Uma mente confusa, um raciocínio caótico, por Fernando Castilho
Jair Bolsonaro vem dando entrevistas, e em cada uma delas, novos fatos sobre a tentativa de golpe são revelados, para desespero de seus advogados, que têm a difícil missão de seguir atrás para catar os pedaços de biscoito que o garoto mimado vai derrubando pelo carpete enquanto come e caminha.
A última dessas entrevistas foi para a Rádio Gaúcha de Porto Alegre. Diferentemente de entrevistas anteriores, as jornalistas Andressa Xavier, Rosane de Oliveira e Giane Guerra não se contentaram em apenas perguntar e ouvir as respostas do ex-presidente. Foram bem além, expondo as contradições e colocando-o contra a parede em várias ocasiões. O capitão acusou o golpe (sem trocadilho) várias vezes, preferindo, em vez de responder, recorrer a Adélio Bispo, no caso da facada, e ao velho bordão “e o Lula?”
A pergunta mais contundente, da qual Bolsonaro insistia em fugir como ele próprio foge da cruz, foi sobre a reunião com os comandantes do Exército e da Aeronáutica, quando estes se negaram a concordar com a decretação do Estado de Sítio e da GLO (Garantia da Lei e da Ordem). O capitão tergiversou o quanto pôde, mas acabou admitindo que a reunião existiu, mas dentro das quatro linhas da Constituição. Afirmou que ela foi necessária porque o PL de Valdemar Costa Neto havia entrado com recurso no TSE para anular uma certa quantidade de urnas, o que foi negado por Alexandre de Moraes. O ministro acabou multando o PL em 22 milhões de reais (22 era o número de Bolsonaro na eleição), o que comprovaria a perseguição ao ex-presidente. O capitão omitiu o fato de que Valdemar só queria anular as urnas do segundo turno porque, caso as do primeiro turno fossem também anuladas, muitos deputados de seu partido poderiam perder seus votos e não se eleger. Moraes aplicou a multa por litigância de má-fé. Bolsonaro disse que teria que recorrer aos dois decretos, uma vez que, caso o PL apresentasse novo recurso ao TSE, poderia ser multado em 200 milhões de reais. Ora, vejam quanto malabarismo e canalhice.
A entrevistadora insistiu em saber qual seria o motivo para a decretação de Estado de Sítio e GLO, já que esses dispositivos, embora constitucionais, não se aplicam em casos em que um presidente perde a reeleição. Bolsonaro voltou a Adélio, afirmando, sem nenhum fundamento, que ele tinha 4 celulares e 4 advogados e que, por isso, tinha gente poderosa por trás. Voltou também a Lula, dizendo que o presidente visitou, durante a campanha, o Complexo do Alemão, junto com traficantes (o que é mentira), mas não perdeu a elegibilidade por conta disso, enquanto ele, só por ter feito uma reunião com embaixadores, em que afirmou que nosso sistema eleitoral é fraudável, se tornou inelegível por oito anos. Ele realmente acha que as duas coisas são iguais?
Teve um momento engraçado: à certa altura, Bolsonaro disse à repórter que as medidas ilegais de censura e perseguição de Alexandre de Moraes iriam acabar por atingi-la algum dia também, ao que ela respondeu que não estava preocupada por não ser golpista. Como ele pode falar tanta asneira?
Se Bolsonaro, a cada entrevista, entrega parte do ouro, desta vez deixou seus advogados de cabelo em pé ao confirmar que a reunião com os comandantes do Exército e da Aeronáutica para elaborar os dois decretos, ocorreu, de fato.
Com certeza, o capitão neste momento está sendo monitorado fisicamente para evitar sua fuga, mas também tem suas entrevistas acompanhadas com muito cuidado para captar os deslizes que ele comete em suas falas, sempre que se empolga.
Tentei me colocar no lugar do ouvinte da Rádio Gaúcha que, embora tenha um perfil predominantemente conservador, deve, ao menos, ter percebido que Bolsonaro não consegue desenvolver um raciocínio lógico nem responder de maneira convincente às perguntas feitas pelas jornalistas. Aliás, vale lembrar que, à certa altura da entrevista, o capitão reclamou de uma das repórteres, justamente porque ela estaria impedindo que ele desenvolvesse seu raciocínio. Que raciocínio?
Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.
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