Brandon Taylor escreve rápido. “Digito quase tão depressa quanto penso”, diz. O primeiro rascunho de seu romance de estreia, Mundo Real (Fósforo), finalista do Booker Prize, foi feito em cinco semanas. Ele já chegou a desafiar amigos escritores para uma corrida de palavras.
“Todos na minha família morrem jovens”, conta, talvez justificando sua pressa. Mas outro ponto é que escrever, diz ele, é “a maior diversão” que consegue ter. Quando descobriu a internet, aos 12 anos, por meio do Modem discado de seus pais na área rural do Alabama, Taylor costumava escrever, simultaneamente, cinco histórias colaborativas em fóruns de RPG. “Foi um bom treinamento”, diz o simpático rapaz de 35 anos.
Vidas Tardias é seu terceiro livro publicado em quatro anos e faz parte de um quarteto de obras ambientadas no Centro-Oeste dos Estados Unidos, mesma região onde ele estudou Bioquímica, na Universidade de Wisconsin.
Mundo Real colocava em foco um grupo de amigos da faculdade ao longo de um fim de semana. Sua continuação, Filthy Animals (Animais Nojentos) era uma série de contos interligados. Vidas Tardias é um híbrido dos dois: mais solto que Mundo Real, mas mais coeso que Filthy Animals.
Este é também o livro mais bem-sucedido de Taylor. A obra apresenta um panorama da juventude na era do capitalismo tardio, com uma forte consciência da política de identidade negra e gay, mas sustentado por temas – amor e trabalho, sexo e classe, arte e dinheiro – que Austen, Wharton e Chekhov também exploraram.
Taylor conta que, enquanto escrevia, estava “profundamente mergulhado” na leitura de romances do século XIX. Esses livros, com seus “grandes elencos de personagens de todas as classes”, foram para ele uma forte fonte de inspiração.
O resultado é o que ele chama de “uma sinfonia de vidas ao estilo Zola”: vidas como a de Ivan, um dançarino que faz vídeos para um site erótico para financiar seu treinamento; Seamus, poeta que trabalha na cozinha de um hospício; e Fátima, outra dançarina, que tem de lidar com um tutor predador e, após revelar ter feito um aborto, é agredida sexualmente por uma colega.
![](https://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2025/02/VidasTardias.jpg)
Vidas Tardias. Brandon Taylor. Tradução: Floresta. Editora Fósforo (304 págs., 104,90 reais) – Compre na Amazon
Seu livro poderia ser de Henry James, sugere Taylor. “Estava frustrado com as ideias prontas que muitos dos meus colegas tinham quando eu fazia mestrado em Belas Artes”, diz ele. “Lembro-me de pensar: ‘É como se estivéssemos todos numa exposição de museu chamada The Late Americans. Em seguida, pensei que este seria um ótimo título, porque soa a James, mas é irônico, mordaz e traduz o mal-estar contemporâneo’.”
Os livros de Taylor são cerebrais e iluminadores em relação à arte e à ciência, mas são também muito bons em descrever como os jovens vivenciam e usam seus corpos na era da positividade sexual e dos smartphones. Há uma passagem estranhamente tocante e verdadeira em que Seamus e seu amigo Hartjes trocam mensagens de texto antes de fazer sexo pelo FaceTime.
Um romance sobre a vida na universidade, diz Taylor, permite que se olhe para um espaço no qual os jovens começam a explorar suas identidades. “Eu estava interessado em capturar uma pessoa prestes a iniciar o que ela considera sua vida real. É um momento em que temos muitos ideais, mas não sabemos como colocá-los em prática.”
Em Vidas Tardias, há muita ironia em relação àquilo que Taylor chama de “o absurdo da retórica de classe”. Ele explica: “De repente, uma pessoa que cresceu numa casa enorme em um subúrbio discursa para uma pessoa que cresceu numa fazenda, sem dinheiro, dizendo que ela é uma traidora da classe, e você pensa: ‘Seu pai é dono de cinco supermercados, como você está me dando aula sobre a pobreza na América?’”
“Não foi a pobreza que nos tornou lobos, foi o fato de que as pessoas não falavam sobre seus sentimentos”, diz, sobre sua infância
Taylor de fato cresceu numa fazenda no Alabama. Era um jovem gay numa família cristã evangélica, e diz ter sido “criado por lobos”. “Não foi a pobreza que nos tornou lobos, foi o fato de que as pessoas não falavam sobre seus sentimentos”, explica. Define sua infância como “estranha e violenta”.
Também havia falta de amor e gentileza. “Não fui abraçado até os 15 anos. Meu pai era carinhoso, mas minha mãe ficava tão visceralmente contrariada por ele ser legal comigo que ele recuava.” Sua mãe morreu aos 48 anos e sua tia aos 35. “De modo geral, as pessoas da minha família não envelhecem”, diz.
Sua mãe era analfabeta e seu pai “legalmente cego”. Por isso, Taylor virou o leitor oficial da casa. Como se destacou em Ciências na escola, decidiu ser neurocientista. Depois de formado, fez doutorado e, nas noites em que não estava no laboratório, trabalhava no que se tornaria Mundo Real.
Depois de ter o livro recusado por dois agentes literários, ele apagou o romance de seu laptop. Mas, quando foi aceito pelo Iowa Writers’ Workshop (oficina de escritores de Iowa), escolheu a literatura em vez da ciência. Hoje, não nega sentir certa pressão, como um gay afro-americano da classe trabalhadora, de mercantilizar sua “experiência por prestígio e dinheiro”.
Taylor acredita que a origem de sua escrita está em seu senso de que o outro é sempre inescrutável – algo que a infância deixou gravado nele. “Isso resultou na minha necessidade de revirar sentimentos repetidamente”, avalia. “A pergunta repisada em meus três livros é: ‘É possível conhecer realmente outra pessoa e confiar nela sem a conhecer?’ No primeiro livro, a resposta foi ‘não’; no segundo, ‘talvez’; e, no terceiro, é ‘talvez sim, talvez não’, ou seja, é possível amar as pessoas mesmo que você não possa conhecê-las’. À medida que avançam, os livros estão ficando um pouco mais otimistas sobre as relações humanas.” •
Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1348 de CartaCapital, em 12 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Uma sinfonia de vidas’