Uma decisão histórica que reafirma o valor da independência judicial na Colômbia
Por Katherine Vargas e Dora Nassif

A recente condenação penal, em primeira instância, contra o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez marcou um ponto de inflexão na história judicial da Colômbia. Para além das posições políticas, das leituras interessadas ou da comoção midiática e social que provocou, a Colômbia vive um momento sem precedentes: pela primeira vez, um ex-presidente foi condenado pela justiça comum, após um processo penal que atravessou múltiplas fases, juízes, governos e procuradorias.
A sentença foi proferida pela juíza Sandra Heredia, que considerou Uribe culpado dos crimes de fraude processual e suborno em atuação penal, na qualidade de determinador. Após avaliar as provas, que incluem interceptações, declarações e registros de visitas carcerárias, a magistrada concluiu que o ex-presidente instigou seu então advogado, Diego Cadena, a oferecer benefícios a pessoas privadas de liberdade para que modificassem seus testemunhos, buscando favorecer a imagem do ex-presidente e protegê-lo de acusações por supostos vínculos com grupos paramilitares.
A decisão gerou reações divergentes no país: enquanto alguns a consideram um ato de justiça que reforça a ideia de que ninguém está acima da lei, outros a interpretaram como um ataque político, alimentando teorias de perseguição contra o ex-mandatário. Contudo, para além das paixões políticas, este caso é uma oportunidade para falar de algo muito mais profundo: a importância de ter uma justiça independente e capaz de agir mesmo diante daqueles que ocuparam as mais altas posições de poder. Isso representa um marco em um país onde muitas vezes se questionou a lentidão, a seletividade ou a fragilidade da justiça. Este caso constitui uma exceção importante, não porque se busque punir uma figura política em particular, mas porque demonstra que as instituições podem funcionar, mesmo quando se trata de pessoas com grande poder.
A condenação não é definitiva. A defesa já anunciou que irá recorrer, e poderão ser apresentados outros recursos, como o de cassação ou uma eventual ação de tutela, caso se considere que houve violação dos direitos do ex-presidente durante o processo. Por isso, é preciso ressaltar que o caminho de Uribe na Justiça colombiana está longe de terminar; entretanto, isso não muda um fato central: a justiça atuou sem se deixar intimidar, e isso é um sinal saudável para a democracia.
Poucos dias após a condenação, a reação pública não tardou. Em várias cidades houve mobilizações tanto a favor quanto contra a sentença. As redes sociais se encheram de debates, opiniões e confrontos. Essa reação não surpreende ninguém no país: o nome de Álvaro Uribe marcou a política nacional por mais de duas décadas, e este julgamento toca fibras profundas em todos os setores. Mas, justamente por isso, é necessário defender a autonomia da justiça, pois uma democracia não se mede apenas pelas eleições que realiza, mas também pela capacidade que tem seu sistema judicial de agir com independência, sem favoritismos nem pressões.
Isso nos recorda a importância do Poder Judiciário, pois, sem juízes independentes, não há democracia possível.
Dora Nassif é advogada e mestranda em Direitos Humanos, Universidad Pablo de Olavide, em Sevilla.
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