Covid é uma doença complexa, ouvi de um homem preso.

Gostei da expressão. De fato, é uma doença com muitas facetas: pode ser assintomática, descoberta só porque a pessoa fez o teste. Pode dar sintomas frustrantes ou jogar o doente na cama sem forças para reagir ou mesmo levá-lo até uma UTI, num quadro de insuficiência respiratória aguda que o torna dependente de oxigênio administrado sob pressão.

Na maioria das vezes, a recuperação ocorre em alguns dias, mas há quem apresente sintomas persistentes por meses ou anos, condição que foi chamada de Covid longa pela primeira vez em maio de 2020.

Embora haja várias definições, uma das mais aceitas é a de que os sintomas devem durar três meses ou mais, contados a partir da fase aguda. A condição afeta diversos órgãos e sistemas de modo a comprometer suas funções por períodos prolongados.

Na literatura médica existem mais de 170 revisões sistemáticas que cobrem os principais estudos acadêmicos publicados sobre o tema. Apesar de tantas informações, os médicos ainda têm dúvidas a respeito da melhor conduta a ser adotada.

No início da pandemia, os pacientes com queixas que se arrastavam depois da Covid aguda eram vistos com descrédito pelos familiares e pela classe médica. O panorama hoje é outro: conhecemos melhor os mecanismos envolvidos e estamos perto de desenvolver tratamentos que levem em conta os conhecimentos em virologia, imunologia e na fisiopatologia da doença, adquiridos nos últimos anos.

Estimativas da incidência de Covid longa em pacientes não vacinados que foram hospitalizados na fase aguda são altas: variam de 50% a 80%, de acordo com o estudo. Nos que não receberam a vacina, mas não precisaram ser hospitalizados, esse número cai para 10% a 35%. Naqueles vacinados diminui para 8% a 12%.

Essas prevalências variam de acordo com os critérios usados pelos pesquisadores para definir Covid longa. Em todos fica, porém, evidente que a gravidade da doença inicial e a falta de vacina são fatores de risco preponderantes.

A faixa dos 35 aos 65 anos é a mais afetada. A sintomatologia pode persistir por mais tempo do que imaginávamos anos atrás: 71% dos pacientes queixam-se de sintomas com mais de um ano de duração, 51% com mais de dois anos e 31% com três anos ou mais.

Estudos epidemiológicos mostraram que correm mais risco de desenvolver Covid longa: mulheres de 35 a 50 anos, os mais pobres, quem sofre de diabetes tipo 2, alergias, doença pulmonar crônica, asma, fadiga, quadro de fadiga pós-infecção viral, doenças cardíacas, insuficiência renal, pessoas com IMC alto, doença mais grave na fase aguda e quem não foi vacinado.

A fadiga é um dos sintomas mais prevalentes. Muitas vezes vem associada a distúrbios do sono, dores musculares e nas articulações e uma sensação de névoa cerebral que compromete a memória e outras funções cognitivas, como a tomada de decisões diante de situações complexas.

Os problemas respiratórios costumam ser: falta de ar aos pequenos esforços, fôlego curto, chiado, sensação de aperto no peito e de que os pulmões não se expandem como antes, queixas muitas vezes acompanhadas de queimação no tórax.

Os quadros alérgicos podem incluir manchas vermelhas na pele, olhos lacrimejantes, dor de garganta e obstrução nasal. As queixas gastrintestinais incluem náuseas, dificuldade para engolir, flatulência e diarreia crônica. A perda do paladar, especialmente quando associada à de olfato, interfere com a nutrição.

Podem ocorrer queixas de tontura, hipotensão postural e taquicardia ao levantar da cadeira ou da cama. Ansiedade e depressão acompanham os quadros mais sintomáticos. Embora mais comum entre os mais velhos, a sarcopenia (perda de massa muscular) pode acontecer em qualquer idade.

Alteração da função endotelial com aumento do risco de tromboembolia pulmonar, infarto do miocárdio e AVC têm sido atribuídos à ação do vírus na parede interna dos vasos, mas há discordâncias na literatura. Talvez a queixa mais comum seja a de que “não sou mais a mesma pessoa”, para caracterizar a dificuldade de executar as tarefas rotineiras do passado.

A recuperação, às vezes, vem seguida de recaídas. A chance de voltar à vida de antes é mais problemática naqueles que tiveram fase aguda mais grave e nos que estão com sintomatologia entre seis meses a dois anos. Embora faltem estudos, há indicativos de que pessoas com queixas que persistem por mais de dois anos têm menor probabilidade de ficar livre delas.

Publicado na edição n° 1324 de CartaCapital, em 21 de agosto de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Uma doença complexa’

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Última Atualização: 15/08/2024