As eleições na França levantaram novamente a discussão sobre a Frente Popular, pois a esquerda lançou a Nova Frente Popular (NFP). Uma união da França Insubmissa (FI), de Mélenchon, o Partido Comunista (PCF), o Partido Socialista (PS) e os verdes. O PCB publicou um artigo criticando a NFP, pois supostamente ela estaria divergindo das origens revolucionárias da antiga Frente Popular, da década de 1930. O artigo é intitulado: Os comunistas, a frente popular e as eleições na França e foi publicado no portal do PCB.
Ele começa citando o perigo da ascensão da extrema direita e destaca: “deveríamos construir uma nova ‘Frente Popular’ contra eles, inspirados pelo grande levante operário e republicano que, em 14 de julho de 1935, viu o PCF-SFIC, o PS-SFIO, os Radicais, a CGT e a CGTU declararem juntos, sob as dobras mistas das bandeiras vermelha e tricolor, o Juramento de uma Frente Popular antifascista para a qual, além disso, o VII Congresso da Internacional Comunista havia convocado pela voz de Georges Dimitrov? Em princípio, a resposta a essa pergunta só pode ser mil vezes Sim… desde que, é claro, seja uma aliança digna de seu grande precedente histórico de 1936, e não mais uma reciclagem da união de euro-esquerdistas atlantistas e liberais compatíveis, cujas repetidas traições, somadas às políticas de euro-austeridade de Sarkozy, Hollande, Valls e Macron, estão precisamente na origem da maré ‘azul-marinho’ em setores populares”.
A colocação é interessante, pois eles criticam os neoliberais na atual NFP, que são os verdes e o PS, mas afirma que a Frente Popular de 1936 foi uma organização revolucionária, o que não é verdade. Os Radicais naquele momento faziam o papel do PS atualmente. A diferença é que o movimento operário estava em ascensão e conseguiu dominar a extrema direita por meio da mobilização. Hoje, isso não acontece, pois a esquerda se coloca a reboque de Macron e assim não cresce mesmo com as mobilizações que acontecem desde 2018.
Ele segue: “a Frente Popular antifascista de 1936 não se contentou em combater verbalmente a ameaça do fascismo: ela se inspirou no proletariado em movimento e, depois, nas ocupações de fábricas da primavera de 1936 – todas as coisas claramente abominadas pelo atual Partido Socialista (um admirador declarado do eurocrata Jacques Delors ou do superamarelo Laurent Berger…) e pelo neoconservador Glucksmann. Na verdade, a Frente Popular de 1936, que foi fortemente impulsionada pelo PCF leninista e revolucionário da época, assumiu francamente uma dimensão patriótica contra a Europa de Hitler, Franco e Mussolini em marcha, e também contra sua Quinta Coluna na França, uma dimensão que floresceu francamente na ‘Frente Francesa’ proposta por Thorez em 1938, depois na FTPF e na Resistência da FTP-MOI e, finalmente, na construção do CNR, que colocou ‘o mundo do trabalho no centro da vida nacional’”.
Aqui, o artigo começa a falsificar o passado da Frente Popular para defender o PCF. O que houve em 1936 foi um movimento de características revolucionárias, foi a maior greve geral da história da França, competindo com a greve de 1968 que foi maior em números absolutos, mas não em números relativos e em organização. Ou seja, a classe operária francesa teve a chance de tomar o poder naquele momento, mais de 10 mil fábricas foram ocupadas. Diante dessa possibilidade, o que eles ganharam? Direitos trabalhistas. Isso não pode ser considerado uma vitória.
O PCF foi um dos responsáveis por essa derrota. Isso porque é o papel do Partido Comunista tomar o poder em um momento revolucionário. O que ele fez foi apoiar um governo de frente com a burguesia, de frente com os radicais. Seria o equivalente a Lênin não defender a tomada do poder em outubro e deixar a esquerda pequeno-burguesa do governo. Com o tempo, isso abriria um flanco para a direita retomar o poder, foi o que aconteceu na França. Na Rússia, a revolução foi derrotada, mas mesmo com todos os revezes isso demorou mais de 70 anos.
Ele segue: “embora a SFIO de Blum e os Radicais de Daladier tenham traído rapidamente as dimensões inequivocamente antifascistas, antiimperialistas e anticapitalistas da Frente Popular (‘Pausa Social’ preparada em segredo por Blum e por pessoas próximas a ele na companhia de grandes empresas, os mal assinados Acordos de Matignon [junho de 1936], a Não-Intervenção na Espanha preparada com Londres e Berlim [julho-agosto de 1936…], os Acordos de Munique deixando os Estados Unidos na mão e que deram ao Reich de Hitler liberdade de ação na Tchecoslováquia e em toda a Europa Oriental [30 de setembro de 1938]), a histórica Frente Popular não poderia ser concebida sem uma dialética muito ativa, totalmente voltada contra o grande capital (as ‘200 famílias’ que controlavam o Banque de France), o anti-imperialismo e o antifascismo, simbolizados de forma ofensiva pela união de luta da Marselhesa e da Internacional (cf. Jean Renoir, o grande filme do diretor, que foi um dos maiores sucessos da história da França). O grande filme de Jean Renoir, La vie est à nous!”.
É interessante que aqui o artigo argumenta contra si próprio. Mostra que a frente era totalmente dominada pelo imperialismo. E ainda culpa tudo na posição do Partido Socialista, encabeçado por Blum. Mas a intervenção na Espanha dos comunistas era uma quase não intervenção, deixar a Europa para Hitler também foi uma política de Stálin, e outras medidas direitistas também era a política do PCF. Isso porque o partido seguia a linha do stalinismo que não era revolucionária. Pelo contrário, nessa mesma época os expurgos stalinistas assassinaram três gerações de dirigentes bolcheviques revolucionários.
A política contra revolucionária dentro da URSS era realizada também do lado de fora. Por isso o PCF, invés de seguir a linha de Lênin e não apoiar o governo de frente ampla, fez o oposto, entrou de cabeça na Frente Popular e impediu que a classe operária tomasse o poder. A contradição que ele cita é apenas porque em última instância era uma frente de esquerda. Se ela não fizesse nada de social seria absurdo. Mas era uma esquerda dominada pelo imperialismo, ou seja, da mesma forma que a esquerda que o artigo critica.
No fim ele tem o mérito de criticar as alianças com o imperialismo atual, mas confunde a situação ao não apresentar a realidade sobre a Frente Popular de 1936. É preciso assumir o erro da década de 1930 justamente como exemplo para mostrar que essa política não funcionará também atualmente. A aliança da esquerda com o imperialismo sempre levará à derrota.