O grande dilema da comunicação pública é um só: a incapacidade, até agora, de mostrar didaticamente à opinião pública as principais diferenças entre o projeto neoliberal e a social democracia e o papel do Estado nessa disputa.

Uma social-democracia defende a ampliação dos serviços públicos aos cidadãos de menor renda. Fazem parte desse modelo o SUS (Sistema Único de Saúde), a rede pública de ensino, os institutos federais, a universidade pública gratuita. 

No entanto, todo dia a opinião pública é sacudida pelas críticas ao tamanho do Estado, pela “gastança”, sem que a comunicação pública – e dos setores socialmente responsáveis – mostre didaticamente a diferença, para a população, entre um modelo e outro.

Sem esse contraponto, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, ou na Europa, prevalece um nível notável de ignorância líquida, do qual prevalece a direita. Como escreveu dia desses James Carville – o estrategista responsável pela vitória de Bill Clinton contra George Bush – “é a economia, estúpido!”.

Mas este “é a economia” precisa ser bem entendido. Não bastam indicadores econômicos favoráveis, como mostrou a derrota de Joe Biden ou o desgaste do governo Lula. A opinião pública não possui discernimento para entender relações de causalidade. O que muda comportamentos são medidas que beneficiam diretamente o cidadão. 

É o que explica Donald Trump ter vencido as eleições norte-americanas de cabo a rabo, como representante da indignação popular, mesmo com uma política econômica já anunciada de corte de impostos das grandes corporações e corte em programas sociais. A comunicação do Partido Democrata em nenhum momento soube explicar, para o cidadão comum, as diferenças entre suas propostas e as dos republicanos.

É o que explica a adesão, até hoje, ao bolsonarismo e à política econômica de Paulo Guedes, arrasando qualquer compromisso do Estado com políticas sociais, pesquisas. Ou o apoio a Tarcísio de Freitas, com privatizações que irão explodir as tarifas de saneamento, como já explodiram até os custos dos enterros em São Paulo, beneficiando grupos econômicos, dentre os quais firmas de engenharia de compadres militares.

Valeria a pena assistirem o TV GGN 20 horas de ontem, com João Cezar de Castro Rocha e Lênio Streck.

Qual a razão do sucesso dos seguidores da teoria da prosperidade, dentre os evangélicos? Oferecer apoio espiritual e, em muitos casos, apoio econômico aos seus fiéis. Ou seja, benefício direto. Décadas atrás, um direitista empedernido escreveu sobre a cara do brasileiro – merecendo uma capa da indescritível revista Veja. Apresentava o brasileiro pobre como desrespeitador da lei, dos hábitos civilizados em contraponto ao brasileiro instruído.

Na época, montamos um seminário com o jovem Renato Meirelles, que se tornara especialista na análise do público de baixa renda. Sua análise era certeira, em cima de demandas do dia a dia.

O rico quer exclusividade no seu consumo. É capaz da madame ter chilique se for a uma festa e descobrir outra senhora com vestido igual. O pobre compartilha suas descobertas de consumo.

Não peça a um rico para ficar com os seus filhos, se tiver um compromisso noturno de última hora. O pobre fica.

Ele estudava o potencial de consumo da periferia e das comunidades, em um momento em que políticas públicas melhoraram consideravelmente o poder aquisitivo dos mais pobres. Constatou que o pobre se intimida com desníveis sociais, especialmente em shoppings com vendedoras mais sofisticadas que a própria clientela. Desconfia dos jornais, da TV. Acredita na vizinhança, nas conversas nos armazéns e supermercados da periferia. A opinião dele se forma lá.

Qual a maior demanda das famílias pobres na atualidade, indaga Castro Rocha. Creches para seus filhos, especialmente em uma quadra da história na qual ampliou-se a necessidade da mulher trabalhar. Por que não direcionar as obras do PAC para a construção de creches com metas claras de oferta de vagas até 2030?

Creches atendem à principal demanda das famílias de baixa renda. Podem movimentar as pequenas empreiteiras municipais. Um programa desses, é verdade, exigiria um belo planejamento do governo federal, a montagem de sistemas de fiscalização das obras, envolvendo órgãos de controle, participação da sociedade civil.

Ora, o país tem uma tecnologia social invejável, com as conferências nacionais, os conselhos de participação, os conselhos tutelares, com a própria rede de igrejas, independentemente da religião professada.

Mais que isso, estudos do Instituto Alana mostraram que as sociedades mais criativas são aquelas que, nos primeiros anos de vida das crianças, proporcionam a elas atividades lúdicas. Quando implementou seu vitorioso programa de educação inclusiva, o Ministério da Educação, sob Fernando Haddad, montou salas especiais, com ferramentas de apoio à educação inclusiva que eram oferecidas a escolas que aderiram à inclusão. O MEC poderia fazer o mesmo com as creches, definindo modelos pedagógicos de estímulos sensoriais às crianças atendidas.

Em suma, é um programa que junta pequenas empreiteiras municipais, associações de secretarias da educação municipais, associações de prefeituras, MEC, órgãos de controle, conselhos tutelares, conselhos de participação de pais e mães. Enfim, um desafio à altura de uma Tereza Campello ou de outra grande empreendedora pública.

Há que se redescobrir o caminho das pedras na organização da sociedade em torno de grandes demandas como esta como a saída contra a barbárie do individualismo da ultradireita.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 09/01/2025