Lula em coletiva após alta no Sírio

POR RANIERI COSTA, teólogo, pastor, jornalista, mestre em Linguagens, Mídia e Arte (pela PUC-Campinas)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu alta e apareceu em vídeo andando e sorridente. Goste ou não do atual presidente, estamos falando de um senhor de idade que, só por isso, merece ser minimamente respeitado pela população.

Não demorou muito, após a sua internação, para que evangélicos simpatizantes da extrema direita começassem a desejar a morte do presidente, inclusive fazendo uso de versículos bíblicos para tal absurdo.

Entre os textos utilizados estão alguns dos salmos imprecatórios, tais como o 52 e o 109. A aplicação destes versos bíblicos como forma de tentar legitimar o ilegitimável só reforça a profunda incompetência hermenêutica dessa parte do segmento evangélico que bradeja a qualquer custo tentando aplicar uma interpretação literal de todo texto bíblico, desconsiderando todo o contexto que envolve cada uma das narrativas das Escrituras Sagradas.

O teólogo e escritor evangélico Gutierres Fernandes Siqueira bem explicou a problemática do uso destes textos para tamanha sandice: “O Salmo 52, de caráter imprecatório, é dirigido contra Doegue, o edomita, cuja delação contra Davi resultou no massacre de 85 sacerdotes e de suas famílias, incluindo bebês.

Hoje, algumas pessoas desejam utilizar o mesmo salmo contra adversários políticos comuns. O contexto dos salmos imprecatórios não envolvia a disputa entre adversários políticos em uma democracia moderna, ainda que imperfeita. Tratava-se, ao contrário, de um cenário marcado por violência extrema, extermínios e guerras sem limite humanitário.”

Em sua explicação, Gutierres finaliza dizendo que a utilização destes textos apenas por discordâncias ideológicas “revela a mesquinhez de um coração tomado pelo ódio político”. Traduzindo: crente de verdade não deseja a morte de ninguém.

O uso de passagens bíblicas para justificar o ódio político é um reflexo de uma teologia malformada, que instrumentaliza a fé para fins puramente ideológicos. Esse comportamento, além de desonesto, é perigoso, pois alimenta um ambiente de intolerância e polarização que fere tanto a convivência democrática quanto o testemunho cristão.

Os Salmos são orações de um povo que buscava a justiça divina em tempos de extrema violência, não armas para guerrilhas verbais ou espirituais contra adversários políticos.

A deturpação das Escrituras Sagradas para fomentar a animosidade não é um problema novo, mas é particularmente grave em tempos em que discursos de ódio se propagam com facilidade nas redes sociais. Nesse cenário, a liderança cristã é convocada a exercer um papel pastoral de educação bíblica, lembrando que a fé cristã se fundamenta no amor ao próximo, mesmo aquele com quem discordamos profundamente.

Ainda mais preocupante é a hipocrisia embutida em tais atitudes. Os mesmos que pregam sobre a sacralidade da vida são os que agora se mostram dispostos a desejar a morte de alguém por conta de divergências ideológicas. Essa postura contradiz flagrantemente os ensinamentos de Jesus, que chamou seus seguidores a amarem seus inimigos e a abençoarem aqueles que os perseguem. Não há espaço no cristianismo autêntico para a defesa do ódio.

Portanto, é fundamental que os evangélicos comprometidos com o Evangelho de Cristo repensem suas atitudes e confrontem essa instrumentalização abusiva da fé. A palavra de Deus deve ser fonte de transformação, não de divisão. Utilizar os Salmos imprecatórios fora de seu contexto é uma tentativa não apenas de justificar o injustificável, mas de transformar o cristianismo em um campo de batalha político, algo que Jesus jamais endossou.

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Last Update: 15/12/2024