Como Procuradora Especial da Mulher no Senado Federal, tenho trabalhado para que a Câmara dos Deputados paute e vote o quanto antes meu projeto de lei (PL 3.244/2020) que acelera o processo muitas vezes lento da Justiça para socorrer mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil. Justiça que tarda falha! A demora em alcançar uma medida judicial protetiva e de socorro pode significar omissão que abre portas para o feminicídio. A vida das mulheres brasileiras está em jogo.
Ao alterar e aperfeiçoar a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), minha proposição torna expresso o direito que a mulher em situação de violência doméstica e familiar tem de optar pelo ajuizamento de ações de família nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar. A mudança evita a revitimização no atendimento à mulher agredida e agiliza, por exemplo, pedidos de divórcio, extinção de união estável, pensão alimentícia, guarda de filhos, direito de visitação, partilha de bens, entre outras medidas judiciais que ela decida tomar.
Em outras palavras, minha proposta deixa claro, no texto da Lei Maria da Penha, que os Juizados de Violência Doméstica e Familiar têm, sim, competência para tratar de todas as ações de família. Aprovada a medida, haverá mais agilidade nos trâmites, permitindo-se que um mesmo juiz possa cuidar tanto do caso de agressão quanto dos pedidos de divórcio, pensão, guarda de filhos, entre outras demandas.
Isso dá mais rapidez nesses processos. Imagine: de imediato, o juiz que cuida do caso de violência doméstica inicia o processo de separação. É um avanço importante para reduzir o calvário percorrido por muitas mulheres que sofrem violência e querem virar essa página dolorosa da vida. A mulher agredida e ofendida não mais se verá obrigada a litigar com o agressor em ação ajuizada na Vara de Família.
Dor revivida
Apesar de lei anterior (Lei 13.894/2019) já ter afirmado a competência dos Juizados de Violência Doméstica nessas ações, a prática ainda é encaminhá-las às Varas Cíveis e de Família, obrigando a mulher a relatar a agressão sofrida perante dois juízes diferentes, depois de já ter revivido essa dor no depoimento às autoridades policiais.
Nesse sentido, o que tem ocorrido, portanto, é o envio sumário dos processos às Varas Cíveis e de Família. Ou seja, a mulher sofre a agressão, procura o poder público e tem de relatar várias vezes as violências sofridas: perante a polícia, o delegado e a dois juízes diferentes.
Se o PL 3.244/20 virar lei, ao menos esta última parte do trajeto será abreviada, com todas as ações decorrentes do episódio da agressão correndo em um mesmo Juizado. Essa mudança é uma das maiores medidas protetivas. O projeto ajuda a mulher a sair mais rapidamente de uma situação terrível, que, além de tudo, favorece o risco de novas agressões e até de feminicídios, pela demora na resolução de questões de família.
Partilha de bens
De acordo com a proposta, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher serão competentes para conhecer e julgar inclusive a partilha de bens, se assim o requerer vítima de violência patrimonial.
A proposição legislativa também valoriza o princípio da economia processual, pois dificulta a prolação de decisões conflitantes e potencializadoras de conflitos familiares, inclusive na partilha de bens, especialmente quando a ofendida também sofre violência patrimonial. Minha proposta ainda inclui a separação de corpos entre as medidas protetivas de urgência que o juiz poderá decretar para proteger a vítima.
Justiça mais rápida
No Senado, o projeto contou com relatório favorável da então senadora Simone Tebet (MDB-MS), que considerou a matéria um salto no combate à violência contra a mulher. Seu relatório acolheu emenda que inclui a pensão alimentícia entre os pedidos que podem ser feitos ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar. A sugestão foi feita pela promotora Érica Canuto, do Ministério Público do Rio Grande do Norte.
Somar esforços suprapartidários no Parlamento resultará em um avanço na legislação brasileira no que se refere à proteção dos direitos das mulheres. Nossa finalidade é uma justiça mais rápida, que garanta vida digna e não chegue somente depois da morte de uma mulher. Trabalho no campo político e legislativo no convencimento dos deputados e das deputadas para que esta proposta seja votada, aprovada e vire lei o quanto antes, porque pode salvar muitas brasileiras de perseguições e até de assassinato. As mulheres não podem esperar mais.
Combate ao feminicídio
Quando tomei esta iniciativa legislativa, em 2021, os casos de violações dos direitos das mulheres tinham aumentado exponencialmente no país durante a pandemia de Covid-19. O cenário aumentava a necessidade de se reduzir o sofrimento das mulheres que procuram a proteção da Justiça. Durante a sessão que aprovou o projeto, destaquei, ainda, outro aspecto da proposta: muitas vezes, nessa peregrinação, mulheres são assassinadas.
Um dia de espera por uma decisão judicial pode ser o intervalo entre a vida e morte. Sem dúvida, busquei soluções diante da constatação desta realidade. Conforme amplamente demonstrado no noticiário, a violência doméstica contra a mulher cresceu na pandemia, mas nossa proposta procura ir além e visa também combater um histórico de violências estruturais contra a população feminina, vítima de machismo, misoginia e preconceitos de toda ordem ao longo de séculos no Brasil.
Avanço de nova lei
O Senado já aprovou o PL 3.244/2020, e estamos avançando na Câmara graças à sensibilidade humana e à luta política da relatora, a incansável deputada Laura Carneiro (PSD-RJ). Faço novo apelo para que os deputados e as deputadas apreciem este projeto de minha autoria tendo um olhar diferenciado e atento à urgência que esse problema grave exige do Parlamento.
O PL 3.244/2020 foi aprovado pelo Senado em 2021, tendo sido enviada à Câmara em abril daquele ano para análise dos deputados e das deputadas. A deputada Laura Carneiro já apresentou parecer favorável ao texto na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), na qual aguarda votação.
Designada relatora e trabalhando no convencimento dos colegas, Laura também conseguiu aprovação de seus pareceres nas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) em novembro de 2023 e de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER) em abril de 2024. Os substitutivos da relatora pela aprovação apensaram (juntaram) ao texto outros projetos em tramitação na Câmara sobre a mesma temática, como o PL 6998/2017, o PL 10876/2018, o PL 2251/2019, o PL 320/2020 e o PL 2298/2023.
Na Câmara, o fluxo de tramitação foi assim definido: a proposta passa pelas comissões de Seguridade Social e Família; dos Direitos da Mulher; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois segue para votação pelo Plenário da Câmara. Se aprovada sem modificações do texto da Casa de origem, o Senado, seguem para sanção da Presidência da República. Caso haja mudanças no texto, a proposta volta ao Senado para nova deliberação.
Tenho alertado: cada segundo de demora do Estado e do Poder Judiciário pode custar a vida de muitas brasileiras. Precisamos cobrar rapidez. Estamos falando de proteger a vida e amenizar o sofrimento das mulheres, quando vítimas de violência doméstica e familiar, no longo caminho que enfrentam quando recorrem a processos judiciais em busca de alguma reparação.