Uma nova Lei Geral da Gestão Pública: ambição demanda estratégia, por Jackson De Toni

Uma nova Lei Geral da Gestão Pública: ambição demanda estratégia

por Jackson De Toni

A minuta da nova Lei Geral da Gestão Pública, apresentada no dia 18 de dezembro, representa um marco transformacional para o Estado brasileiro, propondo uma refundação da sua arquitetura operacional e filosófica. Esta análise estratégica destina-se a decodificar suas principais inovações e implicações práticas para gestores que atuam na esfera pública. Em um movimento legislativo de grande envergadura, a lei se propõe a substituir, de forma definitiva, o modelo burocrático-formalista, consolidado pelo Decreto-Lei nº 200/1967 (Art. 154), por uma governança moderna, focada na efetividade das políticas públicas (Art. 2º) e na entrega de valor concreto à sociedade.

O propósito fundamental da lei, explicitado em seu Artigo 1º, sinaliza uma mudança de paradigma: o foco da Administração Pública desloca-se dos processos internos para a promoção de “políticas públicas efetivas que respondam às necessidades das pessoas e contribuam para o desenvolvimento sustentável e inclusivo”. Essa declaração de intenções não é meramente retórica; ela orienta toda a estrutura da norma, que se articula em torno de três pilares centrais:

  • Políticas Públicas Centradas nas Pessoas: A lei estabelece um ciclo de vida completo para as políticas públicas — da formulação à avaliação —, exigindo que sejam baseadas em diagnósticos, evidências e orientadas para a solução de problemas reais da sociedade.
  • Governança Colaborativa e em Rede: Rompe-se com a visão de um Estado isolado, promovendo um modelo de atuação articulada entre poderes, entes federativos, sociedade civil e setor privado para enfrentar desafios complexos.
  • Modernização da Gestão com Foco em Inovação e Resultados: A norma cria um ambiente propício à inovação, à transformação digital e à experimentação, ao mesmo tempo que moderniza a gestão de pessoas e patrimônio e redefine o sistema de controle para incentivar a tomada de decisão responsável.

Esta nova estrutura legal é sustentada por fundamentos filosóficos que redefinem os princípios e diretrizes da ação estatal, os quais analisaremos a seguir.

Fundamentos Filosóficos: Os Novos Princípios e Diretrizes da Ação Estatal

Os princípios e diretrizes estabelecidos no Título I da nova lei possuem uma importância estratégica que transcende a formalidade jurídica. Eles constituem o novo “DNA” da Administração Pública, a matriz interpretativa que deve orientar não apenas a aplicação de normas, mas, fundamentalmente, a tomada de decisão em todos os níveis de gestão, em contraponto direto a um modelo anterior que, ao priorizar a formalidade, frequentemente gerava decisões legalmente corretas, mas socialmente ineficazes. Ao internalizar esses conceitos, o gestor público passa a dispor de uma bússola para navegar em cenários de incerteza e complexidade.

A tabela abaixo sintetiza os conceitos mais impactantes e suas implicações práticas para o dia a dia da gestão:

Princípio/Diretriz-Chave Implicação Estratégica para o Gestor Público
Foco nas pessoas (Art. 3º, III) O desenho de serviços e políticas deve partir da perspectiva do cidadão (sua jornada, suas necessidades), e não da conveniência da máquina pública. Exige escuta ativa e empatia.
Governança colaborativa (Art. 4º, III) A solução de problemas públicos complexos não é mais uma responsabilidade isolada. O gestor deve atuar como um articulador de redes, envolvendo outros órgãos, entes federativos e parceiros externos.
Fundamentação em evidências (Art. 4º, IX) O “achismo” e a intuição perdem espaço para decisões baseadas em dados, diagnósticos e análises. O gestor precisa fortalecer a capacidade de coletar, analisar e usar informações de forma estratégica.
Sustentabilidade (Art. 3º, V) As decisões devem obrigatoriamente considerar os impactos de longo prazo nas dimensões ambiental, social e econômica, indo além do custo-benefício imediato.
Segurança jurídica (Art. 3º, VIII) A coerência e a previsibilidade nas decisões, com respeito aos precedentes, são valorizadas. Isso exige do gestor maior atenção à consistência de suas ações e à jurisprudência administrativa.
Consensualidade e consequencialismo (Art. 4º, X) O gestor é instruído a abandonar o “legalismo cego”. Antes de aplicar a norma de forma automática, deve-se negociar soluções (consensualidade) e avaliar rigorosamente as consequências práticas da decisão (consequencialismo), priorizando o resultado efetivo sobre a mera conformidade procedimental.

Além desses pilares, o Artigo 5º introduz uma missão de enorme relevância: a Administração Pública deve adotar, “de forma ativa e permanente, medidas voltadas ao fortalecimento da confiança da sociedade nas instituições democráticas”. Isso representa uma mudança de uma postura passiva — de simplesmente cumprir a lei — para uma postura proativa na construção da legitimidade do Estado, por meio da ética, da transparência e da comunicação qualificada.

A seguir, veremos como esses princípios se materializam no principal propósito da Administração: a formulação e execução de políticas públicas.

O Ciclo de Políticas Públicas: o foco é no Cidadão

O Título II da lei pode ser considerado o coração de toda a reforma. Ele reestrutura o ciclo de vida das políticas públicas, desde a sua concepção até a mensuração de seus resultados, institucionalizando um modelo de gestão contínua, adaptativa e, acima de tudo, orientada para o cidadão. Abandona-se a lógica de ações pontuais e fragmentadas em favor de um processo integrado e inteligente.

1. A Centralidade das Políticas Públicas e o Fortalecimento das Capacidades Estatais

A lei define “políticas públicas” como a ação do Estado orientada para o enfrentamento de problemas e a realização de objetivos de interesse público (Art. 6º). Crucialmente, o texto reconhece que a efetividade dessas políticas depende diretamente do fortalecimento das “capacidades estatais” — o conjunto de instrumentos, regras e recursos (humanos, tecnológicos, financeiros) que o Estado possui para transformar intenções em ações concretas (Art. 7º, Parágrafo único).

Nesse contexto, a criação de um “catálogo unificado de políticas públicas” (Art. 9º) é uma inovação de grande importância estratégica. Ele funcionará como uma plataforma centralizada de informações, promovendo a coordenação, facilitando a cooperação entre União, estados e municípios, e oferecendo transparência para que o cidadão conheça as ações disponíveis e como acessá-las.

2.  Formulação e Implementação: Um Novo Arsenal de Instrumentos

Na fase de formulação, a lei estabelece novas exigências, como a obrigatoriedade de realizar diagnósticos do problema e análises de alternativas de ação (Art. 10). Para a fase de implementação, o Artigo 11 oferece ao gestor um rol diversificado de ferramentas, conferindo maior flexibilidade para desenhar soluções adequadas a problemas de diferentes naturezas. Os principais grupos de instrumentos são:

  1. Parcerias Federativas: Incluem convênios, consórcios públicos e acordos de cooperação, fortalecendo a atuação conjunta entre União, estados e municípios.
  2. Colaboração com a Sociedade Civil: Engloba termos de colaboração, fomento e parceria, reconhecendo o papel vital das ONGs na execução de políticas.
  3. Colaboração com o Setor Privado: Abrange desde contratos administrativos tradicionais, como concessões, até acordos de cooperação técnica e contratos de impacto social.
  4. Instrumentos Regulatórios: Vão além da simples emissão de normas, incluindo incentivos (premiações e sanções), acordos e “ambientes experimentais” com exceções regulatórias para testar inovações.
  5. Instrumentos de Fomento e Indução: Utilizam mecanismos como prêmios, bolsas, subvenções e financiamentos coletivos para estimular ações de interesse público.

Essa ampliação do rol de instrumentos representa uma mudança de paradigma: o gestor público deixa de ser um mero executor de modelos pré-definidos para se tornar um “arquiteto de soluções”, com a autonomia e a responsabilidade de montar o arranjo institucional mais eficaz para cada problema público.

Monitoramento e Avaliação: A Institucionalização do Aprendizado Contínuo

Os Artigos 16 a 20 tornam o monitoramento e a avaliação componentes obrigatórios e permanentes do ciclo de gestão. O objetivo é claro: verificar se a intervenção governamental está, de fato, gerando os resultados pretendidos. A lei prevê três modalidades de avaliação com propósitos distintos:

Modalidade de Avaliação Propósito (Conforme Art. 18)
Avaliação Prévia Realizada na fase de formulação ou redesenho para subsidiar a tomada de decisão e aumentar a probabilidade de sucesso.
Avaliação Concomitante Conduzida durante a implementação para acompanhar o andamento, identificar ajustes necessários e promover aprendizado.
Avaliação Posterior Realizada após a implementação para aferir os resultados, impactos e a sustentabilidade da política em relação aos objetivos originais.

O ponto mais transformador é o disposto no Artigo 20: os resultados da avaliação devem retroalimentar o processo decisório, servindo de subsídio para a “manutenção, ajustes, ampliação ou interrupção” das políticas. Além disso, seu parágrafo 1º estabelece que a análise não se limitará a critérios de “economicidade e eficiência”, devendo incluir “eficácia e efetividade, bem como de equidade e atendimento de demandas coletivas”. Isso institucionaliza uma cultura de aprendizado contínuo, onde o erro é visto como uma fonte de informação para o aprimoramento da ação estatal orientada ao valor social.

Para viabilizar esse ciclo dinâmico de políticas públicas, a lei propõe um novo modelo de governança que conecta os diferentes atores do Estado e da sociedade.

Governança Pública Colaborativa: O Estado em Rede

O Título III da lei introduz o conceito de “governança pública colaborativa” como a espinha dorsal relacional da nova Administração. A norma rompe definitivamente com a visão de um Estado hierárquico e isolado, promovendo um modelo de atuação em rede que integra diferentes poderes, entes federativos e atores não estatais na busca por soluções para problemas públicos.

1. O Modelo de Governança, a Articulação Federativa e a Inclusão

A governança pública, segundo o Artigo 22, tem como objetivos qualificar todo o ciclo de políticas públicas, priorizar mecanismos colaborativos e simplificar práticas administrativas. Um dos focos centrais é a articulação federativa (Arts. 29 a 36). A lei prevê mecanismos robustos de cooperação, como a assistência técnica da União aos municípios e estados para fortalecer suas capacidades (Art. 32). Estrategicamente, determina que as exigências para acesso a recursos federais devem considerar as diferentes capacidades institucionais dos entes, evitando que municípios com menor estrutura sejam excluídos (Art. 36).

Além disso, a lei inova ao determinar que a Administração Pública adote medidas ativas de promoção de diversidade e inclusão nas estruturas de governança (Art. 25), como “sistemas de cotas, bônus, metas ou mecanismos similares”, buscando garantir que os espaços decisórios reflitam a pluralidade da sociedade brasileira.

2.  Novas Regras para Parcerias: Sociedade Civil e Setor Privado

A lei moderniza as regras para parcerias com atores não estatais, tornando-as mais estratégicas e menos burocráticas. No que tange às Organizações da Sociedade Civil (OSCs), os Artigos 37 a 39 determinam a adoção de procedimentos simplificados e proporcionais, com foco no cumprimento do objeto da parceria. Crucialmente, a norma respeita a autonomia de gestão dessas entidades, vedando a exigência de que adotem regras de contabilidade pública ou procedimentos de compras similares aos do Estado, uma antiga demanda do setor.

Para a colaboração com o Setor Privado, os Artigos 40 a 44 estabelecem objetivos claros, como o compartilhamento de riscos e a captação de recursos para políticas públicas. A lei prevê que, quando a parceria gerar benefícios para a empresa, o instrumento de colaboração deverá incluir condicionalidades de interesse público, como o compartilhamento de propriedade intelectual, metas de geração de empregos ou limitações de preços de produtos e serviços desenvolvidos com apoio estatal.

Para que essa nova governança em rede funcione, a própria “máquina pública” precisa ser modernizada internamente, tema da próxima seção.

A Modernização da Máquina Pública: Inovação, Digitalização e Gestão

O Título IV funciona como um manual para a modernização interna da Administração Pública. Esta seção detalha as transformações operacionais indispensáveis — em gestão de pessoas, patrimônio, inovação e tecnologia — para construir a “casa de máquinas” capaz de sustentar os novos paradigmas de governança e políticas públicas.

1. Inovação e Experimentação: A Gestão do Risco e a Proteção ao Gestor

A lei cria um robusto arcabouço para a inovação pública (Arts. 56 a 68), tratando-a não como um evento esporádico, mas como uma capacidade a ser cultivada. São introduzidos conceitos como “ambientes experimentais” (Art. 63), que permitem a suspensão temporária e controlada de exigências regulatórias para testar novas soluções em um ambiente seguro.

O dispositivo de maior impacto estratégico, contudo, é o Artigo 66. Ele estabelece uma proteção fundamental ao gestor público inovador, determinando que agentes que agiram de boa-fé e com diligência em iniciativas que não alcançaram os resultados esperados não serão responsabilizados administrativamente pelo insucesso. Para isso, é necessário que o processo tenha sido bem documentado, com gestão de riscos e monitoramento. Este artigo não é apenas uma proteção legal; é o alicerce para uma nova cultura administrativa, onde a experimentação e o risco calculado são reconhecidos como componentes essenciais da boa gestão, e não como desvios a serem punidos.

2. Transformação Digital e Governança de Dados

A transformação digital é elevada à categoria de política de Estado, orientada pelo princípio do “digital como padrão” (Art. 70), que preconiza que os serviços públicos já nasçam digitais, mantendo-se canais não digitais para garantir a inclusão. As diretrizes para essa transformação incluem:

  • Interoperabilidade: Sistemas devem conversar entre si para evitar a redundância de dados e simplificar a vida do cidadão.
  • Foco na experiência do usuário: Os serviços devem ser projetados de forma simples, acessível e intuitiva.
  • Soberania digital: O Estado deve buscar autonomia tecnológica, evitando a dependência excessiva de fornecedores específicos.

A lei também estabelece diretrizes para o uso de Inteligência Artificial (Art. 74), ressaltando a centralidade do ser humano, a transparência algorítmica e o combate a vieses discriminatórios, posicionando o Brasil na vanguarda da regulação do tema no setor público.

3. Gestão Estratégica de Pessoas e Patrimônio

A nova lei alinha a gestão de pessoas às necessidades estratégicas do Estado (Arts. 48 a 52). O foco passa a ser o fortalecimento de competências e a alocação da força de trabalho de acordo com as prioridades das políticas públicas. Como exemplo de modernização, a lei prevê a criação de “equipes de trabalho matriciais” (Art. 52), estruturas flexíveis e multidisciplinares para atuar em projetos estratégicos por tempo determinado.

Na gestão do patrimônio público (Arts. 53 a 55), a diretriz é a eficiência e a função social. Imóveis públicos subutilizados ou sem uso deverão ser destinados prioritariamente para finalidades de interesse social, como provisão habitacional ou regularização fundiária, transformando ativos ociosos em ferramentas para a execução de políticas públicas.

Essa modernização da gestão interna exige também uma reorganização da própria estrutura da Administração Pública.

Reorganização Estrutural e o Novo Papel das Entidades Públicas

O Título V da lei atualiza a arquitetura da Administração Pública, redefinindo as funções das entidades da Administração Indireta e, de forma crucial, o modelo de supervisão exercido pela Administração Direta. O foco do controle de tutela migra da verificação de processos para a contratualização de resultados e o acompanhamento do desempenho.

A tabela a seguir resume as principais características e inovações para cada tipo de entidade:

Tipo de Entidade Definição Chave (Conforme a Lei) Principal Inovação/Regime
Autarquias Pessoas jurídicas de direito público que executam atividades típicas da Administração de forma descentralizada (Art. 90). Criação de um regime especial (Art. 92) para autarquias que necessitem de maior autonomia (reguladoras, de fomento, de pesquisa), com governança reforçada.
Empresas Estatais Instrumentos de ação do Estado, com regime jurídico privado, para a prestação de serviços públicos ou exploração de atividade econômica (Art. 94). Reforço do equilíbrio entre sua função como instrumento de políticas públicas e as melhores práticas de governança corporativa e atuação de mercado, alinhando planos estratégicos aos objetivos do governo.
Fundações Estatais de Direito Privado Pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, destinadas a atividades de interesse público não exclusivas do Estado (Art. 101). Formalização de sua natureza e regime, com maior flexibilidade administrativa para a execução de políticas públicas, especialmente na prestação de serviços.

O mecanismo central dessa nova relação é a supervisão por meio de “contratos de gestão” ou instrumentos similares (Art. 89). Estes acordos, firmados entre as entidades e seus órgãos supervisores, permitem a concessão de maior autonomia gerencial, orçamentária e financeira em troca do cumprimento de metas de desempenho. Isso representa uma mudança fundamental, substituindo um controle formalista e muitas vezes paralisante por uma relação baseada em confiança, responsabilidade e foco em resultados.

Essa nova estrutura organizacional precisa ser sustentada por um sistema de controle e integridade igualmente moderno e inteligente.

Integridade e Controle: Risco, Consensualidade e Responsabilização

O Título VII da lei é uma resposta direta à percepção de que o sistema de controle atual muitas vezes gera mais paralisia do que eficiência. A nova legislação propõe uma filosofia de controle mais inteligente e menos punitiva, focada em riscos, resultados e aprendizado organizacional, ao mesmo tempo que redefine a responsabilidade do agente público para oferecer maior segurança à tomada de decisão.

A abordagem das atividades de controle muda radicalmente. O modelo antigo, focado em procedimentos meramente formais, é substituído por novas diretrizes que exigem foco em resultados e gestão de riscos (Art. 131, II), além de racionalização para evitar sobreposições e custos de controle desproporcionais aos benefícios.

Uma das inovações mais estratégicas é a priorização de “instrumentos consensuais” (Art. 140), como termos de ajustamento de gestão e recomendações de auditoria. Essa abordagem é mais eficiente do que um modelo puramente sancionador, pois busca a correção de falhas e o aprimoramento da gestão de forma colaborativa, em vez de focar apenas na punição pelo erro passado.

O ponto culminante dessa nova filosofia é o novo regime de responsabilização do agente público (Art. 131, VII e Arts. 144 a 147). A lei estabelece com clareza que a responsabilização pessoal do gestor, seja por órgãos de controle ou judicialmente, dependerá da comprovação de “dolo ou erro grosseiro”. Isso significa que o erro comum, cometido de boa-fé em um cenário de complexidade e incerteza, não deve gerar punição. Na prática, esta é a cláusula que visa a destravar a Administração Pública, combatendo diretamente o “apagão das canetas” e devolvendo ao gestor probo a segurança jurídica necessária para decidir e inovar em cenários de alta complexidade, onde o risco de insucesso é inerente à busca por soluções efetivas.

Todas essas transformações convergem para um novo modelo de gestão que, agora, precisa ser efetivamente implementado.

Conclusão: estratégia de implementação

A proposta da Lei Geral da Gestão Pública tem como foco central  a efetividade das políticas públicas e a mudança do modelo operacional do Estado. A proposta estrutura a administração em torno do “ciclo de políticas públicas” (formulação, implementação, monitoramento e avaliação). A filosofia é orientada para fora (o cidadão e a entrega de valor), promovendo uma governança colaborativa e transversal. Difere muito da proposta da PEC 38/25 de reforma administriva. Nesta o foco central é a gestão de recursos humanos e a estrutura de pessoal. A proposta ataca gargalos mais administrativos, regulamentando concursos, carreiras, desempenho, estágio probatório e contratações temporárias. A filosofia é voltada para a profissionalização, mérito e racionalização da força de trabalho.

A nova Lei Geral da Gestão Pública não é uma simples reforma administrativa; é uma proposta de refundação do Estado brasileiro. Ela articula três rupturas de paradigma fundamentais: a transição de um foco em processos para um foco em resultados e pessoas; de uma estrutura hierárquica e isolada para uma governança colaborativa em rede; e de um controle formalista e punitivo para um sistema baseado em risco, aprendizado e responsabilização qualificada.

A aprovação da lei é o primeiro passo. Sua transformação em realidade dependerá da superação de desafios complexos e uma verdadeira mudança cultural geracional. Para os gestores que atuarão sob sua égide, três desafios estratégicos se destacam:

  1. Mudança Cultural e Capacitação: O maior desafio não é normativo, mas cultural. Será preciso conduzir a transição de uma cultura de aversão ao risco e conformidade estrita aos procedimentos para uma de resolução proativa de problemas e assunção de riscos responsáveis, fundamentada em evidências. Isso exigirá um investimento massivo e contínuo em capacitação em todos os níveis da federação.
  2. Fortalecimento das Capacidades Estatais: A lei é ambiciosa e seu sucesso depende diretamente do fortalecimento efetivo das capacidades de planejamento, monitoramento e avaliação, especialmente em municípios e estados com menor estrutura. Sem isso, as diretrizes de gestão baseada em evidências e políticas públicas efetivas correm o risco de não saírem do papel.
  3. Articulação entre Gestão e Controle: A nova relação colaborativa e baseada em confiança entre gestores e órgãos de controle é um dos pilares da lei. Construir essa parceria, superando décadas de uma cultura de desconfiança mútua, será fundamental para que a nova filosofia de responsabilização funcione na prática e incentive a boa gestão. Em última análise, o sucesso desta nova articulação com o controle é o que permitirá a consolidação da mudança cultural (desafio 1) e viabilizará o ambiente de confiança necessário para o fortalecimento das capacidades estatais (desafio 2).

Em suma, a nova lei entrega aos gestores brasileiros a “planta baixa” ou os “chassis”, de um Estado mais inteligente, flexível, ágil e eficaz; contudo, a solidez da edificação dependerá da competência e do compromisso dos grupos decisores nacionais em transformar essa arquitetura normativa em realidade palpável para o cidadão. Isso implicará um longo e complexo processo de diálogo, escuta e convencimento de setores estratégicos, nos quais o próprio funcionalismo público deverá desempenhar protagonismo essencial.

Jackson De Toni – [email protected] – Economista, Doutor em Ciência Política pela UnB. Professor de Planejamento Governamental na ENAP e FGV.

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