A atriz britânica Emily ­Watson teve uma das estreias mais marcantes no cinema como a estrela de Ondas do Destino, de Lars von Trier, em 1996. Aos 29 anos, ela foi indicada ao Oscar por esse papel e, dois anos depois, recebeu novamente uma indicação pela interpretação da violoncelista Jacqueline du Pré, em Hilary e Jackie.

Conhecida pelas atuações firmes e corajosas, Emily ganhou um prêmio ­Bafta pelo papel de assistente social no teledrama Appropriate Adult (Adulto ­Adequado, 2011), e recebeu indicações para o Emmy e o Globo de Ouro pela minissérie ­Chernobyl (2019).

Seu mais recente longa-metragem, Pequenas Coisas Como Estas, dirigido pelo belga Tim Mielants, estreia nos cinemas brasileiros em março.

Emily Watson tem 57 anos e mora ao sul de Londres com o marido e dois filhos.

The Observer: Quando recebeu a indicação ao Oscar pelo seu primeiro filme, você achou que era demais para absorver?
Emily Watson: Eu era muito, muito verde e apenas fazia o que me mandavam. Acho que nunca tive um instinto para isso. Ou você tem ou você não tem. Acho que sou boa no que faço porque sou uma idiota. É preciso ser um pouco idiota para ser atriz.

TO: Como assim?
EW: Bem, em certo nível, é como ser uma criança pequena que acredita em Papai Noel. Em algum lugar dentro de mim – pelo menos é assim que funciona –, eu realmente acredito naquilo que estou vivendo. Obviamente, não penso assim o tempo todo. Eu sei, por exemplo, que meu filho precisa de sapatos para a escola ou coisas parecidas. Mas acho que é essa crença, um pouco boba, que permite que eu me entregue aos papéis da maneira como me entrego.

TO: Em seu novo filme, Pequenas Coisas Como Estas, uma adaptação da novela de Claire Keegan, você tem uma cena intensa com Cillian Murphy. Ele interpreta um comerciante de carvão numa pequena cidade irlandesa na década de 1980. Você é a sinistra Irmã ­Mary, chefe de um asilo de Madalenas. É um papel pequeno, embora fundamental. Por que você decidiu aceitá-lo?
EW: Bem, meu agente me enviou um roteiro e disse: “Cillian Murphy está no projeto”. E quando você ouve as palavras “Cillian” e “Murphy” na mesma frase, não tem como não se interessar. Mas então eu li e pensei: “Espere um minuto… A cena que temos… Oh! meu Deus, eu realmente quero experimentar isso”. Foi como se uma deliciosa fatia de torta tivesse aparecido na minha frente! É uma cena realmente incrível.

TO: Na interação, o personagem de Murphy, Bill, viu a realidade por trás dos asilos de Madalenas – onde freiras católicas separavam, à força, mulheres solteiras de seus recém-nascidos. A Irmã Mary tenta desesperadamente se agarrar ao seu poder…
EW: É de fato o coração das trevas. É abrir a cortina e dizer: “É realmente assim que essas pessoas operam”. Ela é como o poderoso chefão: está no topo de uma pirâmide de medo. Todos na cidade vivem com medo do julgamento dos cristãos.

TO: Pequenas Coisas Como Estas é o primeiro filme de Murphy desde que ganhou o Oscar por ­Oppenheimer – e é uma grande mudança de escala. Você enfrentou algo semelhante depois de Ondas do Destino e Hilary e ­Jackie. Como você reagiu?
EW: Adoro isso: o fato de, dentre todas as coisas que Cillian poderia fazer, ele ter decidido brilhar sua luz nesse projeto. Eu, no fundo, acho que tinha o desejo de tentar fazer coisas que tivessem integridade: certos padrões, diretores interessantes… eu sentia que era nesse lugar que eu poderia prosperar. Mas meu marido me disse uma coisa que levei para a vida: você está na fila para pegar um táxi e, quando chega a sua vez, tem de pegar o táxi que chega. Embora seja confortável pensarmos que temos um plano, fazemos o que aparecer. A existência dos atores e atrizes é bastante aleatória.

“Você está na fila para pegar um táxi e, quando chega a sua vez, tem de pegar o táxi que chega”

TO: Você também participa da série Duna: A Profecia (lançada em novembro na Max), liderada por protagonistas femininas. A trama se passa 10 mil anos antes dos filmes, e você interpreta Valya Harkonnen, a líder da sororidade Bene Gesserit. Como você a descreve?
EW: É revelado, durante a série, que Valya e sua família têm um passado bastante confuso e que ela é movida por um sentimento de vingança, por ter sido profundamente injustiçada. Ao mesmo tempo, ela é humana e é, especialmente, uma jovem mulher obstinada e livre – e isso nos leva a torcer por ela. Duna apresenta um universo moral muito complexo, onde não há mocinhos e vilões. E eu gosto disso. Não é como ficar desfilando de collant, meio a esmo.

TO: Você comentou, recentemente, que Duna “não é como Star Wars”. O que você quis dizer?
EW: Não me entenda mal. Amo Star Wars. Eu me referia tão somente ao escopo moral:  Star Wars traz uma dicotomia entre luz e uma escuridão; e uma noção de bem e mal muito clara. É um universo que traz uma inocência e uma pureza ausentes em Duna.

TO: Haverá mais temporadas de ­Duna: A Profecia?
EW: Teremos de aguardar para ver. Estou esperando o próximo táxi. Vai ser ­Duna ou outra coisa? Não sei.

TO: Isso é algo…
EW: Que infantiliza? Sim.

TO: Mas é também emocionante?
EW: É bem emocionante, exceto pelo fato de que estou na casa dos 50 e tenho filhos adolescentes, uma casa e um cachorro. Então, às vezes penso: “Deus, queria que, aos 22 anos, tivessem me dito que eu viveria em uma mala a vida inteira”. Mas não estou reclamando, porque é uma vida ótima, que adoro. •


Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves.

Publicado na edição n° 1351 de CartaCapital, em 05 de março de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Uma existência meio aleatória’

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Last Update: 26/02/2025