Donald Trump, presidente dos EUA

Passada a primeira semana do retorno de Donald Trump ao centro do palco político, os Estados Unidos e o mundo tiveram uma amostra do que está por vir: um governo que mistura autoritarismo, decisões econômicas temerárias e uma retórica “tiktoker”, superficial e populista que solapa as possibilidades da diplomacia.

Eis o resumo do desempenho de um fascista criminoso – segundo a Justiça dos EUA – no poder; um líder contraditório que, em um país minimamente sério, estaria preso, residindo em um complexo penitenciário para delinquentes de alta periculosidade. Nos EUA, no entanto, está devidamente assentado no Salão Oval da Casa Branca.

O Fórum Econômico Mundial em Davos foi o cenário escolhido para o retorno do ex-presidente – e, para angústia geral do planeta, agora novamente presidente – reafirmar sua visão neomedieval de mundo, deixando claro que sua nova administração seguirá pelo caminho do isolamento e do revisionismo radical.

Em seu discurso, disponibilizado no site da Casa Branca – alguém de bom senso precisava remover essa vergonha do ar –, Trump se autoproclamou o arquiteto de uma “revolução do bom senso” e da chegada da “era dourada da América”, uma retórica carregada de autoexaltação e delírio. Entre exageros, distorções e muita mentira, afirmou que sua vitória eleitoral foi a mais significativa dos últimos 129 anos – uma referência ao ex-presidente William McKinley, conhecido por espalhar tarifas, invadir territórios alheios e exterminar o que havia sobrado de povos autóctones, e a quem Trump busca emular. Morreu assassinado.

No seu discurso alucinado, Trump não poupou críticas à administração anterior, responsabilizando-a por todos os males econômicos, da inflação ao aumento dos preços dos alimentos, e prometeu reverter qualquer vestígio das “políticas radicais de esquerda”. A solução proposta – improvisada, mas vendida como mágica – inclui medidas imediatas e drásticas, típicas de seu estilo impulsivo e errático, que passa a ser a marca do seu governo.

Internacionalmente, Trump reafirmou sua posição ao retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris pela segunda vez – já havia feito o mesmo no seu primeiro mandato –, alegando que as políticas ambientais representavam um fardo econômico inaceitável. Além disso, ele anunciou a saída do país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e suspendeu indefinidamente a ajuda humanitária internacional, afetando diversas organizações, especialmente aquelas ligadas aos direitos humanos. Essas ações refletem uma postura isolacionista e têm gerado preocupações significativas na comunidade internacional.

O anúncio do fim do incentivo aos veículos elétricos veio na mesma linha: segundo o presidente, os americanos devem ter o direito de comprar qualquer carro que quiserem, sem restrições ambientais. A medida foi bem recebida por setores ligados à indústria do petróleo, mas vista como um retrocesso por especialistas em sustentabilidade e inovação tecnológica.

O resumo do devaneio ególatra de Trump em Davos é que os EUA passaram por uma vergonha inédita, com um discurso simplista e rebaixado, muito aquém das necessidades reais de um mundo conflagrado em guerras, sofrendo com desastres ambientais pelos efeitos do descaso com a natureza.

Se no cenário internacional Trump provocou reações de perplexidade – e um leve sorriso maroto da nata endinheirada que frequenta os salões de Davos –, em casa a situação não é diferente. No melhor estilo “deixa que eu invento”, sua política econômica é um manual de improvisos, sem qualquer preocupação com impactos socioeconômicos. Uma de suas primeiras medidas foi impor um tarifaço, um aumento significativo de tarifas sobre importações do Canadá e do México, parceiros históricos dos EUA, que, em 1994, constituíram o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (em inglês: North American Free Trade Agreement, NAFTA), bloco econômico que até ontem funcionava como um espaço de livre comércio, com custo reduzido para a troca de mercadorias entre os três países.

A justificativa era proteger a indústria americana, mas o efeito imediato foi o aumento dos preços para os consumidores e a insatisfação de setores produtivos que dependem de insumos estrangeiros. Ao mesmo tempo, Trump retomou com força total sua política de deportações em massa, literalmente “caçando” imigrantes – colocou agentes federais para perseguir e prender trabalhadores em fazendas, fábricas e restaurantes, curiosamente, os mesmos setores que agora enfrentam escassez de mão de obra.

Cartaz com os dizeres “Mantenham os imigrantes, deportem Trump” durante protesto em Nova York

Mas não parou por aí: investiu também contra imigrantes em escolas e, surpreendentemente, até em igrejas. Como era previsível, isso gerou uma crise no mercado de trabalho em setores como agricultura, construção civil e serviços. Empresas que dependem da mão de obra imigrante começaram a sentir os efeitos da escassez de trabalhadores, enquanto a inflação, já pressionada pelas tarifas, ganhou mais um fator de alta. A ironia? O próprio empresariado que o apoiou agora enfrenta as consequências de suas políticas.

Trump também lançou uma cruzada contra as políticas de diversidade, equidade e inclusão, classificando-as como “absurdas” e determinando seu desmonte imediato. A decisão gerou aplausos entre setores ultraconservadores, mas críticas severas de empresas e instituições acadêmicas que veem a diversidade como um pilar essencial para a competitividade e o progresso.

Olhando para a história brasileira, em tudo Trump se assemelha a Jânio Quadros, o ex-presidente brasileiro famoso por seu estilo errático e decisões imprevisíveis. Ambos compartilham o gosto pelo espetáculo, a retórica inflamada e a tendência de criar crises desnecessárias. A diferença? Jânio, ao menos, tinha um repertório literário vasto e um talento natural para frases de efeito, enquanto Trump se contenta em repetir slogans e atacar jornalistas. Se Jânio renunciou esperando ser chamado de volta como um imperador rejeitado, Trump segue acreditando que pode moldar a realidade apenas com discursos e bravatas.

O desafio para os próximos anos será entender até que ponto sua administração será capaz de manter esse estilo sem gerar danos irreversíveis para a economia e a diplomacia americana. Por ora, o espetáculo continua – e o mundo assiste, perplexo, ao desenrolar de mais um capítulo da era Trump.

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Last Update: 02/02/2025