O jornal “Trotskista” Luta de Classes, da França, reproduziu uma entrevista do jornal norte-americano Combat com o cientista político Joseph Daher. Apesar de encontrarmos no fim da publicação do Luta de Classes uma nota destacando que os artigos republicados pelo jornal “Trotskista” “não refletem necessariamente as posições da organização”, é claro que a entrevista foi republicada por haver uma convergência de ideias entre a organização francesa, o Combat e Joseph Daher, que se autoproclamam todos socialistas, revolucionários e marxistas. Por isso, nos damos a liberdade de criticar os três pelas posições expostas na entrevista.
O cerne da questão é o recente golpe de Estado realizado na Síria, que derrubou o governo de Bachar al-Assad, o qual é chamado de “ditadura”, conforme a propaganda golpista do imperialismo contra o governo sírio. “Nem as forças militares do regime, nem seu padrinho imperial, a Rússia, nem seu sustento regional, o Irã, tiveram como defendê-lo”, diz a introdução do Combat, que segue:
“As vilas controladas pelo regime foram libertadas, milhares de prisioneiros políticos saíram dos seus célebres calabouços e, pela primeira vez em decênios, um espaço se abriu para um novo combate a favor de uma Síria livre, inclusiva e democrática”. [Grifos nossos]
Apenas pela introdução vemos colocada as seguintes teses: o governo sírio era uma ditadura que foi derrubada por uma rebelião que “libertou” as cidades sob o controle do governo e que agora permite uma luta por Síria “livre” e “democrática”; o governo russo, que apoiou o governo Assad contra as organizações armadas financiadas pelo imperialismo dos Estados Unidos, é “imperialista”; e a queda de Assad é boa para as chamadas minorias (por isso, uma Síria “inclusiva”), os homossexuais, as mulheres e minorias étnicas como os curdos.
Ainda, numa completa falta de noção do que realmente aconteceu na Síria, Combat, Luta de Classes e Daher defendem uma luta, simultânea, contra o Hayat Tahrir al-Sham (HTS), fachada da Al-Qaeda na Síria apoiada pelos EUA, e o Exército Nacional Sírio (ENS), apoiado pela Turquia de Erdogan. Isso, porque, supostamente, o que teria derrubado o governo Assad não foi uma operação imperialista na qual o HTS, de Muhammad al-Jawlani, mas uma rebelião popular. Portanto, seria papel da “revolução” lutar tanto contra o HTS, pró-imperialista e que levou o golpe contra Assad, mas também contra as forças nacionalistas pró Turquia, que assumiu um caráter secundário na derrubada do governo — manobrando diante da situação complicada na região.
Mas o artigo não fez questão de destacar essa diferença de classe (burguesia imperialista e burguesia nacional de um país atrasado), ao contrário, esquecem totalmente a análise classista (isto é, marxista e revolucionária) e atacam as duas forças militares não pela política pró-imperialista (mesmo que, no caso do ENS, não seja exatamente esse o caso), mas por terem um “passado de sectarismo religioso e étnico”.
É contraditório, porém, que os nossos “revolucionários” caracterizem a derrubada de Assad como uma revolução, mesmo admitindo que tanto a HTS quanto o ENS foram “o ferro da lança da vitória militar [contra o governo Assad]”. A afirmação, em si, não é certeira, tendo em vista que o centro da operação foi realizada pela HTS, apoiada pelos EUA, tendo os turcos assumido uma posição de manobrar com as forças vitoriosas para defender seus próprios interesses nacionais. Quer dizer, seria uma “revolução” liderada pelo imperialismo, uma novidade histórica e totalmente em desacordo com a política marxista, que aponta o imperialismo como o centro da contrarrevolução mundial. Estaríamos, no entanto, diante de uma “revolução” liderada pela contrarrevolução imperialista.
A análise da luta de classes não é, porém, o forte dos nossos revolucionários. Como vimos, a própria Rússia, cujo governo Putin é o principal opositor do imperialismo na Europa, seria imperialista e o governo nacionalista de Assad tem que ser derrubado por ser uma “ditadura”. Ou seja, a luta de classes é totalmente substituída por uma suposta luta entre “democracia” e “ditadura”, e o “ferro da lança” da luta “democrática” seria uma organização apoiada e financiada pelo imperialismo norte-americano.
Eles, ainda, se colocam na posição de criticar “alguns militantes de esquerda” que, corretamente, afirmaram, “sem fundamentos”, segundo os “revolucionários”, que a “rebelião foi orquestrada pelos Estados Unidos e por Israel”. Mas, tal como cegos em um tiroteio, também criticam os que “idealizaram essas forças rebeldes [a HTS], estimando que elas reviviam a revolução popular […] que quase derrubou o regime Assad em 2011”. “Nem uns nem os outros compreendem a dinâmica complexa que se desenvolve hoje na Síria”.
Essa política, no entanto, é um apoio, de fato, às forças contrarrevolucionários que foram “idealizadas” por alguns. Por mais que se coloquem numa posição de atirar para todos os lados, resultado de uma política confusa sem sustentação na luta de classes, Combat, Daher e Luta de Classes apoiaram a derrubada de Assad pelo imperialismo, em conluio com o sionismo. Isso, de forma alguma, poderia ser apoiado por grupos e personalidades que se dizem marxistas, socialistas e revolucionários.
No caso de Luta de Classes é ainda pior, tendo em vista que se proclamam abertamente trotskistas. No entanto, a posição trotskista (que é a posição tradicional do marxismo, de Marx a Lênin) é sempre se colocar contra o imperialismo em seus ataques aos governos de países atrasados.
No Programa de Transição (1938), Trotsky coloca claramente:
“Nem todos os países do mundo são imperialistas. Ao contrário, a maioria é vítima do imperialismo. Alguns dos países coloniais ou semicoloniais tentarão, sem dúvida alguma, utilizar a guerra para sacudir o jugo da escravidão. Da parte deles, a guerra não será imperialista, mas de libertação. O dever do proletariado internacional será ajudar os países oprimidos na guerra deles contra os opressores. Esse mesmo dever aplica-se em relação à ajuda à URSS ou a qualquer outro governo operário que possa surgir antes da guerra ou durante ela. A derrota de qualquer governo imperialista na luta contra um Estado operário ou país colonial é o mal menor”.
Trótski, assim, assume a posição de “ajudar os países oprimidos na guerra deles contra os opressores”, pois “a derrota de todo governo imperialista na luta contra um Estado operário ou um país colonial é o mal menor”. Ou seja, a classe operária deve lutar ao lado dos países coloniais, em defesa de seus interesses nacionais, contra o imperialismo, o qual é o mal maior.
A afirmação de que “alguns dos países coloniais ou semicoloniais tentarão, sem dúvida alguma, utilizar a guerra para sacudir o jugo da escravidão. Da parte deles, a guerra não será imperialista, mas de libertação” é, também, uma demonstração de que as guerras da Rússia (um dos Estados atacados pelos “revolucionários” no artigo), atualmente, não são imperialistas, mas de libertação.
Mais ainda, Trótski continua:
“Os operários de um país imperialista não podem, entretanto, ajudar um país anti-imperialista por intermédio de seu governo, quaisquer que sejam, em dado momento, as relações diplomáticas e militares entre os dois países. Se os governos estabelecem uma aliança temporária e, no fundo, incerta, o proletariado do país imperialista deve continuar em oposição de classe a seu governo e apoiar o ‘aliado’ não imperialista deste por seus próprios meios, quer dizer, pelos métodos da luta de classes internacional (agitação em favor do Estado operário e do país colonial, não somente contra seus inimigos, mas também contra seus pérfidos aliados: boicote e greve em certos casos, denúncia ao boicote e à greve em outros etc.)”.
E mais, para não haver mais interpretações: “Ao apoiar um país colonial ou a URSS, o proletariado não se solidariza minimamente, nem com o governo burguês do país