O Maranhão é um estado brasileiro que tem uma história de conflitos agrários. A Baixada Maranhense, uma região da Amazônia Legal, é um dos locais mais conflitantes do país. A região é formada por lagos e campos sazonavelmente alagáveis, onde vivem comunidades quilombolas, indígenas e camponeses que se sustentam com a agricultura de subsistência, a pesca e a coletivização dos campos.
No entanto, esses territórios estão sendo ameaçados pela expansão da criação de búfalos, pelo cercamento ilegal de terras e por projetos defendidos pelos governos. O governador Carlos Brandão sancionou a “Lei da Grilagem”, que beneficia os latifundiários e suspende a regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas pela população quilombola e demais comunidades camponesas.
Um dos conflitos mais graves da Baixada ocorre na comunidade de Flexeiras, no município de Arari, onde os camponeses lutam contra o cercamento e a grilagem desde 2018. A reação dos latifundiários foi sanguinária e lideranças foram assassinadas. No entanto, a comunidade obteve uma importante vitória quando o Poder Judiciário reconheceu a posse camponesa do território.
O Opinião Socialista entrevistou Iriomar Teixeira, do movimento Fórum e Redes de Cidadania do Maranhão e advogado dos camponeses, que explicou a situação.
A Justiça reconheceu a posse dos camponeses sobre os territórios da comunidade de Flexeiras, em Arari, na Baixada Maranhense. Por que isso é importante?
Iriomar Teixeira – Porque reconhece um direito já sedimentado na consciência do povo camponês de Flexeiras, em Arari. É um reconhecimento daquilo que os camponeses já têm plena consciência, porque já estão lá há séculos e vivem da terra. Moram e produzem nessa terra.
É importante porque o próprio Estado reconhece, através do Poder Judiciário, que é um poder distante do povo, um lugar de privilégio. Esse reconhecimento veio agora, por meio da Vara Agrária, que é uma vara, aqui no Maranhão, especializada em conflitos fundiários coletivos. É o reconhecimento da voz dos camponeses, da posse legítima dos camponeses.
Mas, esse reconhecimento é fruto de muita luta das organizações do povo, que lutaram por seis anos. Foram muitas as lutas. Mobilizações e atos das comunidades, denunciando a invasão do latifúndio, e, ao mesmo tempo, reclamando dos poderes do Estado.
Nesses seis anos, teve muita luta e organização dos camponeses e um forte enfrentamento contra muitas autoridades. Houve, inclusive, assassinatos, tentativas de assassinatos, criminalização e a prisão de dezenas de camponeses. Conta para a gente um pouco essa história.
Como é recorrente no Brasil, a comunidade foi vítima da grilagem de terras. Aqui, foi isso. Um homem chamado Raimundo Nonato, latifundiário bastante conhecido na Baixada Maranhense, promoveu essa grilagem.
Houve a invasão da terra dos camponeses e, ao mesmo tempo, essa pessoa acionou o Estado, dizendo que aquela posse era dele. E, num primeiro momento, o juiz da Comarca de Arari concedeu uma liminar de manutenção de posse em favor deste grileiro e mandou uma grande quantidade de policiais, que invadiram a comunidade para que os camponeses não tivessem acesso à área. Isso foi no início de 2018.
Mas, mesmo assim, o povo não se intimidou nessa luta. Resistiram e não baixaram a guarda. Enfrentando situações e realidades muito parecidas com a de Flexeiras, essa resistência foi se espraiando no território da Baixada Maranhense porque outras comunidades também foram se encorajando com esse exemplo dado pelo Povoado de Flexeiras.
As autoridades de Arari não deram nenhum encaminhamento às nossas denúncias. Começou a ter um processo de criminalização muito grande das comunidades, das lideranças e dos lutadores. Em quatro anos, foram oito ataques que terminaram no homicídio de seis camponeses. Foi um banho de sangue, na verdade. Por isso, essa vitória significa tanto. É uma vitória em honra daqueles que tombaram na luta e derramaram seu sangue em prol dessa luta.
E como os movimentos camponeses, quilombolas e indígenas do Maranhão devem reagir à lei do governador Carlos Brandão que entrega o que ainda restam de terras públicas no estado?
Primeiro, é derrotá-la. Não tem outra forma. E o governo já deu demonstração de que não vai revogá-la com o diálogo. A única forma de se derrubar a lei é através da pressão popular. Os movimentos populares, especificamente aqueles que atuam no campo maranhense, devem assumir isso como uma bandeira e pressionar o governo até que a lei seja revogada. Ou, então, as consequências serão drásticas, aqui. Com o aumento dos conflitos, dos assassinatos, das ameaças e das milícias que têm crescido no campo.