No início de fevereiro, eu me concentrei em Pablo Marçal pela primeira vez. Como alguém com uso apenas profissional de redes sociais, não me recordava de ter visto seu rosto ou ouvido sua voz. Lembrava apenas vagamente de sua aventura eleitoral, frustrada pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2022.

Meu filho, um adolescente de 13 anos, foi o responsável pela apresentação por meio de um vídeo em que o agora candidato explicava como conseguiu salvar sua família de um desastre de helicóptero usando sua mente. Depois disso, passei a acompanhar as notícias sobre ele, invariavelmente polêmicas, produzidas para o engajamento nas redes. Em abril, ele filiou-se ao PRTB, pequeno partido de direita. Estava claro que seria candidato e que tinha potencial para influenciar a disputa na cidade de São Paulo.

Mas de onde viria esse potencial? De sua mente abençoada que pousa helicópteros? Pouco provável. Como quase sempre em política eleitoral, são as oportunidades institucionais e conjunturais que acabam por determinar, em grande medida, as chances de um candidato.

Como é bem documentado na literatura especializada, os sistemas político e eleitoral brasileiros, que combinam presidencialismo, federalismo e eleições proporcionais de lista aberta com distritos de grande magnitude, fornecem incentivos para disputas centralizadas nos candidatos, não nos partidos. Mesmo sem carreira política prévia ou vida partidária pregressa, indivíduos com alto grau de conhecimento da população contam com um ativo importante, em especial para as pequenas legendas. Não há novidade nisso. Silvio Santos tentou, sem sucesso, ser candidato nas eleições presidenciais de 1989. Tivemos a “era” dos radialistas e dos comunicadores, da qual o atual candidato à prefeitura de São Paulo, José Luiz Datena, agora no PSDB, ainda é um representante.

Nos últimos anos, a redução do tempo e a limitação dos gastos de campanha, bem como a criação do fundo eleitoral, reorganizaram essas oportunidades. Menos tempo de campanha significa menos tempo para fazer um candidato ser conhecido. Os recursos ficaram concentrados nas mãos dos líderes partidários. Isso facilitou a vida dos incumbentes, mas não restringiu a presença dos outsiders. Em um país com tantos partidos e tantos cargos em disputa, as mudanças não alteraram a lógica da competição. Os partidos ainda buscam candidatos que poupem recursos e que possam trazer ativos. Um candidato reconhecido economiza recursos financeiros, que podem ser utilizados de outras formas nas campanhas eleitorais.

Mas, então, o que a candidatura de Pablo Marçal teria de diferente? As respostas parecem estar em uma nova conjuntura das formas e do negócio de comunicação, assim como na maior polarização política do País. O candidato do PRTB aproveita-se das transformações gerais nas formas de comunicação, inclusive na política, em que as redes sociais ocupam tanto espaço quanto os meios tradicionais, como a televisão. Segundo dados da pesquisa “A Cara da Democracia”, realizada pelo Instituto da Democracia ­(­INCT–IDDC), 27% dos brasileiros disseram ter as redes sociais como principal meio de informação sobre política, enquanto 32% ainda têm a televisão como esse meio.

O candidato do PRTB aproveita-se das transformações gerais nas formas de comunicação, inclusive na política

Partir para uma eleição com mais de 10 milhões de seguidores no Instagram dá a Marçal uma situação privilegiada para quem nunca ocupou cargo algum ou teve atuação política anterior. Além disso, não há nenhum incentivo para as grandes companhias de tecnologia regularem esse ambiente. Todo mundo ganha: o candidato influencer, que amplia sua base de seguidores nas redes, sempre um bom negócio, independentemente do resultado eleitoral, e as companhias, que vão lucrar com as polêmicas, os vídeos, a campanha na ­internet e mais views e likes, ainda que a informação veiculada não seja verdadeira.

Muitos dos veículos jornalísticos que vivem quase exclusivamente de receitas obtidas no universo digital parecem ter a mesma lógica. Basta ver como foram os primeiros debates transmitidos exclusivamente por streaming na cidade de São Paulo. Foram moldados para produzir polêmicas e engajamento nas redes sociais, no que foram bem-sucedidos, embora à custa de qualquer discussão relevante sobre a cidade.

A polarização política facilita a comunicação com os eleitores. Até 2014, perto de 45% dos brasileiros não conseguiam se posicionar no espectro esquerda-direita, enquanto ao redor de 25% se situava à direita, 20% ao centro, e 7%, à esquerda, segundo dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb/Cesop/Unicamp). Dez anos depois, 15% não sabem se posicionar, 36% estão à direita, 34% ao centro, e 15% à esquerda, segundo pesquisa do INCT–IDDC.

Ou seja, colocar-se ideologicamente de maneira clara ativa os atalhos cognitivos construídos na última década, em especial para o grupo mais à direita (que foi o que mais cresceu no período). E é aqui que o círculo de oportunidades institucionais e conjunturais se fecha e permite imaginar que teremos mais candidatos como Marçal pela frente.

Adotar uma tática de comunicação simples e direta, polêmica (muitas vezes violenta), orientada exclusivamente para as redes sociais e mobilizando preconceitos e notícias falsas misturadas com pontos de vista ideológicos facilmente identificáveis, quando bem-feita, continuará a render votos, e mais que isso, bastante dinheiro a muita gente. E serão os candidatos localizados mais à direita os maiores beneficiados, dada a maneira como esse campo político se organizou no Brasil nos últimos anos.

Para o sistema representativo, não é algo positivo. Ao contrário. Haverá mais oportunidades para a adoção de discursos populistas, premiando a elaboração de respostas simples para problemas complexos, sem contar os comportamentos e as práticas autoritárias. A atual interdição do debate político na cidade de São Paulo, em que praticamente só há reações a temas e questões pouco importantes para os habitantes, é apenas uma pequena amostra do que podemos ter nos próximos anos. •


*Professor de Ciência Política da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da mesma instituição.
Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2024, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver em https://observatoriodaseleicoes.com.br

Publicado na edição n° 1326 de CartaCapital, em 04 de setembro de 2024.

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Última Atualização: 29/08/2024