando o momento de valorização para serem vendidas com lucro.

Aos olhos deste setor parasita da sociedade, a existência de comunidades, como a Ocupação Paulo Freire, nas imediações desvalorizaria seus imóveis e diminuiria seus lucros. Por isso, a luta encarniçada da burguesia local para tirar a ocupação dali.

Mas, o problema de moradia escancara uma das faces mais brutais do capitalismo. Enquanto é negada a habitação pra classe trabalhadora, um setor lucra com essa falta de habitações, deixando os aluguéis caros e milhares de imóveis vazios apenas para especular.

Segundo dados da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), em Paiçandu atualmente existem 1.227 famílias cadastradas aguardando moradia. Entretanto, segundo o Censo de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade possui 2.262 imóveis habitacionais totalmente vagos.

Ou seja, somente com as habitações vazias daria muito bem para resolver a falta de moradia da cidade. Vale ressaltar que são dados que podem estar subnotificados, pois levam em consideração apenas as famílias que procuraram a Cohapar, excluindo as demais e as pessoas que se encontram em situação de rua.

Se expandirmos a análise para Maringá, cidade ao lado de Paiçandu, os números são ainda mais exorbitantes. Segundo a Cohapar, em Maringá existem 5.497 famílias aguardando uma moradia. Enquanto isso, o censo demonstra a existência de 18.375 imóveis habitacionais sem utilização alguma, apenas vazios.

Com dados do Observatório das Metrópoles, núcleo da Universidade Estadual de Maringá (UEM), é possível observarmos o crescimento do número de pessoas em situação de rua na cidade nos últimos anos. Entre 2016 e 2023, com a exceção de levantamentos em 2020, 2021 e 2022, devido à pandemia, é possível observar um crescimento de 297% desta população. Segundo o núcleo, em 2016 eram 165 pessoas nessa situação, saltando para 656 em 2023.

Ou seja, no capitalismo o direito à moradia é um negócio. Mais vale deixar os imóveis vazios para valorização do que garantir moradia aos trabalhadores que tanto necessitam sair do aluguel e do que dar dignidade às pessoas que se encontram em situação de rua por não terem onde viver.

Lula, pare o despejo! Destine a área para moradia!

Em fevereiro deste ano, o governo federal lançou um programa que prevê a destinação de imóveis abandonados ou inutilizados da União para interesses públicos. Mas, na prática, é uma medida muito limitada, se esbarra nos acordões entre governo e Congresso e não resolve o problema de moradia que a classe trabalhadora vivencia.

No caso de Paiçandu, área está sob tutela do DNIT, com direção-geral de Fabrício de Oliveira Galvão, apadrinhado político do ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), e também foi alvo do loteamento das instituições do regime em busca de apoio do Centrão.

Segundo os coordenadores da Ocupação, o próprio DNIT já demonstrou verbalmente que não tem interesse em manter o terreno. É preciso que Lula atue para que o órgão demonstre nos autos esse interesse e pare o despejo iminente.

Não basta criar programas como se isso resolvesse os nossos problemas aqui embaixo, é preciso se enfrentar com os super ricos e colocá-los em prática. Pois, enquanto isso não acontece, a classe trabalhadora amarga a possibilidade de ser colocada na rua novamente.

Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito!

O PSTU apoia incondicionalmente a Ocupação Paulo Freire e achamos que esse é o caminho para lutarmos por moradia digna para a classe trabalhadora. Enquanto o que reinar na sociedade for o lucro, nossos direitos mais básicos não serão assegurados.

A classe trabalhadora tem que estar mobilizada e confiar apenas nas suas forças, com independência dos governos para cobrá-los e para garantir as medidas imediatas e necessárias para acabar com essa realidade que enfrentamos diariamente.

Muitos pesquisadores afirmam que é preciso utilizar os imóveis já existentes, antes de pensar na construção de novos. Porém, todos os governos se negam a seguir essa orientação porque estão comprometidos com a especulação imobiliária.

É preciso nos organizarmos e mudarmos essa sociedade baseada apenas no lucro. É necessário expropriarmos, sem indenização, os imóveis vazios. Realizar uma reforma urbana, com imposto progressivo sobre imóveis destinados à especulação imobiliária.

Além disso, barrar todos os despejos, regularizando as áreas ocupadas com obras de benfeitorias, como saneamento e calçamento, e construção de novas moradias populares.

Essas são medidas necessárias, mas que se chocam com o sistema capitalista. Por isso, é preciso nos organizarmos e tomarmos os rumos de nossa sociedade, construindo um outro modo de produção e distribuição das riquezas. Uma forma de sociedade que valorize o social e não o lucro, uma sociedade socialista.

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Última Atualização: 05/07/2024