Uma Big Tech franco-brasileira para combater o American Gollum Policy on AI microchips?
por Fábio de Oliveira Ribeiro
Se observarmos a aproximação tóxica entre Donald Trump e os barões dos dados Elon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos algumas coisas podem ser ditas. A primeira e mais óbvia é a de os donos das Big Techs que querem aquilo que os empresários norte-americanos sempre quiseram: acesso a mais dinheiro público sem qualquer compromisso ou restrição (como se fossem os Bancos em 2008).
Donald Trump, a seu turno, quer aquilo que todos os políticos sempre quiseram: mais poder e legitimação popular, ainda que artificialmente obtida, para fazer o que bem entender. Os cidadãos comuns norte-americanos não têm nada a ganhar dessa união, porque o Estado continuará subsidiando os “lucros como de costume” dos bilionários e não investirá em coisas úteis (saúde pública, trens balas, etc) e o novo presidente dos EUA obviamente não aumentará o Salário Mínimo nem aprovará qualquer benefício social novo para os cidadãos empobrecidos.
A equipe de Trump aliás está cheia de bilionários, o que nos leva a outra reflexão importante: a de que o poder político será ainda mais privatizado. Os problemas dessa submissão do interesse público à ganância privada provocará distorções ainda maiores
Negócios e Política não são duas coisas idênticas. Nem todos as pessoas têm dinheiro para consumir as mesmas mercadorias, mas nenhum cidadão pode ficar sem ser atendido pelo Estado como se não tivesse direito porque não tem poder de compra. Isso para não mencionar aqui que o critério para definir um bom governo não é a quantidade de dinheiro que ele arrecada ou economiza, mas a qualidade de vida que ele proporciona aos seus cidadãos, especialmente àqueles que não podem pagar por coisas essenciais (saúde, educação, aquecimento no inverno, eletricidade, água, comida, etc.).
Um estado de bilionários, governado por bilionários para bilionários empoderados por Big Techs que controlam o show de horrores na internet, é a distopia perfeita, porque os bilionários não têm e não querem ter contato com a realidade da esmagadora maioria das pessoas comuns. As vítimas do sistema, por outro lado, serão impossibilitadas de perceber o que realmente está acontecendo porque a atenção delas será sugada para dentro de bolhas de entretenimento e de desinformação.
Esse retorno ao feudalismo é fortalecido pelas novas restrições impostas pelos EUA à comercialização de microchips de IA. My precious, my precious, my precious… A “American Gollum Policy on AI microchips” me faz rir. Ao que parece os governantes dos EUA não conseguiram entender um ponto fundamental do livro “O senhor dos anéis”. Gollum se torna escravo do anel e acaba perdendo a vida de maneira fútil por causa dele.
Existe, contudo, outra maneira de ver a união tóxica entre Donald Trump e os barões dos dados. Mas para entender isso é preciso mencionar aqui a China e a diferença fundamental que existe entre o sistema de poder norte-americano e o sistema de poder chinês.
Nos dois países as Big Techs são empresas privadas que receberam ou ainda recebem benesses estatais. Mas enquanto na China o Estado mantém um rígido controle sobre o que os barões dos dados chineses podem ou não fazer (lá não é possível um bilionário usar sua plataforma de internet para desafiar o governo ou espalhar Fake News anticomunista), nos EUA os donos de Big Techs podem fazer o que bem entendem especialmente agora que eles terão liberdade total para agir desde que mantenham alguma fidelidade à Casa Branca.
Nesse sentido, além dos benefícios mútuos evidentes, a união entre Donald Trump e os barões dos dados Elon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos talvez tenha ocorrido para despertar inveja nos donos das Big Techs chinesas. Para incentivá-los a exigir e conquistar mais espaço político, algo que inevitavelmente levaria em pouco tempo ao colapso do sistema de poder público chinês. Todavia, não me parece que o Partido Comunista da China seja ingênuo o bastante para se deixar apanhar nessa frágil rede de espelhos criada pelos norte-americanos.
Mas os efeitos do novo sistema de poder norte-americano não deixará de produzir estragos mundo afora. E em algum momento os concorrentes dos EUA terão que começar a dar realmente prejuízo às Big Techs norte-americanas. Afinal, Estados são organizações políticas permanentes e economicamente poderosos o suficiente para esmagar dentro de seus territórios qualquer empresário individual, seja ele norte-americano ou chinês.
A união de esforços entre Lula e Angela Merkel ajudaram a destroçar o sistema mundial de espionagem criado e gerenciado pela NSA. Uma união de esforços entre Lula e Emmanuel Macron contra o poder das Big Techs norte-americanas nesse momento pode ser crucial para reequilibrar a balança de poder, minimizando os estragos políticos que Elon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos podem causar. Assim que começarem a ter realmente prejuízo esses picaretas serão obrigados a rever suas opções políticas. Caso contrário, a criação de Big Tech franco-brasileira incentivada pelos governos dos dois países poderá se tornar uma solução economicamente inovadora e politicamente interessante.
França e Brasil tem recursos suficientes para construir algo semelhante? Com a palavra os especialistas em finanças e tecnologia.
Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “