O artigo A eleição de Lula acelerou o golpe e a Revolução que suspendeu a tutela militar, publicado pelo Brasil 247, escancara, de modo bastante grotesco, o processo de adaptação da esquerda pequeno-burguesa à política dos inimigos da classe operária.

O texto, assinado por Mario Vitor Santos, ex-jornalista da Folha de S.Paulo, apresenta a eleição de Lula em 2022 como uma “revolução”. Literalmente.

“O marco inicial dessa revolução é a própria eleição de Lula, em 30 de outubro de 2022. A vitória desatou o início dessa revolução, e acelerou a contrarrevolução a ela liderada por Bolsonaro num processo histórico hoje ainda não inteiramente superado. Que a vitória de Lula tenha sido por vantagem apertada não desmerece em nada essa revolução que foi nesse sentido semelhante a tantas outras, vencidas muitas vezes por um triz. Que essa revolução tenha acontecido por meio de um pleito eleitoral ou em função das consequências dele, é uma situação que também se encontra em outras revoluções seguidas por semelhantes reações.”

Falar em revoluções que ocorreram por meio de um pleito eleitoral é um insulto à história. Ao longo dos anos, as eleições têm sido utilizadas justamente para tentar frear o processo revolucionário. Afinal, as eleições são organizadas pelo Estado capitalista — trata-se, portanto, de um terreno extremamente favorável para a burguesia e extremamente desfavorável para os trabalhadores.

As eleições na França em 1936 serviram para que a esquerda ficasse a reboque da burguesia, desmoralizando o processo revolucionário no país. No mesmo ano, as eleições na Espanha serviram para que a esquerda se aliasse à sombra da burguesia, o que levou a uma das piores ditaduras fascistas da história.

Qual teria sido a eleição “vencida por um triz” que desatou uma revolução? O autor não responde.

Este discurso não vem à toa. Ele é parte do folclore petista, segundo o qual o motor da história não seria a luta de classes, mas sim as eleições. Segundo esta concepção absurda, ganhar uma eleição, mesmo que em uma aliança com delinquentes políticos como Geraldo Alckmin e Simone Tebet, levaria a uma transformação profunda da sociedade.

É difícil dizer se alguém realmente leva a sério uma coisa destas. O que fica claro, no entanto, é o interesse por trás desta ideia: o de submeter a esquerda a uma aliança com os inimigos do movimento operário.

Qual seria a grande transformação conquistada por meio de uma aliança com os setores mais reacionários da sociedade? Vejamos o que nos ensina o sábio Mario Vitor Santos:

“Poucos, porém, vão disputar o ineditismo histórico das ações em andamento contra comandantes militares e outras altas patentes acusados de engendrar o golpe de Estado em 2022 e o início de 2023. Os processos já levaram à prisão e devem punir vários senão muitos dos 23 militares acusados. Será, a confirmar, um episódio raro,  marcando uma reviravolta inédita na longa sucessão de intervenções militares na história do Brasil, inaugurada já no alvorecer da República,  pelo golpe militar da Proclamação, em novembro de 1889.”

A eleição de 2022 teria sido uma “revolução” porque levou ao atual processo contra apoiadores e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A afirmação já é cretina em si porque ignora que, por trás dos 23 militares que talvez, quem sabe, um dia, sejam punidos, há centenas de pobres coitados condenados a mais de 10 anos de cadeia por terem participado de uma manifestação. Onde isso poderia ser algo minimamente progressista?

Como falar em “revolução” quando os responsáveis pelo golpe de 2016, que derrubaram a presidente Dilma Rousseff (PT), estão pisoteando os direitos democráticos do povo brasileiro?

Isto não encerra o problema. É preciso levar em consideração que os próprios militares dificilmente serão punidos. O processo como um todo é fraudulento — e, portanto, frágil. Um processo que pode, assim como ocorreu com a Lava Jato, desmoronar.

Até aí, diríamos apenas que Santos estaria exagerando, chamando um processo inócuo de “revolução”. Mas o problema é muito mais profundo.

De fato, está em curso uma modificação importante no regime político. Mas esta modificação é profundamente contrarrevolucionária.

O autor nos diz que:

“O que o país está assistindo agora com o julgamento do golpe é, portanto, uma revolução. Ela deve ser assim chamada pois opera, pela primeira vez, uma inversão histórica numa das colunas de sustentação do Estado brasileiro moderno: a tutela militar.

Algum especialista de manual poderia argumentar que faltam elementos de uma revolução, talvez pela falta de conflito armado, mas ele aconteceu, desde a conspiração entre oficiais comandantes de tropas, até na tentativa de Jair Bolsonaro para mobilizar as três Forças. Esteve presente na operação de vigilância dos movimentos e no plano de assassinato de um ministro do Supremo, Alexandre de  Moraes, do próprio presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin, além do ex-ministro José Dirceu.

Houve a invasão dos Palácios e na mesma noite de 8 de janeiro de 2023 um face a face armado que quase degenerou em confronto entre tropa da Polícia Militar do Distrito Federal, sob intervenção, e outro contingente do Exército diante do próprio Quartel-General da força terrestre.

A reação do governo Lula, à frente de uma aliança legalista em torno dele, àquela altura composta por oficiais legalistas, derrotou os golpistas, de maneira inédita em quarteladas conservadoras lideradas por militares.”

Se é verdade o que diz Santos, então a tal “revolução” seria o esmagamento armado da movimentação bolsonarista. Isto é, teria sido uma “revolução” comandada não por Lula — que não comanda exército algum —, mas pelas Forças Armadas!

Há algo de verdadeiro no que diz o autor. De fato, a reação ao bolsonarismo foi organizada por um setor das Forças Armadas e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Isto, por sua vez, apenas prova que o julgamento dos bolsonaristas nada tem a ver com algo que Lula tenha feito, mas sim com os interesses das forças que mandam no País.

O próprio texto de Mario Vitor Santos é uma confissão de que os esquerdistas que torcem pela condenação dos militares não está lutando pelos interesses da esquerda e do povo trabalhador, mas sim pelos interesses do grande capital.

É uma capitulação impressionante. E que se torna ainda mais grotesca quando levado em consideração que estes mesmos esquerdistas levantam a palavra de ordem de “sem anistia”, fazendo referência aos golpistas fardados anistiados durante a ditadura militar. Fato é que os esquerdistas hoje batem palma para os herdeiros dos torturadores dos anos de chumbo.

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Last Update: 25/05/2025